Algumas
semanas já haviam se passado desde que o enterro de Paulo acontecera e tudo
corria normalmente, todos haviam retornado à sua vida cotidiana sem maiores
surpresas.
Os contatos entre eles era mantido com certa
freqüência, a morte do companheiro parecia ter unido ainda mais aquele grupo de
amigos, Cibele e Renzo sempre apareciam na casa de Hanz buscando maiores
informações sobre o mundo espiritual, assunto havia-lhes interessado bastante,
mas ninguém jamais comentou nada sobre a execução de uma nova ação do grupo.
Todos preferiam manter silêncio sobre o assunto e ninguém se atrevia a
quebrá-lo.
Hanz agora já não se dedicava tanto à
internet e à seus estudos pois a freqüente companhia de Tatiana não mais
permitia que ele o fizesse. Por um lado ele estava feliz por ter alguém ao seu
lado para lhe dar carinho e atenção mas haviam momentos em que ele sentia falta
daqueles dias de solidão onde podia se dedicar aos seus passatempos sem
preocupações.
Renzo retornou aos seus treinos diários e
demorou um certo tempo para que ele deixasse de se entristecer quando chegava
ao seu trabalho. Às vezes ao olhar para a mesa do dj da boate ele sentia um
aperto no coração ao concluir que seu amigo nunca mais estaria ali. Seu namoro
com Bianca estava calmo, já fazia um bom tempo que ele e a garota não se
desentendiam, mas o relacionamento continuava morno como sempre foi.
O cotidiano de Cibele havia mudado um pouco,
passou a ficar mais na casa da sua irmã, com quem deixava Henrique enquanto
estava no trabalho. As últimas lembranças que guardava de Paulo em sua casa não
eram das mais felizes e ela evitava permanecer ali o máximo que podia.
Tatiana quando não estava no trabalho sempre
preferia ficar na companhia de Hanz e era dificilmente vista em sua casa,
embora não passasse todas as noites com Hanz. Às vezes ela percebia que seu
agora namorado necessitava de um tempo sozinho e ela procurava respeitar isso
para não sufocá-lo.
Jean não era muito de sair de casa, preferia
permanecer em sua tranqüila residência onde podia estudar os detalhes de
próximas ações do grupo e ficar antenado com os meios de comunicação para
averiguar a repercussão diante do que já haviam feito. De vez em quando Tatiana
o visitava, sempre em segredo, pois eles já haviam percebido que Hanz nutria um
grande ciúme pela amizade dos dois. Não mantinha contato com o restante do
grupo, ele sabia que Cibele o odiava devido ao que acontecera à Paulo e Hanz
havia mudado seu modo de tratá-lo ao iniciar seu namoro com Tatiana. Era o que
mais se mantinha distante do grupo de amigos.
Numa noite de sexta-feira Hanz estava no
computador quando seu telefone tocou.
- E aí Hanz, tudo bem cara?
- Fala Jean, por aqui tudo bem meu e por aí
como estão as coisas?
- Por aqui tudo em ordem. Eu tô te ligando
pra gente começar a agilizar os esquemas pra próxima ação do grupo. Ninguém
comentou mais nada...
- É Jean, o pessoal não tem falado mais nada
sobre isso, na verdade tô achando que depois do que aconteceu com o Paulo o
pessoal desanimou um pouco, mas o que você tem em mente?
- Bom, por mim vamos manter o que havia sido
combinado em relação àquele último que não aconteceu, mas seria bom reunirmos o
pessoal pra relembrarmos tudo e vermos o dia que em que ela vai acontecer.
No fundo a idéia de uma nova ação estava fora
dos planos de Hanz. Infelizmente a situação do país não havia mudado, todos já
pareciam ter se esquecido do que acontecera e os objetivos do grupo não haviam
sido alcançados.
Hanz pensou um pouco, preferia já afirmar
logo para Jean que não estava mais disposto a participar do grupo em relação à
novas ações mas preferiu deixar para fazer tal afirmação em uma próxima reunião
do grupo.
- Tudo bem, eu vou falar com o pessoal e a
gente marca alguma coisa, daí eu te aviso beleza?
- Tá certo então, vou esperar você me
telefonar. Um abraço cara.
- Tá certo, outro Jean.
Hanz não demonstrava a menor vontade de
participar de novas ações do grupo, mas não sabia se os demais integrantes
partilhavam do mesmo sentimento que ele. A morte de Paulo, a ineficácia das
ações realizadas, o silêncio por parte dos demais integrantes do grupo e uma
angústia enorme quando vinha à sua mente a idéia de novas ações o desmotivavam em
relação à isso.
Resolveu telefonar para Renzo e conversar a
respeito.
- Olha fiote, eu não sei você, mas eu não
tenho mais o menor pique pra fazer mais nada disso fiu. Ninguém falou mais
disso, eu acho que o pessoal também perdeu.
Hanz ficou feliz com a afirmação dele, era
sinal de que ele não era o único que não mais desejava participar.
- Te confesso que eu também não tenho mais
meu. Não sei, mesmo com tudo que nós já fizemos parece que não apareceu
resultado nenhum... E sei lá, mas eu não tenho mais o pique de ficar me
arriscando não, por mim as ações do grupo acabaram. Mas vamos marcar uma
reunião aqui em casa assim podemos decidir isso certinho, pode ser?
- Por mim tudo bem fiu. Só o Jean mesmo pra
ainda pensar nisso. Depois do que aconteceu, da frieza dele vendo o Paulo
morrer ali na frente dele isso não me surpreende muito. Mas pra que dia é a
reunião?
- Pode ser domingo agora, umas quatro horas,
você tem alguma coisa pra fazer domingo?
- Por mim tá tudo bem, daí já colocamos logo
um fim nisso. Tenho certeza de que a Cibele e a Tati também desistiram disso,
só espero que o Jean concorde com a idéia.
- Bom, eu não falei com elas ainda, mas
também acho que elas não tão mais afim, mas vou ligar pra elas e marcar a
reunião, domingo a gente tira isso a limpo.
- Tá certo fiote, até domingo então.
Hanz ainda não tinha pensado na hipótese de
Jean ser contra a dissolução do grupo,
mas o que ele poderia fazer? Agir sozinho era impossível e ele só começou com
as ações após integrar-se ao grupo de forma que assim que ele fosse desfeito
ele não poderia continuar sozinho.
- Jean, sou eu, Hanz.
- E aí, falou com o pessoal?
- Tô ligando pra eles, vamos nos reunir aqui
em casa domingo às quatro, beleza?
- Por mim tudo bem. Não vejo a hora de agir
novamente, tô criando teia de aranha já. – Jean não escondia sua empolgação.
- Tá certo, domingo a gente vê certinho, até
lá. – Hanz ficou ainda mais angustiado vendo que Jean tinha certeza de que as
ações continuariam. Como ele reagiria ao saber que elas não mais aconteceriam?
Ele sempre demonstrou ser uma pessoa bastante equilibrada mas o coração das
pessoas é algo que sempre esconde grandes surpresas, nem sempre agradáveis.
- Cibele?
- Oi Hanz, tudo bem?
- Tudo. Olha, eu tô te telefonando pra gente
marcar uma reunião do grupo aqui em casa no domingo, tudo bem pra você?
- Reunião do grupo, como assim?
- É que o Jean me telefonou perguntando sobre
quando aconteceria uma nova ação do grupo então acho melhor a gente se reunir
pra discutirmos isso. Não dá pra deixar por isso mesmo né?
- O Jean né... sei... Olha Hanz, eu não sei
de você, mas eu não quero mais participar de nada não. Nós podemos manter nossa
amizade como estamos mantendo até agora, mas eu não quero mais participar
dessas coisas não...
Novamente a alegria e a angústia
intercalaram-se no peito de Hanz, alegria por ver que provavelmente o grupo
seria dissolvido e angústia por não saber qual seria a reação de Jean diante
disso.
- Tudo bem Cibele, pra falar a verdade você
não é a única. Mas é melhor a gente se reunir e deixar bem claro isso. Posso
contar com você domingo aqui em casa? Umas quatro horas, tudo bem?
Um breve silêncio se fez, parecia que a idéia
de Cibele encontrar-se com Jean não a agradava muito.
- O Jean vai tá aí também né Hanz?
- É, ele faz parte do grupo né Cibele, ele
vem sim. – após a morte de Paulo os dois não mais haviam se encontrado e por
mais que Hanz e Tatiana lhe explicassem que Jean não tinha tido culpa no
ocorrido ela não conseguia deixar de odiá-lo.
- Bom, eu apareço aí sim. Não gosto muito de
ter que olhar pra cara dele, mas enfim, daí colocamos um basta nisso tudo. Além
do mais, não adiantou de nada tudo o que fizemos, não vejo motivo algum pra
continuarmos com isso, até mesmo porque eu não quero mais me envolver com essas
coisas. Quatro horas né?
- Isso Cibele, quatro horas.
- Então tá certo, quatro horas eu estarei aí
na sua casa.
Hanz voltou à mexer em seu computador. Não
havia necessidade de telefonar para Tatiana pois ela o visitaria naquela noite
e poderiam conversar pessoalmente.
Por volta das nove horas ela chegou em sua
moto, como de costume. Brutus já havia se acostumado com a garota e não mais
pulava sobre ela ao vê-la chegando.
Já enquanto jantavam Hanz decidiu entrar no assunto
que havia tirado sua tranqüilidade após um bom tempo sem ter com o que se
preocupar.
- O Jean me ligou hoje Tati.
- É? Nossa, e o que ele queria? –
surpreendeu-se ela com uma inusitada cara de espanto.
- Ele tá querendo que o grupo retome as ações.
Me telefonou pedindo pra que eu fale com o pessoal, eu já marquei com eles de a
gente se reunir aqui domingo de tarde pra combinarmos o que será feito.
- E todo mundo concordou?
- É, a Cibele e o Renzo concordaram em vir na
reunião, mas acho que eles não vão querer continuar participando do grupo não.
- Bom, nesse caso então vamos ter que arrumar
novas pessoas pra agir com a gente né?
A pergunta atingiu Hanz como um saco no
estômago. Ele não imaginava que ela estivesse disposta a continuar com as
ações, e pior, achar que ele também estivesse.
- Olha Tati, na verdade eu também não tô mais
a fim de continuar com isso não.
A reação da garota foi ainda mais
contundente.
- Como assim Hanz!? Você vai querer pular
fora agora é!? A Cibele e o Renzo eu até entendo, eles ficaram abalados com a
morte do Paulo, mas você!? Pô, você mesmo nem tava se dando bem com o cara, ele
só te sacaneava, vai pular fora por quê!? – disse ela alterando seu tom de voz,
inconformada com a atitude dele.
- Não Tati, não é por causa do Paulo que eu
perdi a vontade. Sei lá, tudo o que fizemos até agora não adiantou nada, acho
que é perda de tempo continuarmos com isso, nos arriscando desse jeito à toa.
Pô, nossa vida tá legal, estamos sossegados, eu prefiro que as coisas continuem
assim, não quero mais me arriscar e muito menos que você também se arrisque.
- Caramba, eu não imaginei que você fosse
assim covarde cara, nunca imaginei!! Eu já esperava que os dois pulassem fora,
mas não você!! Pô, temos que lutar até que esse maldito governo atenda aos
nossos pedidos, você vai querer desistir agora e deixar tudo continuar do jeito
que tá? Isso é burrice!! – gritou ela jogando seu garfo no prato
descontroladamente.
- Calma Tati, não precisa gritar não pô.
Desculpa, mas eu não quero mais continuar com isso, é uma decisão minha e
queria que você também compartilhasse dela, não quero que você fique se
arriscando por aí...
- Compartilhar!? Compartilhar de quê!? Da sua
covardia!!? Não mesmo!! Se vocês não estão mais a fim o problema é de vocês, eu
e o Jean daremos um jeito de continuar, e não precisa mais se preocupar comigo
não Hanz, a partir de agora não tem mais motivo pra isso!! – gritou ela se
levantando e indo para a porta.
Hanz a seguiu, não desejava que as coisas
caminhassem daquela forma.
- Tati, por que isso agora? Esse tempo todo
você nem mais tocou no assunto, pensei que também tivesse esquecido disso,
vamos ficar na boa, não vai ser meia-dúzia de pessoas que vai muar alguma
coisa, se não mudou até agora não vai mudar mais.
- Ficar na boa!? Ficar na boa que você diz é
cuidarmos só de nós mesmos e deixar essa bandalheira toda continuar não é!? Eu
não penso assim, e fico triste em ver como você é acomodado e covarde, pensei
que você fosse de outro jeito. Pelo visto me enganei, e muito com você. Agora
dá licença que eu vou embora.
Hanz estava atônito com a reação dela pois
voltava à cena aquela Tatiana que ele abominava. A Tatiana rebelde, grosseira e
masculinizada que sempre repeliu sua vontade de aproximar-se demonstrava não
estar enclausurada no passado como ele desejava.
Absorto nesses pensamentos ele ficou
observando-a colocar sua moto na calçada e vestir seu capacete.
- Bom, a reunião será domingo às quatro
horas, vai tá todo mundo aqui, espero que você também esteja. – disse ele
enquanto ela ligava a moto.
Tatiana apenas o olhou com ar de desprezo e
partiu.
Mais uma vez Hanz estava ali parado em seu
portão apenas na companhia de Brutus mas dessa vez não sentia-se tão solitário
pois os enfeites natalinos alegravam aquela deserta ruazinha.
Deveria ele trair sua convicção em nome de um
amor? Que tipo de sentimento era aquele que Tatiana nutria por ele?
Sentiu-me mal por imaginar que mais uma vez
tivesse dedicado seu amor à uma mulher que não o merecia. Teria ele mais uma
vez se enganado?
Infelizmente tudo aquilo demonstrava que sim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário