No dia seguinte
àqueles acontecimentos misteriosos Hanz ainda não conseguia deixar de pensar
naquilo tudo. Contava os minutos para o término de mais um dia de trabalho,
aquilo que tanto dava-lhe prazer e felicidade acabara se tornando um suplício
devido á situação geral de seu ambiente de trabalho. Interessava-se mais em
voltar logo para casa e tentar, através de seus estudos, encontrar uma resposta
para o ocorrido.
Era
quinta-feira e Renzo estava eufórico para o início do campeonato que se daria
no próximo final de semana. Tinha total confiança em seu bom desempenho e
esperava voltar da capital com a medalha de ouro classificando-se assim para a
etapa nacional.
Havia
combinado com Hanz de irem juntos até a capital pois o amigo conhecia bem a
cidade e seu carro comportava bem o transporte dos dois, mais o sihing e outros
dois atletas da academia. Partiriam no sábado pela manhã com tempo de chegarem
ao ginásio onde se daria o evento com algumas horas de antecedência. O
campeonato estava programado para dois dias, sábado e domingo, assim Hanz
também poderia aproveitar e visitar a família.
Encontramos
o atleta na casa de Paulo, onde como de costume discutem sobre mais um assunto
polêmico.
-
Porra fiote, olha o tamanho do cavalo e os cara chama de menor infrator...
- Ah
Renzo, eu nem ligo mais cara, to cansado disso já. Menor infrator porque tem
menos de dezoito anos, faça-me o favor!!! Infelizmente você sabe que eu já
passei por essa fase, mas porra, eu era light cara, só cometia alguns furtos e
tal, hoje essa cambada comete os piores crimes e ainda são defendidos pelos
direitos da criança, que que é isso!!!
- Eu
sei dos motivos que levam muitos desses moleques a fazerem o que fazem, mas
isso não os redime dos crimes não pô. Eu sou radical mesmo, pra mim tinham que
receber o mesmo tratamento que qualquer outro marginal.
Paulo encara o amigo, pensando...
-
Entendo que os caras são delinqüentes, que cometeram crimes e tudo o mais, o
fato da idade não faz com que os crimes que praticaram sejam menos abomináveis,
mas eu acho que se o governo fosse à raiz do problema toda essa juventude não
teria porque ingressar no crime, atacando diretamente as causas a criminalidade
diminuiria cara. Educação, condições de uma vida digna... se a população
carente tivesse acesso à isso não haveria motivos pra fazerem tudo isso que a
gente vê.
-
Nisso eu concordo com você fiote, mas os jornais mesmo noticiam crimes que são
cometidos por jovens de classe média. Eles não entram nessa por necessidade,
entram para serem malandros, durões, sentirem adrenalina no sangue... coisas de
playboy cabeça oca que sempre me deu nojo.
- Em
mim também cara, puts, nem me fala. Esses nem tem como procurar justificativa
para o que fazem, não que falta de recursos justifique cometer algum crime, mas
esses playboys não tem nenhum motivo pra isso.
- Não
há justificativa fiote. Nada justifica você matar, estuprar, roubar pai de
família, nada!! Se tiver que roubar porque seus filhos estão doentes, passando
fome, sei lá, que roube bancos cara, eles tem seguro, nunca saem perdendo, mas
roubar e barbarizar pai de família trabalhador? Porra... que é isso!!!
-
Nenhum crime é justificável cara, nenhum, mas imagine só você vendo em casa seu
filho e esposa passando forma, doentes, e quando tá na rua procurando um
emprego você vê um playboyzão desfilando de carrão, queimando dinheiro com
drogas e futilidades, você perde a cabeça cara, não tem jeito. Eu sei porque já
passei por isso e olha que eu nem tinha filho ou esposa ainda... Hoje eu não
faço mais nada de errado graças à Deus, mas essas coisas ainda me tiram do
sério.
Os
dois permanecem em silêncio pensando sobre aquilo, realmente é um assunto em
que é muito difícil chegar-se a uma conclusão
justa...
- O
pior é que tudo isso é um círculo vicioso cara, não se sabe onde ele começa e
termina, acho que até o governo fica sem saber o que fazer e por onde
começar...
Renzo
concorda com a cabeça, apesar do assunto irritá-lo, ele estava muito empolgado
com a proximidade da competição e não deixava-se abalar, estava de folga do
treino e precisava de descanso para assegurar um bom desempenho. Aproveitara
para fazer uma última visita à Paulo antes da viagem, apesar de ainda vê-lo
naquela noite no trabalho, queria aproveitar a tranqüilidade da casa do amigo
para que pudessem conversar mais sossegados, para a noite seguinte havia
solicitado folga no emprego para poder estar descansado na manhã seguinte,
sábado.
Finalmente
Hanz estava em casa para tentar analisar melhor o arrepiante episódio da noite
anterior, mas só o faria após a visita de Renzo, que fora buscar seu cachorro
de volta. Como viajariam e a casa ficaria sozinha não haveria quem alimentasse
Ralf e era melhor levá-lo para a casa do seu verdadeiro dono onde haveria quem
se encarregasse disso. Além do mais, Brutus, o cachorro de Hanz, seria-lhe
entregue já na próxima segunda-feira.
O
rapaz preferiu não comentar nada com o amigo sobre o ocorrido para não
prolongar a permanência dele em sua casa, estava ansioso para tentar encontrar
a resposta para o assunto que o perturbava, o que tentaria fazer pesquisando em
seus inúmeros livros e na internet.
Renzo
finalmente levou seu animal de estimação embora e Hanz pôde finalmente estudar
tranqüilamente.
Mal
sabiam eles, mas o que estava por vir teria conseqüências bem mais graves do
que o ocorrido na noite anterior.
Naquela
noite Hanz não teve maiores surpresas, pôde estudar em paz e chegar à conclusão
de que aquilo que ocorrera era sem sombra de dúvidas um fenômeno espírita.
“Aquele
zumbido nos ouvidos, a expressão do cachorro como se visse alguma coisa, tudo
isso identifica uma presença espiritual, assim como o forte arrepio que eu
várias vezes senti. Mas que droga, eu sempre estive ansioso para ter acesso à
essas manifestações e agora quando finalmente consigo eu sinto medo. Mas por
que temer algo que eu compreendo? E por que ontem? Não há nada que justificasse
a manifestação para a noite anterior, se é que existe alguma coisa que possa
justificar uma ocorrência dessas. Mas esse medo... é algo mais forte que eu, é
algo irracional, eu tento manter a calma, mas é mais forte que eu...”
Provavelmente
o medo que sentira fosse em virtude de não saber com certeza o que estava
acontecendo. Não sabia se era um ladrão ou uma manifestação. Mas mesmo que
tivesse absoluta certeza de tratar-se de um fenômeno paranormal manteria ele a
calma?
E por
que justo naquela noite a manifestação ocorrera? Devia haver um motivo obscuro
para aquilo, mas que ele desconhecia.
Hanz
acabou indo dormir sem obter essa última resposta.
O
movimento no Chopp do Padre estava fraco aquela noite, Renzo acabou sendo
dispensado às quatro da manhã, antes mesmo do fechamento da casa. Um sinal de
apoio do proprietário ao funcionário e atleta que necessitava de descanso para
o final de semana.
Toda
a equipe de segurança e os demais funcionários vieram-lhe desejar boa sorte em
sua empreitada e o rapaz saiu radiante com o apoio dos colegas. Tinha tudo para
arrebentar no campeonato, nada tiraria-lhe o título.
Ao
chegar em seu carro Renzo percebe um vulto se aproximando do outro lado da rua.
- Aí
fiote, tô sem grana, nem adianta pedir pela olhada no carro porque eu to
durão...
Mas
ao chegar até a luz o vulto então revela sua identidade e provavelmente não é
em dinheiro que ele estava interessado no momento.
-
Babaca valentão, não tá lembrado de mim não?
Renzo
ao virar-se em direção da voz identifica o meliante que tentara assaltar Hanz
algum tempo atrás.
-
Ora, ora, se não é meu amiguinho ladrão de galinha... – Renzo já guarda as
chaves de volta no bolso prevendo o que está por acontecer.
-
Boyzinho otário, ce tá ferrado cuzão!!
“Como
um cara sozinho e aparentemente desarmado podia ameaçá-lo daquele jeito? Só
podia ser louco...” – pensava Renzo já imaginando o que fazer com ele.
-
Você deve ser doido fiote. Vou te dar um remedinho bom pra acabar com sua
doideira. Meu amigo não tá aqui hoje pra evitar que eu quebre seu pescoço. –
Renzo já se aproxima lentamente de seu alvo.
O
meliante sorri inexplicavelmente.
- Ah,
é mesmo mané? Então é bom você ter mais doses desse remédio, meus amigos também
vão querer...
Nesse
momento Renzo olha em volta e percebe mais três rapazes se aproximando por trás
dele, vindo por trás dos carros estacionados.
Num
primeiro instante ele sente medo, a situação pegara-o de surpresa, mas ele sabe
de sua capacidade, está em sua melhor forma física e pelo que pôde ver todos
estão desarmados.
“Coragem
não é ausência de medo, mas sim o controle do medo.” – pensa Renzo lembrando de
uma frase sempre dita por seu sihing.
Não
permitir que o oponente perceba esse medo é a primeira regra de um lutador, e
não perceberiam realmente pois o medo inicial de Renzo havia desaparecido por
completo.
- Ah
sim, você trouxe seus coleguinhas é? Acho que o negócio vai ser melhor do que
eu pensava. Por que vocês não caem foram enquanto podem? É melhor pra saúde de
vocês.
Vendo
que aos poucos os indivíduos continuam se aproximando lentamente e que não há
como remediar a situação Renzo decide atacar.
O
primeiro alvo é seu velho conhecido, em quem dispara uma rajada de socos
diretamente em seu rosto, levando-o ao chão.
Como
resposta os demais partem para cima dele todos juntos e a troca de golpes
torna-se confusa. Chutes, socos, cotoveladas, Renzo se utiliza de todos os
golpes para liquidar aqueles oponentes.
O
confronto estaria ganho e o futuro daqueles rapazes seria bem desagradável não
fosse a inocência de Renzo em pensar que eles lhe armariam uma emboscada
desarmados.
Em
meio a troca de golpes ele recebe uma seqüência de três ou quatro socos pelas
costas, na altura da região lombar. Mas no calor da luta Renzo só percebe o que
ocorrera quando ao derrubar o autor dos golpes vê um objeto metálico caindo no
chão.
Renzo
leva a mão à altura do ombro, por trás, e percebe o sangue vertendo em
abundância dos ferimentos em suas costas. Havia sido esfaqueado.
Ainda
assim o ataque prossegue, Renzo fica desconcertado ao ver seu próprio sangue e
perde o ritmo da luta, recebendo vários socos do grupo.
Como
se algo tomasse conta de seu corpo Renzo novamente inicia seu ataque
furiosamente, desferindo golpes ainda mais violentos contra seus agressores.
Um
deles já não se levanta mais após um soco direito na garganta, e fica gemendo
no chão, onde o sangue de Renzo respingava, próximo à arma utilizada no ataque.
O
atleta tenta impedir que algum deles apodere-se dela novamente lançando-os à
distância com poderosos chutes, mas de repente, em meio aos golpes, ele percebe
as luzes de um giroflex que se aproxima e ouve os gritos dos bandidos que
disparam em fuga.
Sua
visão começa a turvar, seu corpo amolece, está prestes a desmaiar mas ainda
ouve os estampidos de disparos feitos pelos policiais.
Acaba
desmaiando...
Enquanto
Renzo perde a consciência não muito longe dali Hanz recobra a sua.
Sem
um motivo aparente o rapaz acorda, fato bastante incomum pois seu sono costuma
ser pesado, raramente despertando de madrugada.
Consulta
seu relógio, eram quase quatro e meia da manhã, ainda poderia dormir um bom
tempo antes do alarme do relógio acordá-lo, vira-se para prosseguir seu sono
mas uma grande angústia invade seu peito, uma tristeza enorme.
Pensou
em seus parentes que agora estavam longe dele, mas prefere acreditar que talvez
aquela angústia fosse reflexo de algum sonho que pudesse estar tendo e volta a
dormir...
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