terça-feira, 22 de julho de 2014

Capítulo XLIII


Algumas semanas já haviam se passado desde que o enterro de Paulo acontecera e tudo corria normalmente, todos haviam retornado à sua vida cotidiana sem maiores surpresas.
  Os contatos entre eles era mantido com certa freqüência, a morte do companheiro parecia ter unido ainda mais aquele grupo de amigos, Cibele e Renzo sempre apareciam na casa de Hanz buscando maiores informações sobre o mundo espiritual, assunto havia-lhes interessado bastante, mas ninguém jamais comentou nada sobre a execução de uma nova ação do grupo. Todos preferiam manter silêncio sobre o assunto e ninguém se atrevia a quebrá-lo.
  Hanz agora já não se dedicava tanto à internet e à seus estudos pois a freqüente companhia de Tatiana não mais permitia que ele o fizesse. Por um lado ele estava feliz por ter alguém ao seu lado para lhe dar carinho e atenção mas haviam momentos em que ele sentia falta daqueles dias de solidão onde podia se dedicar aos seus passatempos sem preocupações.
  Renzo retornou aos seus treinos diários e demorou um certo tempo para que ele deixasse de se entristecer quando chegava ao seu trabalho. Às vezes ao olhar para a mesa do dj da boate ele sentia um aperto no coração ao concluir que seu amigo nunca mais estaria ali. Seu namoro com Bianca estava calmo, já fazia um bom tempo que ele e a garota não se desentendiam, mas o relacionamento continuava morno como sempre foi.
  O cotidiano de Cibele havia mudado um pouco, passou a ficar mais na casa da sua irmã, com quem deixava Henrique enquanto estava no trabalho. As últimas lembranças que guardava de Paulo em sua casa não eram das mais felizes e ela evitava permanecer ali o máximo que podia.
  Tatiana quando não estava no trabalho sempre preferia ficar na companhia de Hanz e era dificilmente vista em sua casa, embora não passasse todas as noites com Hanz. Às vezes ela percebia que seu agora namorado necessitava de um tempo sozinho e ela procurava respeitar isso para não sufocá-lo.
  Jean não era muito de sair de casa, preferia permanecer em sua tranqüila residência onde podia estudar os detalhes de próximas ações do grupo e ficar antenado com os meios de comunicação para averiguar a repercussão diante do que já haviam feito. De vez em quando Tatiana o visitava, sempre em segredo, pois eles já haviam percebido que Hanz nutria um grande ciúme pela amizade dos dois. Não mantinha contato com o restante do grupo, ele sabia que Cibele o odiava devido ao que acontecera à Paulo e Hanz havia mudado seu modo de tratá-lo ao iniciar seu namoro com Tatiana. Era o que mais se mantinha distante do grupo de amigos.
  Numa noite de sexta-feira Hanz estava no computador quando seu telefone tocou.
  - E aí Hanz, tudo bem cara?
  - Fala Jean, por aqui tudo bem meu e por aí como estão as coisas?
  - Por aqui tudo em ordem. Eu tô te ligando pra gente começar a agilizar os esquemas pra próxima ação do grupo. Ninguém comentou mais nada...
  - É Jean, o pessoal não tem falado mais nada sobre isso, na verdade tô achando que depois do que aconteceu com o Paulo o pessoal desanimou um pouco, mas o que você tem em mente?
  - Bom, por mim vamos manter o que havia sido combinado em relação àquele último que não aconteceu, mas seria bom reunirmos o pessoal pra relembrarmos tudo e vermos o dia que em que ela vai acontecer.
  No fundo a idéia de uma nova ação estava fora dos planos de Hanz. Infelizmente a situação do país não havia mudado, todos já pareciam ter se esquecido do que acontecera e os objetivos do grupo não haviam sido alcançados.
  Hanz pensou um pouco, preferia já afirmar logo para Jean que não estava mais disposto a participar do grupo em relação à novas ações mas preferiu deixar para fazer tal afirmação em uma próxima reunião do grupo.
  - Tudo bem, eu vou falar com o pessoal e a gente marca alguma coisa, daí eu te aviso beleza?
  - Tá certo então, vou esperar você me telefonar. Um abraço cara.
  - Tá certo, outro Jean.
  Hanz não demonstrava a menor vontade de participar de novas ações do grupo, mas não sabia se os demais integrantes partilhavam do mesmo sentimento que ele. A morte de Paulo, a ineficácia das ações realizadas, o silêncio por parte dos demais integrantes do grupo e uma angústia enorme quando vinha à sua mente a idéia de novas ações o desmotivavam em relação à isso.
  Resolveu telefonar para Renzo e conversar a respeito.
  - Olha fiote, eu não sei você, mas eu não tenho mais o menor pique pra fazer mais nada disso fiu. Ninguém falou mais disso, eu acho que o pessoal também perdeu.
  Hanz ficou feliz com a afirmação dele, era sinal de que ele não era o único que não mais desejava participar.
  - Te confesso que eu também não tenho mais meu. Não sei, mesmo com tudo que nós já fizemos parece que não apareceu resultado nenhum... E sei lá, mas eu não tenho mais o pique de ficar me arriscando não, por mim as ações do grupo acabaram. Mas vamos marcar uma reunião aqui em casa assim podemos decidir isso certinho, pode ser?
  - Por mim tudo bem fiu. Só o Jean mesmo pra ainda pensar nisso. Depois do que aconteceu, da frieza dele vendo o Paulo morrer ali na frente dele isso não me surpreende muito. Mas pra que dia é a reunião?
  - Pode ser domingo agora, umas quatro horas, você tem alguma coisa pra fazer domingo?
  - Por mim tá tudo bem, daí já colocamos logo um fim nisso. Tenho certeza de que a Cibele e a Tati também desistiram disso, só espero que o Jean concorde com a idéia.
  - Bom, eu não falei com elas ainda, mas também acho que elas não tão mais afim, mas vou ligar pra elas e marcar a reunião, domingo a gente tira isso a limpo.
  - Tá certo fiote, até domingo então.
  Hanz ainda não tinha pensado na hipótese de Jean  ser contra a dissolução do grupo, mas o que ele poderia fazer? Agir sozinho era impossível e ele só começou com as ações após integrar-se ao grupo de forma que assim que ele fosse desfeito ele não poderia continuar sozinho.
  - Jean, sou eu, Hanz.
  - E aí, falou com o pessoal?
  - Tô ligando pra eles, vamos nos reunir aqui em casa domingo às quatro, beleza?
  - Por mim tudo bem. Não vejo a hora de agir novamente, tô criando teia de aranha já. – Jean não escondia sua empolgação.
  - Tá certo, domingo a gente vê certinho, até lá. – Hanz ficou ainda mais angustiado vendo que Jean tinha certeza de que as ações continuariam. Como ele reagiria ao saber que elas não mais aconteceriam? Ele sempre demonstrou ser uma pessoa bastante equilibrada mas o coração das pessoas é algo que sempre esconde grandes surpresas, nem sempre agradáveis.
  - Cibele?
  - Oi Hanz, tudo bem?
  - Tudo. Olha, eu tô te telefonando pra gente marcar uma reunião do grupo aqui em casa no domingo, tudo bem pra você?
  - Reunião do grupo, como assim?
  - É que o Jean me telefonou perguntando sobre quando aconteceria uma nova ação do grupo então acho melhor a gente se reunir pra discutirmos isso. Não dá pra deixar por isso mesmo né?
  - O Jean né... sei... Olha Hanz, eu não sei de você, mas eu não quero mais participar de nada não. Nós podemos manter nossa amizade como estamos mantendo até agora, mas eu não quero mais participar dessas coisas não...
  Novamente a alegria e a angústia intercalaram-se no peito de Hanz, alegria por ver que provavelmente o grupo seria dissolvido e angústia por não saber qual seria a reação de Jean diante disso.
  - Tudo bem Cibele, pra falar a verdade você não é a única. Mas é melhor a gente se reunir e deixar bem claro isso. Posso contar com você domingo aqui em casa? Umas quatro horas, tudo bem?
  Um breve silêncio se fez, parecia que a idéia de Cibele encontrar-se com Jean não a agradava muito.
  - O Jean vai tá aí também né Hanz?
  - É, ele faz parte do grupo né Cibele, ele vem sim. – após a morte de Paulo os dois não mais haviam se encontrado e por mais que Hanz e Tatiana lhe explicassem que Jean não tinha tido culpa no ocorrido ela não conseguia deixar de odiá-lo.
  - Bom, eu apareço aí sim. Não gosto muito de ter que olhar pra cara dele, mas enfim, daí colocamos um basta nisso tudo. Além do mais, não adiantou de nada tudo o que fizemos, não vejo motivo algum pra continuarmos com isso, até mesmo porque eu não quero mais me envolver com essas coisas. Quatro horas né?
  - Isso Cibele, quatro horas.
  - Então tá certo, quatro horas eu estarei aí na sua casa.
  Hanz voltou à mexer em seu computador. Não havia necessidade de telefonar para Tatiana pois ela o visitaria naquela noite e poderiam conversar pessoalmente.
  Por volta das nove horas ela chegou em sua moto, como de costume. Brutus já havia se acostumado com a garota e não mais pulava sobre ela ao vê-la chegando.
  Já enquanto jantavam Hanz decidiu entrar no assunto que havia tirado sua tranqüilidade após um bom tempo sem ter com o que se preocupar.
  - O Jean me ligou hoje Tati.
  - É? Nossa, e o que ele queria? – surpreendeu-se ela com uma inusitada cara de espanto.
  - Ele tá querendo que o grupo retome as ações. Me telefonou pedindo pra que eu fale com o pessoal, eu já marquei com eles de a gente se reunir aqui domingo de tarde pra combinarmos o que será feito.
  - E todo mundo concordou?
  - É, a Cibele e o Renzo concordaram em vir na reunião, mas acho que eles não vão querer continuar participando do grupo não.
  - Bom, nesse caso então vamos ter que arrumar novas pessoas pra agir com a gente né?
  A pergunta atingiu Hanz como um saco no estômago. Ele não imaginava que ela estivesse disposta a continuar com as ações, e pior, achar que ele também estivesse.
  - Olha Tati, na verdade eu também não tô mais a fim de continuar com isso não.
  A reação da garota foi ainda mais contundente.
  - Como assim Hanz!? Você vai querer pular fora agora é!? A Cibele e o Renzo eu até entendo, eles ficaram abalados com a morte do Paulo, mas você!? Pô, você mesmo nem tava se dando bem com o cara, ele só te sacaneava, vai pular fora por quê!? – disse ela alterando seu tom de voz, inconformada com a atitude dele.
  - Não Tati, não é por causa do Paulo que eu perdi a vontade. Sei lá, tudo o que fizemos até agora não adiantou nada, acho que é perda de tempo continuarmos com isso, nos arriscando desse jeito à toa. Pô, nossa vida tá legal, estamos sossegados, eu prefiro que as coisas continuem assim, não quero mais me arriscar e muito menos que você também se arrisque.
  - Caramba, eu não imaginei que você fosse assim covarde cara, nunca imaginei!! Eu já esperava que os dois pulassem fora, mas não você!! Pô, temos que lutar até que esse maldito governo atenda aos nossos pedidos, você vai querer desistir agora e deixar tudo continuar do jeito que tá? Isso é burrice!! – gritou ela jogando seu garfo no prato descontroladamente.
  - Calma Tati, não precisa gritar não pô. Desculpa, mas eu não quero mais continuar com isso, é uma decisão minha e queria que você também compartilhasse dela, não quero que você fique se arriscando por aí...
  - Compartilhar!? Compartilhar de quê!? Da sua covardia!!? Não mesmo!! Se vocês não estão mais a fim o problema é de vocês, eu e o Jean daremos um jeito de continuar, e não precisa mais se preocupar comigo não Hanz, a partir de agora não tem mais motivo pra isso!! – gritou ela se levantando e indo para a porta.
  Hanz a seguiu, não desejava que as coisas caminhassem daquela forma.
  - Tati, por que isso agora? Esse tempo todo você nem mais tocou no assunto, pensei que também tivesse esquecido disso, vamos ficar na boa, não vai ser meia-dúzia de pessoas que vai muar alguma coisa, se não mudou até agora não vai mudar mais.
  - Ficar na boa!? Ficar na boa que você diz é cuidarmos só de nós mesmos e deixar essa bandalheira toda continuar não é!? Eu não penso assim, e fico triste em ver como você é acomodado e covarde, pensei que você fosse de outro jeito. Pelo visto me enganei, e muito com você. Agora dá licença que eu vou embora.
  Hanz estava atônito com a reação dela pois voltava à cena aquela Tatiana que ele abominava. A Tatiana rebelde, grosseira e masculinizada que sempre repeliu sua vontade de aproximar-se demonstrava não estar enclausurada no passado como ele desejava.
  Absorto nesses pensamentos ele ficou observando-a colocar sua moto na calçada e vestir seu capacete.
  - Bom, a reunião será domingo às quatro horas, vai tá todo mundo aqui, espero que você também esteja. – disse ele enquanto ela ligava a moto.
  Tatiana apenas o olhou com ar de desprezo e partiu.
  Mais uma vez Hanz estava ali parado em seu portão apenas na companhia de Brutus mas dessa vez não sentia-se tão solitário pois os enfeites natalinos alegravam aquela deserta ruazinha.
  Deveria ele trair sua convicção em nome de um amor? Que tipo de sentimento era aquele que Tatiana nutria por ele?
  Sentiu-me mal por imaginar que mais uma vez tivesse dedicado seu amor à uma mulher que não o merecia. Teria ele mais uma vez se enganado?
  Infelizmente tudo aquilo demonstrava que sim.

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