quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Capítulo VIII



Após muitas conversas o grupo combinou finalmente de se reunir no feriado, uma segunda-feira, de forma que todos poderiam estar presentes na casa de Hanz que foi o  local escolhido.
     Participariam da reunião Renzo, Paulo, Cibele e Tatiana, esta última também se interessara pelas idéias dos colegas.
     Mas a data estava relativamente longe, faltavam quase três semanas para a reunião, de forma que cada um pudesse refletir se estava mesmo disposto a participar do grupo ou não, pois uma vez iniciado o movimento seria extremamente complicado desistir da participação. A data foi acertada por todos, não desejavam que nada fosse feito às pressas, tudo deveria ser muito bem pensado.
     O inverno chegara ao final e o rigoroso frio deu lugar a uma temperatura mais amena, Hanz manteve sua rotina de trabalho e estudos e Renzo manteve-se firme em seus treinos visando o campeonato que em breve ocorreria, enfim, todos seguiam sua rotina de vida normalmente apesar de a questão sobre a participação no movimento proposto ainda não estivesse acertada para nenhum deles.
     A boa notícia é que finalmente Brutus, o cachorro de Hanz, já estava sendo adestrado e em breve poderia estar na casa de seu dono para que Ralf pudesse voltar para a casa de Renzo.
     Mesmo com a vida correndo normalmente alguns acontecimentos faziam com que a revolta de alguns amigos aumentasse ainda mais.
     Hanz se indignava com alguns colegas de trabalho que ao invés de se ocuparem com suas funções na empresa de maneira eficaz preferiam dedicar-se a adular seus superiores de forma descarada. E o pior, por serem mais próximos de seus superiores devido a tais atitudes, lesavam a empresa sem que os responsáveis tomassem as devidas providências.
     Infelizmente seu cargo não lhe dava poderes para que atitudes fossem tomadas em relação à isso e rebelar-se com o sistema poderia significar somente sua demissão e não a correção do que estava errado.
     Remoía-se  por dentro com a situação, mas infelizmente nada podia fazer, mesmo que muitas vezes fosse obrigado a executar tarefas que não eram de sua competência mas sim da competência daqueles que não as executavam mas eram do grupo protegido pelos superiores coniventes, com isso, Hanz normalmente retornava para casa de péssimo humor, o que era compreensível.
     E esse mau humor crescia ainda mais com as notícias sobre a violência, a corrupção e o tráfico de drogas que cresciam mais dia após dia sem que a justiça pudesse fazer alguma coisa. Certa vez telefonou para as autoridades competentes para denunciar um grupo de rapazes que vendiam drogas num lugar próximo. Não era segredo para ninguém a atividade desenvolvida pelo grupo, mas ao tentar fazer a denúncia percebeu o descaso e a burocracia para que a denúncia pudesse ser averiguada, parecia que realmente não havia a menor vontade de procurar tirar os marginais do seu ponto de venda de drogas... Hanz acabou desistindo de denunciá-los.
     Já Paulo irritava-se muito com as notícias relacionadas aos movimentos em prol da reforma agrária no país. Ele, que já passara por muitas dificuldades na vida, concordava com os objetivos desses grupos mas não com a forma de manifestação que utilizavam. Não era justo ver donos de fazendas produtivas terem suas terras invadidas e seus bens destruídos por esses manifestantes, afinal, adquiriram tais terras honestamente, se haviam terras que realmente deveriam ser ocupadas eram terras improdutivas, onde seus donos apenas investiam seu dinheiro sem utilizarem-se dela para nada. O pior era o governo que nada fazia em relação a isso, não tomava atitude nenhuma, mantinha-se passivo assistindo aos acontecimentos e aqueles que tentavam defender suas propriedades ainda eram penalizados por agredir os manifestantes, ou seja, eles ficavam de mãos atadas diante da situação.
     Com relação às reformas da previdência quem se revoltava eram Tatiana e Cibele ao ouvir certas categorias bem remuneradas afirmarem que tais reformas as prejudicariam. Engraçado como todos mostram-se bem dispostos a auxiliar no crescimento do país desde que não se interfira em seus ganhos. Para elas o governo deveria fazer a reforma da maneira mais correta para a situação do país, mesmo que isso desagradasse a uma minoria, afinal, para o crescimento do país há a necessidade do sacrifício de alguns, e quem não estivesse satisfeito que trocasse de país, se é que havia a possibilidade de encontrarem algum outro país onde seus ganhos se comparassem ao do Brasil.
     Devido ao seu trabalho como segurança Renzo se indignava cada dia mais com a falta de proteção da sociedade, com o descaso das autoridades em relação aos problemas, da super proteção de algumas associações para com os marginais. Havia uma total inversão de papéis, o povo não tinha quem os defendesse mas os contraventores sempre encontravam quem fizesse isso.
     A ânsia de tomar uma atitude para mudar essa situação crescia mais e mais dentro de cada um. Revolta essa que é partilhada por milhões e milhões de pessoas pelo país mas que infelizmente não é demonstrada de nenhuma forma, seja pelo motivo que for, cada um tinha seus problemas pessoais, suas agendas lotadas, seus afazeres, sua rotina, e não encontravam encorajamento suficiente para mudar seu estilo de vida em prol da luta pela mudança desse quadro.
     Alguma coisa seria feita por aquele grupo, esse prazo para a realização da primeira reunião do grupo ao invés de destinar-se para reflexão pela participação ou não no grupo na verdade só estava servindo para enraizar mais ainda os ideais daqueles jovens.
     Tudo havia de acontecer, mas no seu devido tempo, de forma prudente e sensata, sem estarem movidos pela emoção e pela revolta.
     Emoção era o que não faltava em suas vidas.
     Talvez por estar concentrado em seus treinos Renzo deixara de lado a preocupação com as atitudes da namorada e até mesmo seu namoro estava em segundo plano no momento. Já havia perdido algum peso após sua mudança de hábitos alimentares e o aumento na intensidade dos exercícios praticados o que tornava visível o aumento do seu desempenho nos treinos.
     Diariamente participava de simulações de combate, pois às vésperas de qualquer campeonato seu sihing deixava de dar tanta ênfase à parte técnica da arte marcial para dedicar-se a aumentar o ritmo de combate e a melhorar o condicionamento físico de seus alunos. Faltavam apenas duas semanas para a competição, que aconteceria na capital, e Renzo estava totalmente focado no evento.
     Como de costume Hanz chegava do trabalho e após cuidar de Ralf, tomar banho e jantar, dedicava-se a seus estudos. Devido à intensificação dos treinos de Renzo suas visitas haviam se tornado mais raras de forma que Hanz dispunha de mais tempo para suas atividades.
     Certa noite Hanz estava em seu quarto dos fundos digitando uma de suas teses sossegadamente ouvindo um cd do grupo Era, seu tipo de música preferido para essa atividade pois o relaxava, onde tinha sua concentração ocasionalmente atrapalhada pelos latidos de Ralf que possivelmente perseguia algum gato, já se habituara com isso.
     Mas dessa vez o que tirara sua atenção sobre seu estudo havia lhe causado bastante apreensão pois não eram os latidos do cachorro.
     Uma batida à sua porta da sala, tão forte que fez-se ouvir do quarto onde estava. Fato estranho pois o portão estava trancado e Ralf cuidava do quintal e em nenhum momento se manifestara...
     “O que é isso?” – pensou ele enquanto emudecia o aparelho de som. Ficou em silêncio por um breve momento procurando ouvir mais alguma coisa.
     O silêncio tomou conta da casa, já passava muito da meia-noite e as ruas encontravam-se desertas como de costume, não se ouviam grilos, nem sinal de Ralf, o silêncio era total.
     Mais três batidas ocorreram, Hanz arrepiou-se de medo mas seguiu para a sala para tentar descobrir do que se tratava aquilo. Era nítido que alguém batia a sua porta, mas quem? O portão estava trancado, o muro era alto e Ralf não dera nenhum alarme.
     “Cadê aquele cachorro?” – indagou-se sem saber o que pensar.
     Ladrão? Mas ladrões não batem à porta. Essa conclusão fez Hanz mais uma vez arrepiar-se.
     Não tinha medo de fantasmas afinal de contas era espírita e estudava os fenômenos espirituais, o arrepio era involuntário.
     Estalos da madeira da porta? Improvável, as batidas haviam sido fortes pois as ouvira do quarto afastado com o volume do aparelho de som razoavelmente elevado.
     Ficou imóvel próximo à porta, silencioso, aguardando algum som do lado de fora que denunciasse o autor das batidas, passos ou alo do tipo...
     Nada...
     Um estranho zumbido invadira seus ouvidos, suava, estava tenso, havia alguma coisa ali fora batendo à sua porta, mas o quê?
     A sala escura, só o quarto distante tinha sua luz acesa, a sala era iluminava somente pela luz exterior que entrava pela grande janela lateral, aguardava, o suor escorrendo pela testa, mas o barulho não se repetia... nenhum som do lado de fora, o silêncio era absoluto.
     O ar parecia chumbo pesando-lhe sobre os ombros, o suor, o zumbido nos ouvidos, tudo isso trazia-lhe mal estar. Não sabia o que fazer, teve ímpetos de abrir a porta, mas estava com medo, não sabia medo de quê, mas estava com medo.
     O som das batidas pareciam ter se extinguido, pensou em voltar para o quarto e prosseguir em sua tarefa esquecendo o ocorrido, se é que conseguiria isso. Estava cansado, aquela sensação o extenuava, decidiu voltar ao quarto para sentar-se, ao menos lá a luz estava acesa e isso lhe trazia um pouco mais se segurança embora essa sensação não tivesse sentido algum, em que a luz o protegeria do que quer que fosse?
     Foi nesse instante, quando estava prestes a voltar para o quarto, que avistou um vulto passando pela janela lateral e seguindo para os fundos.
     - Porra, quem tá aí? – gritou ele instintivamente já levando a mão à chave para abrir a porta e pôr um ponto final na situação.
     Ao agarrar a maçaneta, com a porta já destrancada, novamente o arrepio tomou conta de seu corpo ao ouvir uma fraca risada feminina da direção da janela.
     - Agora eu quero ver quem é!!! – gritou ele abrindo a porta e lançando-se ao quintal rapidamente.
     Seu coração pulava em seu peito, o suor molhava-lhe a testa e a camiseta que usava, parecia estar prestes a entrar em colapso, mas correu para o quintal.
     Mas Hanz depara-se somente com Ralf, que está sossegadamente sentado no meio do corredor lateral mirando seu olhar para o fundo do quintal.
     - O que foi Ralf? Pega Ralf, pega!!!
     Mas o cão permanece estático e nem sequer desvia o olhar para seu temporário dono, parece hipnotizado, como se realmente visse alguma coisa na direção que observava.
     Hanz força a visão para tentar enxergar alguma coisa na escuridão, mas não vê nada. Corre até o portão e pela grade do portão observa a rua, que só tem os morcegos voando de árvore em árvore como de costume.
     - Será que to ficando louco? – resmunga ele baixinho.
     Nesse momento Ralf vem para junto dele, com a expressão de quando faz algo errado.
     - O que você viu heim Ralf? O que você viu? – indaga ele afagando o pêlo do cachorro.
     Hanz acende a luz da área de entrada e vai até a porta da sala onde a examina na tentativa de detectar alguma marca, mas não encontra nada.
     Fica olhando o quintal, como que tentando entender o que havia acontecido, o zumbido nos ouvidos havia desaparecido e seu estado geral voltara ao normal.
     “Que diabo é isso?” – indaga-se antes de despedir-se do cachorro e trancar novamente a porta.
     Decidiu finalizar aquela noite e ir dormir, mas ainda com o pensamento naquele acontecimento estranho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário