terça-feira, 15 de outubro de 2013

Capítulo III




Aquela cidade possuía um clima de extremos, não havia um meio-termo, nas épocas mais quentes o calor escaldante acompanhado pela ausência de brisas fazia com quem os menos acostumados transpirassem em bicas e nas épocas mais frias a baixa temperatura somada à fina garoa que costuma cair noite e dia parecia congelar a todos. Dificilmente haviam dias de temperatura mais amena, era raro que isso acontecesse.
     Menos mal para Hanz que talvez devido à sua genética européia parecia não sofrer muito nas baixas temperaturas, mas em compensação no verão a moleza que o calor trazia fazia com que ele saísse de casa somente em último caso.
        Mas Hanz não era muito adepto de passeios, preferiu sempre o aconchego do lar, e principalmente agora que tinha uma casa organizada a seu gosto dificilmente ficava fora de casa quando não estava trabalhando. 
        Haviam se passado pouco mais que duas semanas e sua casa já estava organizada da maneira que sempre sonhou. Apesar dos móveis serem todos do seu falecido pai ele havia transformado a casa da maneira como sempre desejou, mudando a disposição dos móveis e trocando um elemento ou outro da decoração para dar um ar mais jovial. Trouxera somente seu computador, roupas, seu aparelho de som, cd´s e livros, pois o restante todo da mobília fora deixado na casa. Especial atenção fora dada ao quarto destinado ao seu computador, onde ficavam também as estantes com os livros que utilizava em seus estudos, era seu local preferido da casa onde passava horas e horas desligado do mundo.
        As coisas corriam conforme o esperado, estava aproveitando seus dias de folga antes de concretizar sua transferência no trabalho para usufruir da nova casa e organizar as coisas em geral, mas já experimentara alguns dissabores como o tom de indiferença com o qual seus “amigos” de infância o tratavam. Não que ele fosse carente ou inseguro, muito pelo contrário, mas talvez pelo tempo em que estiveram separados e pelo fato de agora estar morando sozinho e próximo a eles Hanz esperassem um pouco mais de atenção.
        Um ou outro esforçava-se um pouco mais para demonstrar que a suposta amizade existia, mas no fundo ele percebia que não era algo tão espontâneo como ele imaginava, a seu ver ele tinha uma maior consideração para com esses supostos amigos de infância do que eles tinham por ele.
        Haviam alguns parentes afastados que moravam na cidade, tios e tias de seu pai, mas Hanz nunca teve muito contato com eles e não seria agora que isso mudaria. Sempre houve muita mágoa com relação a esses parentes devido a forma como ele e seus irmãos eram tratados após a separação de seus pais.
        Não devia nada a eles e não seria a partir daquele momento quando Hanz tinha sua total independência que ele pretendia passar a dever.
        Definitivamente para ele não havia família ali.
        Houveram alguns telefonemas de boas vindas, mas Hanz sempre preferiu retribuir-lhes a indiferença com a qual fora tratado até então da mesma forma, apenas agradecia de maneira fria e distante, sem comprometer-se com visitas e coisas do tipo.
        De certa forma esse isolamento foi bom para não restarem raízes do passado já que pretendia ter uma vida nova, diferente da que tivera até então.
        Não que ela tivesse sido horrível, mas Hanz achava que os caminhos que sua vida tinha seguido não haviam sido os que ele desejava e agora era o momento de trilhar o caminho de sua escolha, sem ter que se importar com a opinião alheia, sem estar comprometido com outras pessoas, somente com ele, suas necessidades e seus sonhos, agora ele era totalmente livre.
        Conseguira, após um bom tempo de insistência, a transferência para a filial da empresa naquela cidade. Tinha um cargo razoável e gozava de uma grande dose de confiança por parte dos donos dela após cinco anos prestando-lhes um serviço de qualidade invejável.
       Seu retorno à atividade se daria dentro de alguns dias, quando os últimos detalhes burocráticos dessa transferência estivessem prontos, e tinha que aproveitar esse tempo livre para tomar algumas providências em relação à sua casa visto que ela ficaria a maior parte do tempo sozinha.
       O bairro era de classe média mas a casa não possuía aparatos de segurança com exceção do grande muro e portão de mesmo porte, e conforme pode perceber através dos noticiários, a violência já não era tão desprezível na região.
       Algumas vezes isso desanimava Hanz pois ele não esperava que aquela cidade com a qual tanto sonhara em morar estivesse daquela forma. Imaginava a cidade tranqüila e pacata de outrora, mas ainda que a violência tivesse crescido nos últimos anos ela ainda não podia ser comparada a da capital de onde tinha vindo.
      Por sugestão de um dos tais “amigos” de infância Hanz decidiu ir até uma pet shop em busca de um cão de guarda para tomar conta da sua casa.
       Após o almoço o jovem foi até lá, mesmo sendo muito bem atendido infelizmente a loja não dispunha de nenhum animal para venda, mas alguém veio socorrê-lo.
       - Oi fiu, tudo bem? Ouvi você falando que tá procurando um cão de guarda, eu acho que posso ajudar. – um rapaz grandalhão que estava na sessão de rações veio falar-lhe.
       - Isso mesmo, mas aqui não tem nenhum pra vender. Você sabe onde eu posso encontrar?
       - Olha fiote, meu cunhado tem uma cadela que deu cria faz mais ou menos um mês e meio, se você estiver interessado eu te reservo um filhote na boa.
      Realmente o rapaz era uma figura. Não apenas pelo modo de se expressar mas também porque à primeira vista ele aparentava ser totalmente arredio e pouco amistoso, cara fechada, truculento e até ameaçador, mas ao abrir a boca ele demonstra o quanto as aparências podem enganar.
       - Poxa, muito bom, mas é que meu caso é meio urgente e não sei se um filhote resolveria o problema...
       - Aí que tá fiu, um filhote é o ideal porque ele acostuma com você desde pequeno, você pode treiná-lo e tal, e poxa fiote, você tem o que na sua casa pra ser tão urgente assim? Sua privada é de ouro é?
      Todos caem na gargalhada, inclusive o rapaz do pet shop.
      - Não não, nada disso meu, é que eu começo a trabalhar semana que vem e não quero deixar minha casa sozinha.
      - Sei como é isso, a coisa tá feia mesmo ultimamente, e pelo carrinho que você tem eu imagino como deve ser sua casa, é fria deixar ela sozinha mesmo... – afirma em tom pensativo o gozador.
      - Nada a ver isso, eu não sou rico não meu!!
      - Beleza, beleza, foi mal aí fiote.
      - Tá certo. Mas que cachorro é esse? Qual a raça dele?
      - É um Rotweiller, coisinhas mais lindas, nasceram seis filhotes, os pais têm pedigree e tudo, o macho que cruzou com ela é da capital, veio da Alemanha mesmo, te garanto que compensa fiu. Eu só não pego um porque já tenho um Pastor Alemão em casa, e não estou dando conta nem dele, sabe como é, a ração tá cara pra caramba..
      - Nem tanto, antigamente eram bem mais caras, hoje em dia nem estão tão caras, mas cada um, cada um... Poxa, acho que esse é exatamente o que eu esperava encontrar. Eu nunca tive cachorro e sempre quis ter um Rotweiller.
      - Então fiote, aqui na cidade acho que melhor opção você não encontra não... e olha, tive uma idéia, vamos fazer o seguinte: eu to meio mal de grana, então eu deixo o meu Ralf com você até o filhote ter idade pra cuidar da sua casa, o que você acha?
      Hanz pensa um pouco, meio desconfiado.
      - Sim, mas quanto você vai cobrar por isso? E o tal Ralf não vai me estranhar não?
      O grandalhão e o rapaz do pet shop caem na gargalhada, Hanz fica sem entender nada.
      - Que nada fiu, é mais fácil você devorar ele numa hora de aperto entende?
      As gargalhadas não cessam.
      - Pô, então pra que vai adiantar esse seu cachorro então?
      - Eu vou te “apresentar” pra ele saca? Então com você ele não vai fazer nada, mas experimenta pular algum malaco no seu quintal pra ver só...
      Hanz ainda fica desconfiado.
      - Isso é verdade mesmo, ele trata do Ralf aqui na loja , o bicho é obediente mesmo, treinado, e pode confiar nele, o cara é gente boa. Pode ficar tranqüilo. – intervém o rapaz da loja.
      - Bom, se você tá garantindo então tá fechado, mas em quanto vai ficar isso?
      - Olha, eu to enforcadão fiu, é só você bancar a ração dele e cuidar direito do bichão que tá beleza, o preço do filhote você vê com meu cunhado, daí já é com vocês ok?
      - Ok, então tá fechado.
      O destino é uma coisa intrigante, de onde menos se espera encontramos alguém que pode ser crucial no decorrer de nossas vidas sem termos a menor noção disso.
      O negócio foi fechado como planejado, Hanz e o rapaz passaram a manter um contato maior do que ambos esperavam que aconteceria.
      Apesar das grandes diferenças de estilo existentes entre os dois havia uma simpatia recíproca, de forma que o nascimento de uma amizade foi inevitável.
      O tempo passou, Hanz começou a trabalhar novamente e Renzo, esse era o nome do grandalhão, passava todas as noites na casa do forasteiro para ver seu estimado Ralf e também jogar um pouco de conversa fora antes de ir trabalhar.
      Renzo era segurança da boate Chopp do Padre, trabalhando à noite, dedicava quase todo seu dia aos treinos de kung fú, atleta dedicado, possuía alguns títulos importantes e fazia disso a sua vida. Namorava Bianca, uma moça com nível de vida bem diferente do dele, por esse motivo muitos julgavam tratar-se de mero interesse por parte do rapaz, mas quem conhecia bem o grandalhão sabia que esse tipo de atitude não era de sua índole, além do mais, o estilo de vida deles não era não diferente em relação a dinheiro, mas sim em relação ao tipo de pensamentos e idéias.
     Apesar de tudo davam-se bem a seu modo, excluindo alguns desentendimentos comuns a todo casal.
      Mesmo com sua imagem se rotina de vida levando as pessoas a crerem que Renzo fossem uma pessoa rude e violenta, quem o conhecia a fundo sabia que esses atributos não eram verdadeiros. Claro que muitas vezes o jovem tivera que usar suas técnicas de luta para estabelecer a ordem em suas obrigações profissionais, mas fora dali ou da academia onde treinava ele jamais se fez valer da violência gratuita.
      E foi exatamente por Renzo não ser desse tipo de pessoa, muito pelo contrário, possuir consciência e conhecimento suficientes para debater sobre assuntos mais maduros que a amizade entre ele e Hanz pôde se concretizar.
      Rotina era a palavra de ordem na vida de ambos, que sentiam-se plenamente satisfeitos com isso.
      Hanz quando não estava no trabalho dedicava-se ao estudo, leitura e pesquisa acerca de diversos assuntos como religião, filosofia, ufologia, ocultismo, etc. Acompanhava política através do noticiário, mas esse era um assunto que não lhe agradava muito. Costumava ficar até de madrugada na internet freqüentando chat´s de páginas que tratavam desses assuntos e encontrava em Renzo a chance de poder debater sobre esses assuntos com alguém de carne e osso.
      Mas todos necessitam de diversão, embora Hanz considerasse a internet como sendo uma, após muita insistência foi que o jovem aceitou o convite de Renzo para conhecer o famoso Chopp do Padre, onde trabalhava o amigo.
     O acontecimento se daria no sábado já que nesse dia comemorariam o aniversário de Bianca naquela boate.
      Hanz conversara muito pouco com ela, na verdade haviam trocado somente algumas palavras certa vez que por acaso se encontrara com o casal no centro da cidade.
      Era visível que Bianca pertencia à um mundo totalmente diferente do de Hanz e Renzo. Difícil imaginar o verdadeiro motivo que fazia com que ambos mantivessem seu relacionamento, mas essa era uma coisa que Hanz já tinha desistido de entender, afinal, não era um problema dele.
      Seus trajes e sua forma de se comportar demonstravam o porquê de ela nunca ter ido à casa de Hanz, não que ela não tivesse simpatizado com o rapaz da capital, mas por total incompatibilidade de interesses.
     Mas apesar disso a garota havia se mostrado bastante atenciosa e simpática com ele, de forma que não havia motivo algum para que ambos nutrissem alguma antipatia mútua.

     Hanz percebera o sorriso estampado no rosto do seu amigo, e já que ela o fazia feliz, passara instantaneamente a simpatizar com ela e não comparecer à sua festa de aniversário seria uma enorme desfeita.

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