quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Capítulo IX

LIVRO HANZ


No dia seguinte àqueles acontecimentos misteriosos Hanz ainda não conseguia deixar de pensar naquilo tudo. Contava os minutos para o término de mais um dia de trabalho, aquilo que tanto dava-lhe prazer e felicidade acabara se tornando um suplício devido á situação geral de seu ambiente de trabalho. Interessava-se mais em voltar logo para casa e tentar, através de seus estudos, encontrar uma resposta para o ocorrido.
     Era quinta-feira e Renzo estava eufórico para o início do campeonato que se daria no próximo final de semana. Tinha total confiança em seu bom desempenho e esperava voltar da capital com a medalha de ouro classificando-se assim para a etapa nacional.
     Havia combinado com Hanz de irem juntos até a capital pois o amigo conhecia bem a cidade e seu carro comportava bem o transporte dos dois, mais o sihing e outros dois atletas da academia. Partiriam no sábado pela manhã com tempo de chegarem ao ginásio onde se daria o evento com algumas horas de antecedência. O campeonato estava programado para dois dias, sábado e domingo, assim Hanz também poderia aproveitar e visitar a família.
     Encontramos o atleta na casa de Paulo, onde como de costume discutem sobre mais um assunto polêmico.
     - Porra fiote, olha o tamanho do cavalo e os cara chama de menor infrator...
     - Ah Renzo, eu nem ligo mais cara, to cansado disso já. Menor infrator porque tem menos de dezoito anos, faça-me o favor!!! Infelizmente você sabe que eu já passei por essa fase, mas porra, eu era light cara, só cometia alguns furtos e tal, hoje essa cambada comete os piores crimes e ainda são defendidos pelos direitos da criança, que que é isso!!!
     - Eu sei dos motivos que levam muitos desses moleques a fazerem o que fazem, mas isso não os redime dos crimes não pô. Eu sou radical mesmo, pra mim tinham que receber o mesmo tratamento que qualquer outro marginal.
  Paulo encara o amigo, pensando...
     - Entendo que os caras são delinqüentes, que cometeram crimes e tudo o mais, o fato da idade não faz com que os crimes que praticaram sejam menos abomináveis, mas eu acho que se o governo fosse à raiz do problema toda essa juventude não teria porque ingressar no crime, atacando diretamente as causas a criminalidade diminuiria cara. Educação, condições de uma vida digna... se a população carente tivesse acesso à isso não haveria motivos pra fazerem tudo isso que a gente vê.
     - Nisso eu concordo com você fiote, mas os jornais mesmo noticiam crimes que são cometidos por jovens de classe média. Eles não entram nessa por necessidade, entram para serem malandros, durões, sentirem adrenalina no sangue... coisas de playboy cabeça oca que sempre me deu nojo.
     - Em mim também cara, puts, nem me fala. Esses nem tem como procurar justificativa para o que fazem, não que falta de recursos justifique cometer algum crime, mas esses playboys não tem nenhum motivo pra isso.
     - Não há justificativa fiote. Nada justifica você matar, estuprar, roubar pai de família, nada!! Se tiver que roubar porque seus filhos estão doentes, passando fome, sei lá, que roube bancos cara, eles tem seguro, nunca saem perdendo, mas roubar e barbarizar pai de família trabalhador? Porra... que é isso!!!
     - Nenhum crime é justificável cara, nenhum, mas imagine só você vendo em casa seu filho e esposa passando forma, doentes, e quando tá na rua procurando um emprego você vê um playboyzão desfilando de carrão, queimando dinheiro com drogas e futilidades, você perde a cabeça cara, não tem jeito. Eu sei porque já passei por isso e olha que eu nem tinha filho ou esposa ainda... Hoje eu não faço mais nada de errado graças à Deus, mas essas coisas ainda me tiram do sério.
    Os dois permanecem em silêncio pensando sobre aquilo, realmente é um assunto em que é  muito difícil chegar-se a uma conclusão justa...
     - O pior é que tudo isso é um círculo vicioso cara, não se sabe onde ele começa e termina, acho que até o governo fica sem saber o que fazer e por onde começar...
     Renzo concorda com a cabeça, apesar do assunto irritá-lo, ele estava muito empolgado com a proximidade da competição e não deixava-se abalar, estava de folga do treino e precisava de descanso para assegurar um bom desempenho. Aproveitara para fazer uma última visita à Paulo antes da viagem, apesar de ainda vê-lo naquela noite no trabalho, queria aproveitar a tranqüilidade da casa do amigo para que pudessem conversar mais sossegados, para a noite seguinte havia solicitado folga no emprego para poder estar descansado na manhã seguinte, sábado.
     Finalmente Hanz estava em casa para tentar analisar melhor o arrepiante episódio da noite anterior, mas só o faria após a visita de Renzo, que fora buscar seu cachorro de volta. Como viajariam e a casa ficaria sozinha não haveria quem alimentasse Ralf e era melhor levá-lo para a casa do seu verdadeiro dono onde haveria quem se encarregasse disso. Além do mais, Brutus, o cachorro de Hanz, seria-lhe entregue já na próxima segunda-feira.
     O rapaz preferiu não comentar nada com o amigo sobre o ocorrido para não prolongar a permanência dele em sua casa, estava ansioso para tentar encontrar a resposta para o assunto que o perturbava, o que tentaria fazer pesquisando em seus inúmeros livros e na internet.
     Renzo finalmente levou seu animal de estimação embora e Hanz pôde finalmente estudar tranqüilamente.
     Mal sabiam eles, mas o que estava por vir teria conseqüências bem mais graves do que o ocorrido na noite anterior.
     Naquela noite Hanz não teve maiores surpresas, pôde estudar em paz e chegar à conclusão de que aquilo que ocorrera era sem sombra de dúvidas um fenômeno espírita.
     “Aquele zumbido nos ouvidos, a expressão do cachorro como se visse alguma coisa, tudo isso identifica uma presença espiritual, assim como o forte arrepio que eu várias vezes senti. Mas que droga, eu sempre estive ansioso para ter acesso à essas manifestações e agora quando finalmente consigo eu sinto medo. Mas por que temer algo que eu compreendo? E por que ontem? Não há nada que justificasse a manifestação para a noite anterior, se é que existe alguma coisa que possa justificar uma ocorrência dessas. Mas esse medo... é algo mais forte que eu, é algo irracional, eu tento manter a calma, mas é mais forte que eu...”
     Provavelmente o medo que sentira fosse em virtude de não saber com certeza o que estava acontecendo. Não sabia se era um ladrão ou uma manifestação. Mas mesmo que tivesse absoluta certeza de tratar-se de um fenômeno paranormal manteria ele a calma?
     E por que justo naquela noite a manifestação ocorrera? Devia haver um motivo obscuro para aquilo, mas que ele desconhecia.
     Hanz acabou indo dormir sem obter essa última resposta.
     O movimento no Chopp do Padre estava fraco aquela noite, Renzo acabou sendo dispensado às quatro da manhã, antes mesmo do fechamento da casa. Um sinal de apoio do proprietário ao funcionário e atleta que necessitava de descanso para o final de semana.
     Toda a equipe de segurança e os demais funcionários vieram-lhe desejar boa sorte em sua empreitada e o rapaz saiu radiante com o apoio dos colegas. Tinha tudo para arrebentar no campeonato, nada tiraria-lhe o título.
     Ao chegar em seu carro Renzo percebe um vulto se aproximando do outro lado da rua.
     - Aí fiote, tô sem grana, nem adianta pedir pela olhada no carro porque eu to durão...
     Mas ao chegar até a luz o vulto então revela sua identidade e provavelmente não é em dinheiro que ele estava interessado no momento.
     - Babaca valentão, não tá lembrado de mim não?
     Renzo ao virar-se em direção da voz identifica o meliante que tentara assaltar Hanz algum tempo atrás.
     - Ora, ora, se não é meu amiguinho ladrão de galinha... – Renzo já guarda as chaves de volta no bolso prevendo o que está por acontecer.
     - Boyzinho otário, ce tá ferrado cuzão!!
     “Como um cara sozinho e aparentemente desarmado podia ameaçá-lo daquele jeito? Só podia ser louco...” – pensava Renzo já imaginando o que fazer com ele.
     - Você deve ser doido fiote. Vou te dar um remedinho bom pra acabar com sua doideira. Meu amigo não tá aqui hoje pra evitar que eu quebre seu pescoço. – Renzo já se aproxima lentamente de seu alvo.
     O meliante sorri inexplicavelmente.
     - Ah, é mesmo mané? Então é bom você ter mais doses desse remédio, meus amigos também vão querer...
     Nesse momento Renzo olha em volta e percebe mais três rapazes se aproximando por trás dele, vindo por trás dos carros estacionados.
     Num primeiro instante ele sente medo, a situação pegara-o de surpresa, mas ele sabe de sua capacidade, está em sua melhor forma física e pelo que pôde ver todos estão desarmados.
     “Coragem não é ausência de medo, mas sim o controle do medo.” – pensa Renzo lembrando de uma frase sempre dita por seu sihing.
     Não permitir que o oponente perceba esse medo é a primeira regra de um lutador, e não perceberiam realmente pois o medo inicial de Renzo havia desaparecido por completo.
     - Ah sim, você trouxe seus coleguinhas é? Acho que o negócio vai ser melhor do que eu pensava. Por que vocês não caem foram enquanto podem? É melhor pra saúde de vocês.
     Vendo que aos poucos os indivíduos continuam se aproximando lentamente e que não há como remediar a situação Renzo decide atacar.
     O primeiro alvo é seu velho conhecido, em quem dispara uma rajada de socos diretamente em seu rosto, levando-o ao chão.
     Como resposta os demais partem para cima dele todos juntos e a troca de golpes torna-se confusa. Chutes, socos, cotoveladas, Renzo se utiliza de todos os golpes para liquidar aqueles oponentes.
     O confronto estaria ganho e o futuro daqueles rapazes seria bem desagradável não fosse a inocência de Renzo em pensar que eles lhe armariam uma emboscada desarmados.
     Em meio a troca de golpes ele recebe uma seqüência de três ou quatro socos pelas costas, na altura da região lombar. Mas no calor da luta Renzo só percebe o que ocorrera quando ao derrubar o autor dos golpes vê um objeto metálico caindo no chão.
     Renzo leva a mão à altura do ombro, por trás, e percebe o sangue vertendo em abundância dos ferimentos em suas costas. Havia sido esfaqueado.
     Ainda assim o ataque prossegue, Renzo fica desconcertado ao ver seu próprio sangue e perde o ritmo da luta, recebendo vários socos do grupo.
     Como se algo tomasse conta de seu corpo Renzo novamente inicia seu ataque furiosamente, desferindo golpes ainda mais violentos contra seus agressores.
     Um deles já não se levanta mais após um soco direito na garganta, e fica gemendo no chão, onde o sangue de Renzo respingava, próximo à arma utilizada no ataque.
     O atleta tenta impedir que algum deles apodere-se dela novamente lançando-os à distância com poderosos chutes, mas de repente, em meio aos golpes, ele percebe as luzes de um giroflex que se aproxima e ouve os gritos dos bandidos que disparam em fuga.
     Sua visão começa a turvar, seu corpo amolece, está prestes a desmaiar mas ainda ouve os estampidos de disparos feitos pelos policiais.
     Acaba desmaiando...
     Enquanto Renzo perde a consciência não muito longe dali Hanz recobra a sua.
     Sem um motivo aparente o rapaz acorda, fato bastante incomum pois seu sono costuma ser pesado, raramente despertando de madrugada.
     Consulta seu relógio, eram quase quatro e meia da manhã, ainda poderia dormir um bom tempo antes do alarme do relógio acordá-lo, vira-se para prosseguir seu sono mas uma grande angústia invade seu peito, uma tristeza enorme.
     Pensou em seus parentes que agora estavam longe dele, mas prefere acreditar que talvez aquela angústia fosse reflexo de algum sonho que pudesse estar tendo e volta a dormir... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário