terça-feira, 8 de outubro de 2013

Capítulo II

  
HANZ


   O êxodo rural levou milhares de famílias a abandonarem o campo em busca de melhores oportunidades nos centros urbanos, até mesmo pessoas de outras partes do país migraram, principalmente, para a região sudeste atrás desse mesmo sonho. Tudo isso trouxe muito desenvolvimento a esses centros urbanos, sobretudo às capitais, mas com o passar dos anos os fatores negativos dessa migração começaram a se manifestar. O desemprego, a violência, o crescimento desordenado e o conseqüente stress sofrido por muitos moradores dessas grandes cidades começaram a fazer com que muitos passassem a fazer o caminho inverso.
      É baseado em todo esse contexto que encontramos Hanz Nachbar em seu carro, de mudança para uma cidade bem mais tranqüila do interior.
     Enquanto percorre a longa estrada o rapaz de vinte e seus anos reflete sobre sua decisão.
      “Finalmente consegui realizar meu sonho. Se Deus abençoar tudo dará certo, e ele vai abençoar, com certeza. Agora é vida nova, aquilo na capital não é vida de gente não, só se vive pro trabalho, não se tem tempo pra mais nada, não é vida não. Agora é só chegar na casa do pai, arrumar as coisas e pronto, vida nova!”
      É admirável a capacidade de Hanz: dirigir, pensar e ouvir heavy metal quase no último volume, tudo ao mesmo tempo. Mas esse é seu estilo musical preferido, portanto não seu pensamento, ao contrário, até o ajuda. Mas o rapaz não faz o estilo metaleiro, não tem cabelo comprido, tatuagens ou piercings. Na verdade, a primeira vista, nem se imagina que esse seja seu estilo preferido. Mas ele procura ouvir um pouco de tudo, embora não goste de tudo o que ouve, tendo assim um vasto conhecimento não apenas musical, mas de vários assuntos. É um rapaz bastante culto.
      Mas a aparente felicidade esconde um pouco de tristeza que ele carrega na alma.
       Hanz está se mudando para o interior e vai morar na casa do seu pai que falecera há alguns meses. Esse não é o fato que lhe dói tanto, mesmo porque não havia um forte relacionamento entre eles já que seus pais eram divorciados a bastante tempo e também devido a religião que ele seguia, o kardecismo, que lhe dava base para encarar a morte de uma forma bastante serena. Morte não, como diria o próprio Hanz, mas sim desencarne.
      Talvez o que mais o incomodasse na verdade fosse o fato de haver deixado sua mãe e seus dois irmãos na capital pois sabia que sentiria saudade deles e também por ser o primogênito sentia-se na obrigação de ser o apoio da família, como sempre o fora, desde o afastamento de seu pai.
     Infelizmente o único disposto a abandonar a cidade grande fora ele, cada um tinha seus motivos para não deixar a cidade, mas Hanz seguiu uma antiga vontade sua e partiu para uma vida mais calma.
       Era como se algo lhe dissesse que alguma coisa muito importante esperava por ele naquela cidade, como se ela fosse seu verdadeiro lar. Não sabia bem como explicar esse sentimento e resolveu pôr um fim nessa angústia.
       Mas a verdade era que ter um lar para poder viver sozinho também o agradava e essa era uma oportunidade única que tinha, a casa de seu falecido pai, que certamente seria vendida caso não tivesse resolvido a morar nela.
     É claro que houve muita relutância por parte da mãe quanto a essa mudança, mas nada foi capaz de fazê-lo voltar atrás, e agora ali estava ele, a não mais que uma hora de chegar à cidade que nada tinha de desconhecida pois muitas vezes ali foi passar suas férias desde os tempos de escola.
     Hanz, como que para afastar os pensamentos tristes, aumenta um pouco mais o volume do rádio enquanto acelera rumo àquela cidade tão almejada.
      Já era início da noite quando o carro fez a conversão à direita que dá acesso à avenida de entrada da cidade.
      Hanz até diminui o volume do som diante da emoção.
       - Puts, essa cidade é linda, Deus queira que isso não mude nunca, essa imagem nunca me saiu da cabeça, só ele sabe o quanto eu sonhava em vir morar aqui.
       Realmente a tal avenida era bela, bastante larga, com duas mãos de sentido separadas por um canteiro por vezes florido e em outros locais arborizado, iluminada por altos postes onde o frio torna presente uma leve neblina dando um ar delicioso àquele verdadeiro hall de entrada da cidade.
     Uma nostalgia enorme se apossa da alma de Hanz que tantas e tantas vezes presenciara essa imagem em sua infância quando vinha a passeio aproveitando as férias escolares. Na companhia dos irmãos, quando passavam algumas semanas com o agora falecido pai.
      Conduzia seu carro pela direita, velocidade tranqüila, saboreando aquela visão: as lanchonetes que iniciavam seu movimento com o cair da noite, algumas de redes famosas, outras mais simples, lojas de carros, imobiliárias... E logo no início da avenida, à esquerda, no alto de uma ladeira estava o shopping da cidade, já cercado por edifícios que até alguns anos atrás não existiam. Ao longo da avenida duas praças bastante peculiares eram o “point” da pequena cidade, uma à direita com uma bela obra de arte ao centro, cercada por trailers de lanches que faziam a festa dos freqüentadores. Pouco mais à frente, agora à esquerda, uma gigantesca área gramada, num nível mais baixo que a avenida, levava a um anfiteatro todo cercado por um grande lago artificial, pelo horário todo escuro e vazio, mas que era palco de shows e servia para os jovens também ali se reunirem.
     Hanz viajava naquilo tudo, saboreando cada momento, casa recordação...
      De repente seu sonho termina e ele é trazido à realidade por uma sirene que soa atrás dele. Ao verificar do que se trata reconhece uma viatura policial, que se emparelha com seu carro.
      - Algum problema meu jovem? – indaga o policial no banco do carona.
      - Nenhum problema, policial. Estava apenas apreciando a cidade, desculpe a baixa velocidade.
      - Tudo bem, sem problemas, já verificamos que você não é daqui. Só pedimos que fique atento e tome cuidado, a avenida mais a frente fica meio barra pesada.
      - Valeu pela dica, mas vou entrar no primeiro viaduto, acho que até lá é sossegado.
      - Tsc, tsc, negativo. Pelo jeito você não conhece direito a cidade, a parte de prostituição começa já no próximo quarteirão e você com esse carrão chique e placa da capital, sugiro que tome cuidado.
     Hanz fica visivelmente desapontado e o policial parece perceber isso.
      - É colega, as coisas na cidade mudaram, melhor você andar mais precavido.
      - Pode deixar, não vou me esquecer disso, obrigado.
      - Ok, se cuida jovem. – despede-se o policial sinalizando para que a viatura siga adiante.
       “Poxa, parece que as coisas não são mais tão sossegadas como antigamente. Como a cidade pode mudar tanto nesses... puts, sete anos!! Nem me dei conta de que fazia tanto tempo que não vinha pra cá... caramba...”
      Hanz fica visivelmente aborrecido, principalmente ao constatar que tudo o que fora dito pelo policial correspondia à verdade, a quantidade de prostitutas nos próximos quarteirões era grande, associado à presença de travestis, michês e elementos bastante mal encarados.
      Aumentando o volume do rádio para recuperar a empolgação e sobe o acesso ao mencionado viaduto, onde, já fora daquela larga avenida, as coisas parecem mais calmas.
  À medida que vai se aproximando do seu novo lar, já em seu bairro, percebe o quanto as ruas ficam vazias com a recém chegada da noite, principalmente no período mais frio do ano, quando a cidade parece estar deserta.
       Apenas nas áreas de maior badalação pode-se ver algum movimento de jovens, o que pôde comprovar no trajeto até sua nova casa.
  Na sua rua não se percebe viva alma, nem a turminha animada que varava a noite na época de sua juventude se faz mais presente. As coisas mudam... com exceção dos morcegos que perambulam de árvore em árvore em busca dos frutos dos quais se alimentam.
      A rua de um único quarteirão é bastante aconchegante, limitada por duas ladeiras, tornando-a ainda mais deserta pela ausência de carros que poderiam passar por ali, mas não o fazem por ser ela bastante escondida e por não dar acesso a nenhuma via principal.
      Mais uma vez ele volta a relembrar dos tempos em que aquele quarteirão era palco de inúmeras brincadeiras dele, de seus irmãos e amigos, mesmo na época mais fria do ano como aquela. Mas agora, a rua estava deserta, ainda mais deserta do que as demais daquele bairro residencial.
      Hanz adentra pela garagem, já guardando seu carro, e começa a arrumar suas coisas para transformar o que fora o lar de seu pai no seu mais novo refúgio.

      Pretendia ali construir uma nova vida, ao menos esse era seu objetivo desde o dia em que tomara a decisão de mudar-se para lá.

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