Sábado à tarde,
Hanz acaba de sair do banho, não havia muito tempo que se levantara já que
havia ficado na internet até quase amanhecer.
O sol
estava forte e o frio não estava tão intenso como nos últimos dias, apesar de
ser inverno.
A
campainha soara e provavelmente era Renzo que havia chegado, tanto porque ele
era a única visita que Hanz costumava ter e também pelos latidos de Ralf que
enlouquecia quando seu dono chegava.
- E
aí Renzo tudo bem? Faltou no treino hoje é? – indaga o dono da casa estranhando
o horário da visita do amigo, já abrindo o portão.
Parece
um costume entre os cães cumprimentarem as visitas antes do dono da casa.
Enquanto
brinca com Ralf, Renzo esclarece a dúvida do amigo.
-
Correria fiu. Tava ajeitando as coisas pra festa da Bianca, não deu pra ir
treinar hoje mas um dia só não vai matar ninguém, eu nunca falto. Vim aqui pra
confirmar se você vai mesmo na festa.
- Pô,
eu já disse que vou né. – confirma Hanz meio contrariado, já sentando-se no
sofá da sala.
-
Ixi, com essa sua animação até eu to perdendo o pique de ir lá cara, eu heim...
-
Desculpa meu, não tem nada a ver com vocês, é que eu já te disse que não curto
muito esses programas, pensei que você já tivesse entendido isso.
-
Beleza fiu, mas vai só pra curtir cara, não precisa ficar com nenhuma mina lá
não, só fica com o pessoalzinho lá, curte o som, toma uns negócios, nada de
mais. Vai por mim, garanto que você vai curtir lá, é super ajeitado.
-
Tudo bem, eu disse que vou, só vou ficar meio deslocado né, eu não conheço
ninguém.
-
Sossega fiote, eu pedi folga hoje e fico lá trocando idéia contigo. Os primos
dela são gente boa também, você vai curtir a galera. E na minha companhia pode
ficar sossegado que qualquer problema que tenha por lá ninguém vai relar a mão
na mocinha, tá bom assim?
Renzo, com seu tom sarcástico, é capaz de
fazer rir até mesmo Hanz contrariado.
- Tá,
tá ok. Afinal de contas estarei com o campeão supremo de kung fú não é mesmo?
- É
isso aí fiote!!! – Renzo também cai na risada.
-
Então tá certo, lá pelas onze e meia eu apareço por lá ok?
-
Beleza, a gente fica na mesa lá no mezanino, é só mostrar o convite que os
caras te mostram onde fica, não tem erro. Bom... deixa eu ir nessa fiote, ainda
preciso resolver umas últimas coisas da festa. – Renzo já ruma para a porta.
- Ok,
mas olha meu, nada de querer me arrumar namoradinha lá não heim.
- Tá
beleza, fica sossegado, mas já disse que você tem que arrumar uma mina fiote,
esse negócio de só ficar no sexo virtual não faz bem não heim!!! – Renzo
realmente é uma figura.
- Que
porra de sexo virtual meu, você é louco. Se cuida heim meu, a gente se vê de
noite.
-
Certo, até mais tarde então.
Renzo
sai em alta velocidade com seu carro, Hanz acompanha ele dobrar a esquina
enquanto ainda ri das palhaçadas do amigo.
Ao
trancar o portão ele já é atacado por Ralf, que aos saltos faz festa pra ele.
-
Você tá com fome né Ralf? Peraí que eu já pego ração pra você. Só espero que o
meu cachorro seja mais educado que você. Mania de ficar pulando em mim, quase
me derruba, que saco...
Se
existe uma virtude que Hanz não possui é a paciência.
Após
alimentar Ralf e comer um lanche Hanz volta a se dedicar aos seus estudos, como
de costume.
Talvez
um dos fatos que tenham feito com que o jovem desse essa reviravolta em sua
vida tenha sido o de ter tempo e privacidade para estudar os assuntos que ele
gostava. Mesmo sem a liberdade atual, já estudava esses assuntos a bastante
tempo e escrevia artigos sobre suas conclusões no site que tinha na internet,
onde também podia trocar informações e debater sobre esses temas com outras
pessoas, infelizmente apenas virtualmente, pois elas moravam em lugares
distantes. Em seu ambiente de trabalho conversava somente sobre assuntos
relacionados à atualidades, política, televisão e coisas triviais, desconhecia
pessoas que se interessavam pelos mesmos assuntos que ele em seu círculo
social, com exceção de Renzo, que apesar de se interessar, não entendia muito.
Naquele
momento Hanz realizava um estudo na tentativa de formular uma tese sobre a
origem da humanidade. Nessa tese ele interligava a origem humana à ufologia e o
espiritismo, e nessa tarefa passou toda aquela tarde.
Por
volta das oito e meia da noite Hanz acabara de pedir seu jantar pelo telefone,
como sempre costumava fazer, quando o mesmo tocou, chegando a assustá-lo. Era
Bianca.
- Oi
Hanz, tudo bem com você?
-
Bianca? Tudo bem por aqui e contigo?
- Ah,
mais ou menos, to preocupada com o Rê, ele sumiu, tem notícias dele?
-
Olha, ele passou aqui no início da tarde, devia ser umas duas e meia, mas saiu
rápido porque tinha umas coisas para resolver, depois disso não o vi mais.
-
Hum... puxa, to preocupada Hanz, ele não some assim... Bom, se ele aparecer
pede pra ele me ligar tá?
- Ok,
pode deixar, eu falo sim. Mas fica tranqüila que daqui a pouco ele aparece,
deve tá atrapalhado escolhendo seu presente.
- É,
espero que sim. Brigada Hanz, a gente se vê mais tarde lá no Chopp então. Tchau
tchau.
- Com
certeza, tchau tchau Bianca.
Apesar
de tentar confortar a namorada do amigo o próprio Hanz ficou um pouco cismado,
Renzo não era disso. Mas não havia de ser nada, ele devia estar ocupado com os
preparativos para a festa.
Tudo
seguiu normalmente, Hanz arrumou-se para a festa, jantou e por volta das dez e
meia saiu tranqüilamente para a tão falada boate onde com certeza encontraria
seu amigo falastrão, embora ainda preferisse ficar em casa.
A
noite estava bem fria, com céu estrelado, mas mesmo os lugares mais
movimentados encontrava-se vazios de pedestres, até mesmo a mais movimentada
avenida da cidade que era freqüentada pelos jovens. Qual cidade do interior não
tem uma avenida ou praça assim?
Mas
ao chegar à boate ele percebe que o programa não seria tão calmo, o grande
movimento à porta indicava que o lugar iria encher.
“Renzo,
se você não fosse meu amigo eu não descia do carro nem a pau. Droga!!”
O
trânsito em frente ao local estava bastante congestionado, enquanto aguardava o
trânsito fluir para encontrar um local onde estacionar seu carro, aproveita
para ver se não encontra ninguém do trabalho ou algum pseudo-amigo de infância
esperando a vez de entrar, mas parece que realmente aquela não é sua noite de
sorte.
Seu
belo carro, uma Mitsubishi Pajero Sport preta chama a atenção, principalmente
pela placa da capital, atraindo os olhares das moças que fervilham em frente ao
Chopp do Padre. O mistério acerta do carro de Hanz aumenta ainda mais devido ao
insulfilm nos vidros que impede a visão no interior do veículo e também ao fato
de ele não ter o hábito de freqüentar aquela região nos horários de maior
movimento, de maneira que ninguém o conhecia.
Ele
era a novidade da noite. Cidade pequena tem dessas coisas.
Todos
se conhecem e basta alguém de fora aparecer para tornar-se o assunto da região.
Amante
do anonimato, Hanz sente cada vez mais sua vontade de ir embora crescer, mas
isso seria uma grande desfeita para com Renzo e Bianca, de forma que estava
fora de cogitação.
Animava-se
percebendo a grande quantidade de belas garotas prestes a entrar na boate e que
não disfarçavam os cochichos e olhares ao seu carro, poderia arrumar alguma
companhia naquela noite pois desde que chegara na cidade estava sozinho.
Embora
não estivesse a procura de um relacionamento, algumas vezes sentia-se
extremamente solitário ao chegar em casa à noite, mas sabia que iniciar
qualquer tipo de relação naquele momento seria um transtorno para seus planos
de total liberdade tão almejados.
Também
estava fora de cogitação arrumar alguém, estava ali somente por consideração ao
amigo e sua namorada.
Visivelmente
contrariado Hanz estaciona seu belo carro negro em uma rua transversal mais à
frente e no caminho até a boate experimenta a baixa temperatura da noite.
Enquanto
aguarda na fila a sua vez de entrar, tremendo de frio é bom lembrar, ele fica
observando as demais pessoas que assim como ele aguardam a vez. Em sua maioria
são jovens de entre dezessete e vinte e quatro anos, garotas muito bonitas,
pessoas de todos os estilos, desde patricinhas e boyzinhos até tipos mais
descolados como rappers e skatistas.
“Não
é a toa que o Renzo espanca cinco por noite nesse lugar.” – esse pensamento faz
Hanz rir, mas percebendo a inconveniência disso acaba esforçando-se para
controlar a risada e resolve guardar esse comentário para ao amigo mais tarde.
Hanz
fica indignado com certas atitudes. Ele vê um grupo de garotas de no máximo
dezessete anos aguardando sua vez na fila, bonitas por sinal, mas a luz
irradiante que emana de seus olhares diante daquilo tudo o deixa irritado.
Uma
delas sorri para ele percebendo o olhar do rapaz, sem sequer imaginar o que se
passa em sua cabeça.
“Como
pode isso? Elas ficam maravilhadas com uma coisa tão vazia como uma boate...
que coisa mais vazia. Parecem estar admirando uma obra de arte, um milagre ou
alguma coisa parecida...”
Hanz
nunca achou muita graça nesse tipo de programa, já freqüentara muito esse tipo
de lugar, mas sempre no embalo de seus amigos, na falta de algo melhor para
fazer. Não entendia como as pessoas entregavam-se àquilo, como se fosse sua
última noite, como se tudo se resumisse àquilo... Desde a época em que era um
freqüentador mais assíduo daquele tipo de lugar percebera que não dava pra
levar a sério garotas que conhecia nesses eventos, todas interessadas somente
em prazeres momentâneos, volúveis, muitas vezes esquecendo-se da compostura e
do bom senso. Mas enfim, cada pessoa escolhe o tipo de atividade que mais lhe
agrada, e por mais que Hanz não gostasse daquele tipo de diversão ele não
poderia enfiar isso na cabeça de todo mundo.
Enfim
chega sua vez de entrar.
Aliviado,
ele descobre que o lugar reservado para a festa de Bianca é bem mais tranqüilo
que o restante da boate, ao menos em relação à movimentação de pessoas, que no
resto do local se empurra e amassa, sem sequer ter espaço para dançar. Como tem
gente que pode gostar tanto daquilo?
Infelizmente
o som bate-estaca é o mesmo em toda a boate.
Seu
breve alívio termina ao avistar a mesa onde ele ficará, reconhecendo Bianca já
cercada de algumas pessoas, percebe que Renzo não está entre eles e fora a
aniversariante, com ar preocupado, ele não conhece ninguém.
Bianca
avista o amigo e vem recepcioná-lo sorridente, quando é felicitada pela data.
-Obrigada
por ter vindo Hanz, adorei seu presente, brigada mesmo, o Renzo me entregou
ontem de noite. A por falar nele, por ele anda? Você sabe?
Diante
da resposta negativa do rapaz a angústia de ambos cresce ainda mais.
Hanz
tenta tranqüilizá-la dando alguma desculpa, mas a verdade é que o sumiço de
Renzo era realmente muito estranho, preocupando-o também.
Todo
o diálogo é feito ao pé do ouvido, aos gritos, pois o volume ensurdecedor da
música obriga as pessoas presentes a comunicarem-se daquela forma.
Bianca
leva-o até a mesa, onde é apresentado a seus amigos e parentes, todos bastante
animados e simpáticos, envolvidos numa hipotética conversa.
Tão
confortável quanto um pinto num ninho de gaviões, Hanz tenta ser o mais
simpático possível, sorrindo e bebericando uma dose de Amarula.
Tenta
prestar atenção à conversa para integrar-se ao grupo, mas rapidamente percebe
que isso é impossível devido à música alta.
Música
num volume beirando o insuportável, ambiente abafado, pessoas lutando pelo
mínimo espaço possível através de trombadas e empurrões... enfim, Hanz
realmente não podia entender como podiam existir pessoas que apreciavam aquele
tipo de lugar.
Diante
da impossibilidade de participar da conversa ele decide pensar um pouco sobre
aquela situação; sobre aquele local em que está imerso.
Em
sua mocidade chegou a ir algumas vezes à boates do gênero, mas para ele, em
qualquer uma que fosse nada mudava, era sempre a mesma coisa, e ele jamais
gostou desse tipo de lugar. Música de um estilo que ele não apreciava, garotas
que dificilmente estavam à procura de algum relacionamento sério, uso excessivo
de bebida e também de drogas, pessoas empurrando-se, pisando-se e
esfregando-se... realmente aquele tipo de lugar jamais o agradara.
Não
sabia explicar bem o motivo, pois sentia-se um alienígena visto que todos seus
amigos gostavam e apenas ele não, mas não conseguia encontrá-lo, simplesmente
não lhe agradava nada a idéia de ir a esses lugares e em todas as vezes que
havia ido, assim como nessa de agora, foi devido à muita insistência por parte
de algum amigo seu.
De
uma coisa ele já sabia: odiava aglomerações humanas. Shoppings lotados, ruas de
comércio em época de compras, shows, enfim, todo tipo de aglomeração humana
causava-lhe uma repulsa gigantesca e talvez essa fosse a principal causa de sua
repulsa por boates, aquele monte de gente se apertando...
Mas
enfim, realmente havia gosto pra tudo, em certos lugares do planeta haviam
aqueles que banqueteavam-se com grilos, morcegos, ratos, ou seja lá qual
iguaria que para ele eram totalmente repulsivos, por que não haveriam pessoas
que gostem de boates abafadas e com pessoas se empurrando e esfregando?
Ou
será que nem mesmo elas apreciavam aquele tipo de lugar? Apenas freqüentavam
essas boates por absoluta falta de uma opção melhor ou porque alguém disse que
era bom e estava na moda? Havia essa possibilidade...
Bom,
ele sabia que não gostava, não sabia explicar exatamente o motivo, agora,
explicar o porque todas aquelas pessoas estavam ali já seria um pouco demais
para seu raciocínio, principalmente com
aquela música ensurdecedora martelhando-lhe os ouvidos.
Esforçava-se
para mostrar-se o mais simpático possível, ria de alguma coisa apenas porque
via as demais pessoas da mesa rindo, mas na verdade não fazia a menor idéia do
assunto que estava sendo conversado. Como elas conseguiam? Ou será que todos
agiam da mesma maneira que ele fingindo estarem entendendo?
Essa
idéia trouxe-lhe um misto de tranqüilidade e desconforto.
Tranqüilidade
pois dessa maneira ele não era o único a estar totalmente alheio à conversa, e
desconforto por imaginar que estava em um lugar onde a superficialidade e as
aparências eram uma regra ainda mais poderosa do que ele imaginava.
Estavam
no mezanino onde apenas pessoas com as devidas credenciais podiam entrar, ainda
assim, o local estava bastante cheio com pessoas trombando-lhe nas costas a
todo o momento.
Resolveu
dar uma espiada para o andar inferior através da sacada que estava às suas
costas e percebeu que lá sim estava o verdadeiro inferno. O local estava
abarrotado de pessoas e à primeira vista era praticamente impossível distinguir
quem quer que fosse devido à uniformidade da massa de pessoas e à iluminação
colorida e piscante que chegava à irritar.
“Meu
Deus, o que eu estou fazendo aqui?” – pensava Hanz ainda inconformado com
aquilo tudo.
Era
como muitos filosofavam: “Estar sozinho mesmo em meio à uma multidão.”
Esse
pensamento encaixava-se exatamente na maneira como ele se sentia, não havia
necessidade de maiores explicações.
Terminou
então sua filosofia a respeito e resolveu voltar à realidade...
Onde
estaria seu salvador, Renzo?
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