terça-feira, 15 de julho de 2014

Capítulo XLII


Lá estava Paulo em seu leito de morte.
  Renzo não quis entrar, ficou do lado de fora com Bianca, Tatiana, Cibele e alguns parentes da agora viúva.
  Hanz aproximou-se do caixão solenemente, mesmo não estar se dando bem com o falecido ultimamente ele tinha plena certeza que as atitudes do falecido não eram obra dele, mas sim de algum espírito que o atormentava.
  Parou ao lado do cadáver e o ficou observando. Era estranho, alguém que até então falava, sorria, xingava, andava, e etc agora ali inerte, congelado... Por obra dos funcionários da funerária quem olhasse para Paulo naquele instante pensaria que ele estava apenas dormindo e que a qualquer momento ele despertaria do seu sono e passaria a fazer tudo aquilo que sempre fez: falaria, caminharia, etc...
  Não sentiu-se triste pela situação do companheiro, sabia que ali na sua frente estava apenas o objeto utilizado por um espírito para poder atuar no plano físico. ali estava apenas uma roupa que já não mais seria usada e a verdadeira essência de Paulo, seu espírito, estava agora livre para existir numa realidade mais amena e completa onde poderia desenvolver todas suas potencialidades sem estar limitado pelo corpo físico, ele estava agora livre...
  Ele ficou ali parado observado-o por alguns instantes como que tentasse captar alguma coisa, algum sinal que lhe indicasse quem havia atormentando sua pobre alma em seus últimos instantes no plano físico. O silêncio era quase total, apenas podia-se ouvir os sussurros de algumas poucas pessoas dentro do salão sentadas nos bancos encostados às paredes do lugar e observando a atitude dele.
  Hanz fechou seus olhos para concentrar-se e quase automaticamente passou a orar em silêncio. Orava para que o amigo pudesse ser bem acolhido na nova realidade em que agora se encontrava. Afirmava não guardar nenhuma mágoa diante dos conflitos que os dois haviam tido nos últimos momentos que passaram juntos e que estava à disposição dele caso necessitasse de sua ajuda.
  Uma suave brisa fresca adentrou o salão através da grande janela frontal que ele continha e Hanz foi tomado por uma profunda paz como se ela demonstrasse que sua oração seria atendida. Hanz sentiu-se leve, como se ele planasse pelo salão, pensou em abrir seus olhos e averiguar se isso realmente estivesse acontecendo mas não o fez temendo que essa atitude pudesse colocar fim naquele instante mágico. Era em momentos como esse que ele tinha certeza de que a doutrina que seguia realmente correspondia à verdade e que não era apenas mais uma coleção de dogmas criados com o intuito de controlar as pessoas. Sentiu-se feliz.
  Permaneceu ali imóvel por alguns instantes até que sentiu a aproximação de alguém. Abriu então seus olhos e percebeu a presença de uma simpática senhora ao seu lado que o olhava. Hanz olhou para ela e sorriu.
  - Você está bem meu jovem? – indagou docemente a senhora tocando seu ombro.
  - Sim, estou bem, estava aqui apenas rezando um pouco por ele. Ele é um grande amigo meu, é uma pena que a vida dele tenha acabado desse jeito, mas Deus sabe o que faz...
  - É verdade rapaz, Deus sabe o que faz. Mas Paulo está bem, está em paz, você deve ter percebido isso...
  Hanz olhou-a com desconfiança, como ela podia afirmar aquilo com tanta certeza?
  - Fique tranqüilo jovem, eu pude perceber o que sentiu ao prostrar-se ao lado dele. Eu senti o mesmo pouco tempo atrás. Infelizmente são poucas as pessoas que aceitam o fato de existir uma vida além da morte, talvez se aprendessem essa verdade elas pudessem viver de uma maneira melhor, mas enfim... – completou a idosa senhora afastando-se calmamente com seus passos lentos mas firmes e sentando-se numa das cadeiras.
  - É verdade, é verdade... – confirmou Hanz vendo-a afastar-se.
  Ele novamente voltou seus olhos para o corpo de Paulo e fechou seus olhos mais uma vez como se agora se despedisse do companheiro, a simpática senhora havia interrompido suas orações.
  “Esteja em paz meu amigo e que Deus lhe permita estar num lugar bem melhor do que onde estamos agora. Um dia nos reencontraremos, com a graça de Deus...” – foi seu último pensamento. Aguardou alguns instantes como se pudesse obter uma resposta do amigo mas a única coisa que lhe veio aos ouvidos foi uma estranha risada sórdida que fez com que um arrepio lhe subisse pela espinha.
  Hanz abriu seus olhos e olhou ao seu redor disfarçadamente na tentativa de identificar o autor de uma risada tão inadequada para aquele momento mas encontrou somente as pessoas que entre lágrimas contidas marcavam presença no grande salão funerário.
  O arrepio aumentou ainda mais quando olhou na direção onde a simpática senhora havia ido se sentar e encontrou o assento vazio. Apenas algumas mulheres estavam sentadas próximas do lugar e ele foi até elas conversar.
  - Com licença, mas vocês viram para onde foi uma velhinha que sentou aqui ao lado agora pouco?
  As mulheres o olharam com desconfiança.
  - Olha moço, nós não vimos nenhuma velhinha por aqui não. Já faz um tempinho que ninguém entra ou sai aqui do salão... – respondeu uma delas olhando-o espantada.
  - Ah não? Ah, tá certo então. Desculpem incomodar... – disse Hanz envergonhado dirigindo-se para a porta.
  Ele se aproximou lentamente dos companheiros que estavam ali fora reunidos envolvido em seus pensamentos.
  - O que foi fiote? Você tá bem? Parece que viu um fantasma... – disse Renzo percebendo a palidez de seu amigo e não se dando conta do quão inapropriada era a brincadeira. Bianca deu-lhe uma sutil cotovelada.
  - Hã? Não Renzo, tá tudo bem, tá tudo bem... – respondeu ele juntado-se à eles que formavam uma roda.
  Tatiana abraçou-o pela cintura carinhosamente e baixinho indagou-lhe ao ouvido:
  - Tem certeza que tá tudo bem Hanz? Aconteceu alguma coisa? Você tá com uma cara...
  - Tá tudo bem Tati, não foi nada não. Deve ser o cansaço, eu quase não dormi essa noite, deve ser isso...
  Apesar da resposta do rapaz tanto ela como Cibele e Renzo imaginaram que alguma coisa tivesse acontecido em virtude do conhecimento que Hanz demonstrava ter sobre o plano espiritual.
  Permaneceram ali até por volta da meia-noite quando Hanz e Tatiana foram para a casa do rapaz, já usando seu jipe..
  Cibele decidira passar a madrugada no velório, queria aproveitar os últimos momentos que teria ao lado do falecido marido embora Renzo e Bianca, antes de se retirarem, tivessem insistido para que ela fosse descansar.
  Já na casa de Hanz o casal se preparava para ir dormir quando o celular de Tatiana tocou, era Jean.
  - É, eu tô na casa do Hanz, tá tudo bem lá no velório. A Ci ainda tá abalada, às vezes ela começa a chorar de novo, mas tirando ela tá tudo bem. Amanhã a gente se fala.
  Hanz mesmo estando com a garota que desejava ao seu lado ainda estranhava o relacionamento que existia entre os dois, não achava normal Jean ficar telefonando para ela àquela hora da já madrugada.
  - Era o Jean?
  - Era sim, ele queria saber se tava tudo bem no velório. Parece que ele ainda tá preocupado com a Cibele, ele tem medo de que ela fale alguma coisa que não deve, mas eu já avisei ele que tá tudo bem.
  - Sei... mas não é meio tarde pra ele te ligar não?
  - Ah, sei lá. Não tem nada de mais não, a gente já se conhece faz bastante tempo, ele sabe que eu durmo tarde, eu nem estranho mais. – completou Tatiana estendo as cobertas da cama.
  - Sei... – Hanz não se sentia muito confortável com isso e Tatiana percebeu isso.
  - Ah Hanz, não esquenta não, ele é só um amigo meu, não precisa ficar assim... – tranqüilizou ela dando-lhe um abraço.
  - Tá certo então. Bom, vamos dormir né, tô quebrado... – finalizou Hanz já se deitando.
  Sempre existiu a suspeita de que Tatiana e Jean já tivessem tido algum tipo de envolvimento, mas Hanz não queria invadir a privacidade de sua companheira e perguntar a respeito. Era melhor deixar as coisas como estavam e evitar desentendimentos.

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