Eram quase três
horas da tarde e os demais membros do grupo já haviam chegado fazia um certo
tempo.
O
assunto não poderia ser outro estando eles tranqüilos na sala de Hanz, as ações
realizadas e sua repercussão. Mas nem todos estavam tranqüilos, haviam alguns
motivos para preocupação.
-
Tenho que dar os parabéns pra vocês dois, mesmo com a cidade empesteada de
polícia vocês deram conta do recado. Pra falar a verdade mesmo, nem sei se eu
teria coragem, acho que não. – declara Renzo.
- Foi
como eu disse, eu não me arriscaria numa ação assim se eu não soubesse o que
estava fazendo. Entendo a preocupação de vocês e aviso que não foi algo
simples, mas ainda bem que tudo deu certo. – diz Jean com o costumeiro cigarro
na boca.
-
Pena que eles consertaram a central de energia tão rápido, era quase meio-dia
quando o abastecimento se normalizou. Podia ter ficado o dia todo, pelo menos
não haveria trabalho. – lamentou-se Hanz.
Paulo
incomodava-se com o fato do pessoal da rua onde Hanz mora quase sempre
presenciar a chegada deles no local. Mesmo Hanz tendo acabado de comentar sobre
a conversa que tivera com Willian pela manhã.
- Não
seria mais seguro revezarmos? Cada dia fazermos a reunião na cada de um de nós?
– indagou ele.
- A
princípio a idéia parece ser boa, mas se agíssemos dessa forma ao invés de
despertarmos a curiosidade só do pessoal aqui da rua estaríamos despertando a
atenção de pessoas de diversos outros lugares também, não acham? – opôs-se
Jean.
Todos
concordaram, até mesmo Paulo, que dera a idéia.
-
Sossega Paulo, a desculpa que eu dei vão colar tranqüilo, esses babacas nem
desconfiam do que acontece aqui. Vocês viram o que eles pensam? São uns idiotas
mesmo, seita satânica... pô, que é isso. E outra, o povo tá achando que isso é
coisa de grupos maiores, tipo Al Qaeda, coisa assim... – reforça Hanz.
- É
amor, não liga pra isso não. E olha Hanz, sobre esse vínculo dos ataques com o
grupo do Bin Laden, eu também ouvi vários comentários a respeito lá no meu
trabalho. – interveio Cibele.
- Pô,
fala sério, de onde o povo tira essas idéias? – divertia-se Renzo.
-
Isso é trauma Renzo. O mundo todo tá traumatizado depois dos atos terroristas
dos Estados Unidos e da Espanha. Qualquer coisa que aconteça agora é atribuída
à eles até que se prove o contrário. – disse Tatiana.
- É
isso mesmo Tati, mas não é só a Al Qaeda que existe, o povo não pode se
esquecer de que existem grupos terroristas em diversos lugares. Na Colômbia, na
Espanha, na Irlanda... e agora também um no nosso país. – disse Paulo
orgulhoso.
- O
bom disso é que ganhamos mais respeito e até temor por parte do governo, isso
pode facilitar nosso trabalho. – comenta Jean.
-
Facilitar como? Eu acho que talvez até dificulte porque com os ataques sendo
atribuídos a esses grupos maiores não serão só os serviços de inteligência
nacionais que estarão investigando as ações. – expõe um novo problema Hanz.
- Não
tinha pensando nisso. Eu já sabia que o governo e as forças militares cairiam matando
encima, quanto à isso não restava a menor dúvida, mas o problema de que as
ações sejam atribuídas à grupos internacionais realmente pode dificultar nossas
próximas ações trazendo um maior risco pra gente. – concorda Jean.
- Vi
um programa de televisão ontem onde diziam que o governo não está disposto a
barganhar com grupos que agem dessa forma. – disse Cibele.
- Eu
vi esse programa também Ci. Isso é blefe, o presidente quer tomar como exemplo
os Estados Unidos, é um puta de um babaca. Quero ver ele não atender nossas
exigências quando metade da cidade tiver sido atacada. E outra, não apenas eu
ouvi, como até o Hanz disse a pouco, tem muita gente apoiando nossa causa. O
governo pode até fazer jogo duro agora no começo mas quero ver até quando ele
persiste com esse tipo de atitude. – relatou Tatiana.
Jean,
com um sorriso sarcástico, arrebata.
-
Poxa pessoal, vocês achavam o quê? Que o governo iria aceitar nossas exigências
assim facilmente? Caiam na real poxa, é claro que a primeira atitude que eles
tomariam era a de combater esse tipo de atitude e declarar que se negam a
dialogar mediante esse tipo de coisa, nem poderia ser diferente senão todo dia
apareceria um grupo reivindicando alguma coisa. Mas se nos mantivermos firmes,
mostrarmos que realmente estamos dispostos a ir até as últimas conseqüências em
nome do que acreditamos, cedo ou tarde eles terão que ceder.
- De
bobos eles não tem nada fiu, eles dão uma de amigo do povo enquanto o povo está
do lado dele. Experimenta cutucar a ferida, ameaçar o comando e o governo pra
ver se eles não mostram a real, o pau come!!! – relatou Renzo, sério.
- Se
houver uma manifestação popular gigantesca, se o governo decidir atender às
reivindicações feitas e os militares perceberem que estão perdendo o controle
da situação nada os impede de tomar o poder na marra como já aconteceu antes.
Mas acho que nossas reivindicações não afetam o poder militar, ao contrário,
estamos até apoiando a idéia de as forças armadas agirem em prol do controle da
criminalidade, o que só traria mais recursos financeiros pra eles, não vejo
motivos para isso acontecer. – fala Jean.
-
Queria falar uma coisa: acho que no próximo ataque os alvos não podem ser mais
na cidade. Aqui é pequeno, qualquer alvo que possa ser atacado com certeza
estará com a vigilância reforçada, existem mais policiais nas ruas, enfim, agir
aqui na cidade será extremamente arriscado daqui pra frente. – diz Cibele
preocupada.
-
Isso já havia sido estudado Cibele, só estava esperando iniciarmos o planejamento
da próxima ação para declarar isso. As próximas acontecerão dentro de duas
semanas e em duas cidades próximas daqui, aliás, os alvos serão do mesmo tipo,
mas em cidades diferentes. – esclarece Hanz.
-
Muito bom Hanz, o prazo para a nova ação é razoável, cria uma confusão, não
sabem se as ações terminaram ou se há a possibilidade de ocorrerem novamente...
E duas cidades aqui próximas, isso exigirá uma coordenação ainda maior, mas
espalhará mais ainda o caos. Ótimo. – concorda Jean.
- Mas
será que esse tipo de ação já não é esperado pelo governo? – indaga Paulo.
- É,
tem isso também. Eles devem imaginar que não atacaremos mais aqui na cidade e
que, se fizermos novamente, será em outra cidade próxima. – preocupa-se
Tatiana.
-
Eles podem pensar muita coisa, mas qual delas é a verdade? Eles podem imaginar
que não ataquemos mais aqui e relaxar a guarda, mas e se não acontecer isso?
Eles podem imaginar que ataquemos outras cidades, mas quais? Aí que está a
questão, eles não podem vigiar efetivamente dezenas de cidades ao mesmo tempo,
esse é o nosso trunfo. – prossegue Hanz.
- E
se atacarmos aqui mesmo? – indaga Renzo tentando simplificar a coisa.
- O
risco de sermos pegos atacando aqui de novo é maior do que atacarmos em cidades
vizinhas que eles nem desconfiam quais sejam. – responde o amigo.
Todos
pensam um pouco e parecem ter concordado com o plano, mas surge uma nova
dúvida, exposta por Paulo.
- O
problema é que de fim de semana eu e o Renzo trabalhamos à noite, e aí?
Todos
os olharem voltam-se para Hanz como que já esperando a solução para essa
questão.
- Aí
que tá Paulão, dessa vez vocês terão uma folga.
-
Como isso fiu? Vai deixar a gente de fora? Não acredito que vai deixar a gente
de fora fiote!!!! – Renzo fica inconformado.
- Nós
fazemos parte do grupo como qualquer um, queremos participar de tudo cara!!! –
protesta Paulo.
-
Calma aí gente, deixem ele falar pô. – intervém Tatiana.
- Eu
sei de tudo isso Paulo, sei que assim como os demais vocês também querem ajudar
a mudar essa zona toda, mas foi como você mesmo disse: temos que evitar dar
margem à desconfianças. O grupo agindo quando vocês estão no trabalho faz com
que nossas reuniões deixem de ser visadas entende? Torna-se um álibi tanto para
vocês dois quanto para os demais membros do grupo, ou vocês acham que não deve
estar cheio de investigadores por aí loucos pra colocarem as mãos na gente? Deu
pra entender?
- É,
deu. Mas porra, não é fácil ficar sem fazer nada enquanto vocês botam pra
quebrar, eu curti a adrenalina fiote.
-
Segura sua adrenalina pros campeonatos Renzo, isso aqui não é brincadeira acho
que você já percebeu isso. E vocês de certa forma estarão agindo, de uma
maneira passiva, mas estarão, sacou? – explica Jean.
-
Certo, certo, mas com nós dois de fora quem vai cumprir nosso papel no ataque?
Vão dizer que é a Cibele? – indaga Paulo ainda contrariado.
O
silêncio da parte de Hanz soa como uma resposta positiva, o que contraria ainda
mais Paulo que mostra-se muito irritado.
- Nem
a pau!!!! Não vou ficar na boa enquanto a Ci se arrisca!!!! Não vou mesmo!!!!
-
Amor, calma, eu faço parte do grupo como todo mundo. Quem tá na chuva é pra se
molhar.
Todos
reprovavam a atitude de Paulo e Tatiana não se contém.
- Não
to te entendendo Paulo, qual o problema nisso?
- O
problema é que a Cibele não possui o preparo necessário para agir na linha de
frente, seria muito perigoso tanto pra ela como para o grupo.
- Por
que isso amor? Não existe isso não, eu tenho a mesma bagagem que você nesse
sentido e nada me impede de desempenhar meu papel tão bem ou até melhor do que
você. – Cibele fica irritada com a afirmação do namorado.
- Não
tem não Ci. Eu vivi nas ruas e tenho experiências que você nunca teve, não tem
comparação.
Jean
entra na discussão.
-
Calma aí Paulo, mas qual bagagem você adquiriu nas ruas nesse sentido? Alguns
assaltos ou coisas assim? Você pode explicar melhor isso?
Paulo
enrolou, gaguejou, mas não conseguiu explicar e isso demonstrava que sua
justificativa não possuía fundamento.
-
Porra, isso tá me cheirando à machismo. – comenta Tatiana bastante nervosa.
Cibele
estava visivelmente chateada e Paulo, em silêncio, consumia-se em vergonha e
aborrecimento.
-
Nosso grupo deve ser maior que esse tipo de coisa. A Cibele só não participará
se ela achar que não deve, caso contrário o plano seguirá conforme eu disse. –
finalizou Hanz.
-
Podem contar comigo gente, eu sempre esperei por essa oportunidade e não vou
deixá-los na mão não. Só não participei da primeira porque não houve
necessidade, mas dessa eu quero participar sim.
Paulo
estoura de vez, na tentativa de fazer Cibele mudar de idéia.
-
Acho que você se esquece de que tem um filho pra criar Cibele. Se acontece
alguma coisa quem vai cuidar dele?
A irritação toma conta não só da companheira
do rapaz como também do restante do pessoal.
- Não
Paulo, não me esqueço disso não, mas quando resolvi entrar nisso sabia do risco
que corria e você mesmo concordou com minha entrada. Todo mundo está sujeito a
morrer, basta estar vivo, mas morreria com orgulho se isso acontecesse enquanto
luto para melhorar meu país e para meu filho.
Paulo
emudeceu, definitivamente não havia sido feliz em suas justificativas.
-
Todos aqui tem uma vida à parte do grupo. Ninguém aqui vive exclusivamente pra
ele ou ganha dinheiro com ele, somos pessoas comuns lutando por um ideal. Todos
temem a hipótese de alguma coisa dar errado: ser preso, se machucar ou morrer.
Burro seria aquele que não se preocupasse com isso. Agir tendo consciência do
risco que se corre é o verdadeiro sinal de coragem e heroísmo, agir sem ter
noção do perigo é ignorância. Ninguém aqui quer morrer, ninguém aqui é suicida,
mas todos sabem que isso pode acontecer e admiro muito todos vocês por se sujeitarem
a correr esse risco em nome da nossa causa. Parabéns mesmo. – disserta Hanz.
-
Porra fiote, disse tudo agora, mas você está no mesmo barco que a gente. –
aplaude Renzo.
-
Verdade Hanz, cada dia eu me surpreendo mais com você e com o grupo. Não só
pelos ideais que você passa mas pelo modo como planeja tudo com precisão, não é
à toa que tudo tem dado certo. – elogia Jean.
-
Valeu pessoal, mas isso é um mérito de todos. E todos aqui sabem do risco que
correm, ninguém aqui é criança. – agradece Hanz olhando diretamente para Paulo,
ainda envergonhado.
-
Temos que acertar os detalhes da próxima ação agora. – fala Tatiana.
Enfim
detalhes como horários, alvos de ataque e demais pormenores relativos à próxima
ação do grupo são combinados.
Era
evidente a ansiedade de todos, principalmente de Cibele que até então só havia
participado da parte teórica e agora agiria efetivamente, mesmo contra a
vontade de Paulo que ainda estava aborrecido diante de ter sua opinião
desprezada pelo restante do grupo, tendo sido taxado de machista.
Como
de costume Jean entregara os explosivos na casa de cada um para evitar a
movimentação num único local. As dúvidas que viessem a surgir seriam tiradas
por telefone, por menores que pudessem ser.
Não
poderia haver margem para erros.
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