Lá estava
Paulo em seu leito de morte.
Renzo não quis entrar, ficou do lado de fora
com Bianca, Tatiana, Cibele e alguns parentes da agora viúva.
Hanz aproximou-se do caixão solenemente,
mesmo não estar se dando bem com o falecido ultimamente ele tinha plena certeza
que as atitudes do falecido não eram obra dele, mas sim de algum espírito que o
atormentava.
Parou ao lado do cadáver e o ficou
observando. Era estranho, alguém que até então falava, sorria, xingava, andava,
e etc agora ali inerte, congelado... Por obra dos funcionários da funerária
quem olhasse para Paulo naquele instante pensaria que ele estava apenas
dormindo e que a qualquer momento ele despertaria do seu sono e passaria a
fazer tudo aquilo que sempre fez: falaria, caminharia, etc...
Não sentiu-se triste pela situação do
companheiro, sabia que ali na sua frente estava apenas o objeto utilizado por
um espírito para poder atuar no plano físico. ali estava apenas uma roupa que
já não mais seria usada e a verdadeira essência de Paulo, seu espírito, estava
agora livre para existir numa realidade mais amena e completa onde poderia
desenvolver todas suas potencialidades sem estar limitado pelo corpo físico,
ele estava agora livre...
Ele ficou ali parado observado-o por alguns
instantes como que tentasse captar alguma coisa, algum sinal que lhe indicasse
quem havia atormentando sua pobre alma em seus últimos instantes no plano físico.
O silêncio era quase total, apenas podia-se ouvir os sussurros de algumas
poucas pessoas dentro do salão sentadas nos bancos encostados às paredes do
lugar e observando a atitude dele.
Hanz fechou seus olhos para concentrar-se e
quase automaticamente passou a orar em silêncio. Orava para que o amigo pudesse
ser bem acolhido na nova realidade em que agora se encontrava. Afirmava não
guardar nenhuma mágoa diante dos conflitos que os dois haviam tido nos últimos
momentos que passaram juntos e que estava à disposição dele caso necessitasse
de sua ajuda.
Uma suave brisa fresca adentrou o salão
através da grande janela frontal que ele continha e Hanz foi tomado por uma
profunda paz como se ela demonstrasse que sua oração seria atendida. Hanz
sentiu-se leve, como se ele planasse pelo salão, pensou em abrir seus olhos e
averiguar se isso realmente estivesse acontecendo mas não o fez temendo que
essa atitude pudesse colocar fim naquele instante mágico. Era em momentos como
esse que ele tinha certeza de que a doutrina que seguia realmente correspondia
à verdade e que não era apenas mais uma coleção de dogmas criados com o intuito
de controlar as pessoas. Sentiu-se feliz.
Permaneceu ali imóvel por alguns instantes
até que sentiu a aproximação de alguém. Abriu então seus olhos e percebeu a
presença de uma simpática senhora ao seu lado que o olhava. Hanz olhou para ela
e sorriu.
- Você está bem meu jovem? – indagou
docemente a senhora tocando seu ombro.
- Sim, estou bem, estava aqui apenas rezando
um pouco por ele. Ele é um grande amigo meu, é uma pena que a vida dele tenha
acabado desse jeito, mas Deus sabe o que faz...
- É verdade rapaz, Deus sabe o que faz. Mas
Paulo está bem, está em paz, você deve ter percebido isso...
Hanz olhou-a com desconfiança, como ela podia
afirmar aquilo com tanta certeza?
- Fique tranqüilo jovem, eu pude perceber o
que sentiu ao prostrar-se ao lado dele. Eu senti o mesmo pouco tempo atrás.
Infelizmente são poucas as pessoas que aceitam o fato de existir uma vida além
da morte, talvez se aprendessem essa verdade elas pudessem viver de uma maneira
melhor, mas enfim... – completou a idosa senhora afastando-se calmamente com
seus passos lentos mas firmes e sentando-se numa das cadeiras.
- É verdade, é verdade... – confirmou Hanz
vendo-a afastar-se.
Ele novamente voltou seus olhos para o corpo
de Paulo e fechou seus olhos mais uma vez como se agora se despedisse do
companheiro, a simpática senhora havia interrompido suas orações.
“Esteja em paz meu amigo e que Deus lhe
permita estar num lugar bem melhor do que onde estamos agora. Um dia nos
reencontraremos, com a graça de Deus...” – foi seu último pensamento. Aguardou
alguns instantes como se pudesse obter uma resposta do amigo mas a única coisa
que lhe veio aos ouvidos foi uma estranha risada sórdida que fez com que um
arrepio lhe subisse pela espinha.
Hanz abriu seus olhos e olhou ao seu redor
disfarçadamente na tentativa de identificar o autor de uma risada tão
inadequada para aquele momento mas encontrou somente as pessoas que entre
lágrimas contidas marcavam presença no grande salão funerário.
O arrepio aumentou ainda mais quando olhou na
direção onde a simpática senhora havia ido se sentar e encontrou o assento
vazio. Apenas algumas mulheres estavam sentadas próximas do lugar e ele foi até
elas conversar.
- Com licença, mas vocês viram para onde foi
uma velhinha que sentou aqui ao lado agora pouco?
As mulheres o olharam com desconfiança.
- Olha moço, nós não vimos nenhuma velhinha
por aqui não. Já faz um tempinho que ninguém entra ou sai aqui do salão... –
respondeu uma delas olhando-o espantada.
- Ah não? Ah, tá certo então. Desculpem
incomodar... – disse Hanz envergonhado dirigindo-se para a porta.
Ele se aproximou lentamente dos companheiros
que estavam ali fora reunidos envolvido em seus pensamentos.
- O que foi fiote? Você tá bem? Parece que
viu um fantasma... – disse Renzo percebendo a palidez de seu amigo e não se
dando conta do quão inapropriada era a brincadeira. Bianca deu-lhe uma sutil
cotovelada.
- Hã? Não Renzo, tá tudo bem, tá tudo bem...
– respondeu ele juntado-se à eles que formavam uma roda.
Tatiana abraçou-o pela cintura carinhosamente
e baixinho indagou-lhe ao ouvido:
- Tem certeza que tá tudo bem Hanz? Aconteceu
alguma coisa? Você tá com uma cara...
- Tá tudo bem Tati, não foi nada não. Deve
ser o cansaço, eu quase não dormi essa noite, deve ser isso...
Apesar da resposta do rapaz tanto ela como
Cibele e Renzo imaginaram que alguma coisa tivesse acontecido em virtude do
conhecimento que Hanz demonstrava ter sobre o plano espiritual.
Permaneceram ali até por volta da meia-noite
quando Hanz e Tatiana foram para a casa do rapaz, já usando seu jipe..
Cibele decidira passar a madrugada no
velório, queria aproveitar os últimos momentos que teria ao lado do falecido
marido embora Renzo e Bianca, antes de se retirarem, tivessem insistido para
que ela fosse descansar.
Já na casa de Hanz o casal se preparava para
ir dormir quando o celular de Tatiana tocou, era Jean.
- É, eu tô na casa do Hanz, tá tudo bem lá no
velório. A Ci ainda tá abalada, às vezes ela começa a chorar de novo, mas
tirando ela tá tudo bem. Amanhã a gente se fala.
Hanz mesmo estando com a garota que desejava
ao seu lado ainda estranhava o relacionamento que existia entre os dois, não
achava normal Jean ficar telefonando para ela àquela hora da já madrugada.
- Era o Jean?
- Era sim, ele queria saber se tava tudo bem
no velório. Parece que ele ainda tá preocupado com a Cibele, ele tem medo de
que ela fale alguma coisa que não deve, mas eu já avisei ele que tá tudo bem.
- Sei... mas não é meio tarde pra ele te
ligar não?
- Ah, sei lá. Não tem nada de mais não, a
gente já se conhece faz bastante tempo, ele sabe que eu durmo tarde, eu nem
estranho mais. – completou Tatiana estendo as cobertas da cama.
- Sei... – Hanz não se sentia muito
confortável com isso e Tatiana percebeu isso.
- Ah Hanz, não esquenta não, ele é só um
amigo meu, não precisa ficar assim... – tranqüilizou ela dando-lhe um abraço.
- Tá certo então. Bom, vamos dormir né, tô
quebrado... – finalizou Hanz já se deitando.
Sempre existiu a suspeita de que Tatiana e
Jean já tivessem tido algum tipo de envolvimento, mas Hanz não queria invadir a
privacidade de sua companheira e perguntar a respeito. Era melhor deixar as
coisas como estavam e evitar desentendimentos.
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