Após muitas
conversas o grupo combinou finalmente de se reunir no feriado, uma
segunda-feira, de forma que todos poderiam estar presentes na casa de Hanz que
foi o local escolhido.
Participariam
da reunião Renzo, Paulo, Cibele e Tatiana, esta última também se interessara
pelas idéias dos colegas.
Mas a
data estava relativamente longe, faltavam quase três semanas para a reunião, de
forma que cada um pudesse refletir se estava mesmo disposto a participar do
grupo ou não, pois uma vez iniciado o movimento seria extremamente complicado
desistir da participação. A data foi acertada por todos, não desejavam que nada
fosse feito às pressas, tudo deveria ser muito bem pensado.
O
inverno chegara ao final e o rigoroso frio deu lugar a uma temperatura mais
amena, Hanz manteve sua rotina de trabalho e estudos e Renzo manteve-se firme
em seus treinos visando o campeonato que em breve ocorreria, enfim, todos
seguiam sua rotina de vida normalmente apesar de a questão sobre a participação
no movimento proposto ainda não estivesse acertada para nenhum deles.
A boa
notícia é que finalmente Brutus, o cachorro de Hanz, já estava sendo adestrado
e em breve poderia estar na casa de seu dono para que Ralf pudesse voltar para
a casa de Renzo.
Mesmo
com a vida correndo normalmente alguns acontecimentos faziam com que a revolta
de alguns amigos aumentasse ainda mais.
Hanz
se indignava com alguns colegas de trabalho que ao invés de se ocuparem com
suas funções na empresa de maneira eficaz preferiam dedicar-se a adular seus
superiores de forma descarada. E o pior, por serem mais próximos de seus
superiores devido a tais atitudes, lesavam a empresa sem que os responsáveis
tomassem as devidas providências.
Infelizmente
seu cargo não lhe dava poderes para que atitudes fossem tomadas em relação à
isso e rebelar-se com o sistema poderia significar somente sua demissão e não a
correção do que estava errado.
Remoía-se por dentro com a situação, mas infelizmente
nada podia fazer, mesmo que muitas vezes fosse obrigado a executar tarefas que
não eram de sua competência mas sim da competência daqueles que não as
executavam mas eram do grupo protegido pelos superiores coniventes, com isso,
Hanz normalmente retornava para casa de péssimo humor, o que era compreensível.
E
esse mau humor crescia ainda mais com as notícias sobre a violência, a corrupção
e o tráfico de drogas que cresciam mais dia após dia sem que a justiça pudesse
fazer alguma coisa. Certa vez telefonou para as autoridades competentes para
denunciar um grupo de rapazes que vendiam drogas num lugar próximo. Não era
segredo para ninguém a atividade desenvolvida pelo grupo, mas ao tentar fazer a
denúncia percebeu o descaso e a burocracia para que a denúncia pudesse ser
averiguada, parecia que realmente não havia a menor vontade de procurar tirar
os marginais do seu ponto de venda de drogas... Hanz acabou desistindo de
denunciá-los.
Já
Paulo irritava-se muito com as notícias relacionadas aos movimentos em prol da
reforma agrária no país. Ele, que já passara por muitas dificuldades na vida,
concordava com os objetivos desses grupos mas não com a forma de manifestação
que utilizavam. Não era justo ver donos de fazendas produtivas terem suas
terras invadidas e seus bens destruídos por esses manifestantes, afinal,
adquiriram tais terras honestamente, se haviam terras que realmente deveriam ser
ocupadas eram terras improdutivas, onde seus donos apenas investiam seu
dinheiro sem utilizarem-se dela para nada. O pior era o governo que nada fazia
em relação a isso, não tomava atitude nenhuma, mantinha-se passivo assistindo
aos acontecimentos e aqueles que tentavam defender suas propriedades ainda eram
penalizados por agredir os manifestantes, ou seja, eles ficavam de mãos atadas
diante da situação.
Com
relação às reformas da previdência quem se revoltava eram Tatiana e Cibele ao
ouvir certas categorias bem remuneradas afirmarem que tais reformas as
prejudicariam. Engraçado como todos mostram-se bem dispostos a auxiliar no
crescimento do país desde que não se interfira em seus ganhos. Para elas o
governo deveria fazer a reforma da maneira mais correta para a situação do
país, mesmo que isso desagradasse a uma minoria, afinal, para o crescimento do
país há a necessidade do sacrifício de alguns, e quem não estivesse satisfeito
que trocasse de país, se é que havia a possibilidade de encontrarem algum outro
país onde seus ganhos se comparassem ao do Brasil.
Devido
ao seu trabalho como segurança Renzo se indignava cada dia mais com a falta de
proteção da sociedade, com o descaso das autoridades em relação aos problemas,
da super proteção de algumas associações para com os marginais. Havia uma total
inversão de papéis, o povo não tinha quem os defendesse mas os contraventores
sempre encontravam quem fizesse isso.
A
ânsia de tomar uma atitude para mudar essa situação crescia mais e mais dentro
de cada um. Revolta essa que é partilhada por milhões e milhões de pessoas pelo
país mas que infelizmente não é demonstrada de nenhuma forma, seja pelo motivo
que for, cada um tinha seus problemas pessoais, suas agendas lotadas, seus
afazeres, sua rotina, e não encontravam encorajamento suficiente para mudar seu
estilo de vida em prol da luta pela mudança desse quadro.
Alguma
coisa seria feita por aquele grupo, esse prazo para a realização da primeira
reunião do grupo ao invés de destinar-se para reflexão pela participação ou não
no grupo na verdade só estava servindo para enraizar mais ainda os ideais
daqueles jovens.
Tudo
havia de acontecer, mas no seu devido tempo, de forma prudente e sensata, sem
estarem movidos pela emoção e pela revolta.
Emoção
era o que não faltava em suas vidas.
Talvez
por estar concentrado em seus treinos Renzo deixara de lado a preocupação com
as atitudes da namorada e até mesmo seu namoro estava em segundo plano no
momento. Já havia perdido algum peso após sua mudança de hábitos alimentares e
o aumento na intensidade dos exercícios praticados o que tornava visível o
aumento do seu desempenho nos treinos.
Diariamente
participava de simulações de combate, pois às vésperas de qualquer campeonato
seu sihing deixava de dar tanta ênfase à parte técnica da arte marcial para
dedicar-se a aumentar o ritmo de combate e a melhorar o condicionamento físico
de seus alunos. Faltavam apenas duas semanas para a competição, que aconteceria
na capital, e Renzo estava totalmente focado no evento.
Como
de costume Hanz chegava do trabalho e após cuidar de Ralf, tomar banho e
jantar, dedicava-se a seus estudos. Devido à intensificação dos treinos de
Renzo suas visitas haviam se tornado mais raras de forma que Hanz dispunha de
mais tempo para suas atividades.
Certa
noite Hanz estava em seu quarto dos fundos digitando uma de suas teses
sossegadamente ouvindo um cd do grupo Era, seu tipo de música preferido para
essa atividade pois o relaxava, onde tinha sua concentração ocasionalmente
atrapalhada pelos latidos de Ralf que possivelmente perseguia algum gato, já se
habituara com isso.
Mas
dessa vez o que tirara sua atenção sobre seu estudo havia lhe causado bastante
apreensão pois não eram os latidos do cachorro.
Uma
batida à sua porta da sala, tão forte que fez-se ouvir do quarto onde estava.
Fato estranho pois o portão estava trancado e Ralf cuidava do quintal e em
nenhum momento se manifestara...
“O
que é isso?” – pensou ele enquanto emudecia o aparelho de som. Ficou em
silêncio por um breve momento procurando ouvir mais alguma coisa.
O
silêncio tomou conta da casa, já passava muito da meia-noite e as ruas
encontravam-se desertas como de costume, não se ouviam grilos, nem sinal de
Ralf, o silêncio era total.
Mais
três batidas ocorreram, Hanz arrepiou-se de medo mas seguiu para a sala para
tentar descobrir do que se tratava aquilo. Era nítido que alguém batia a sua
porta, mas quem? O portão estava trancado, o muro era alto e Ralf não dera
nenhum alarme.
“Cadê
aquele cachorro?” – indagou-se sem saber o que pensar.
Ladrão?
Mas ladrões não batem à porta. Essa conclusão fez Hanz mais uma vez
arrepiar-se.
Não
tinha medo de fantasmas afinal de contas era espírita e estudava os fenômenos
espirituais, o arrepio era involuntário.
Estalos
da madeira da porta? Improvável, as batidas haviam sido fortes pois as ouvira
do quarto afastado com o volume do aparelho de som razoavelmente elevado.
Ficou
imóvel próximo à porta, silencioso, aguardando algum som do lado de fora que
denunciasse o autor das batidas, passos ou alo do tipo...
Nada...
Um
estranho zumbido invadira seus ouvidos, suava, estava tenso, havia alguma coisa
ali fora batendo à sua porta, mas o quê?
A
sala escura, só o quarto distante tinha sua luz acesa, a sala era iluminava
somente pela luz exterior que entrava pela grande janela lateral, aguardava, o
suor escorrendo pela testa, mas o barulho não se repetia... nenhum som do lado
de fora, o silêncio era absoluto.
O ar
parecia chumbo pesando-lhe sobre os ombros, o suor, o zumbido nos ouvidos, tudo
isso trazia-lhe mal estar. Não sabia o que fazer, teve ímpetos de abrir a
porta, mas estava com medo, não sabia medo de quê, mas estava com medo.
O som
das batidas pareciam ter se extinguido, pensou em voltar para o quarto e
prosseguir em sua tarefa esquecendo o ocorrido, se é que conseguiria isso.
Estava cansado, aquela sensação o extenuava, decidiu voltar ao quarto para
sentar-se, ao menos lá a luz estava acesa e isso lhe trazia um pouco mais se
segurança embora essa sensação não tivesse sentido algum, em que a luz o
protegeria do que quer que fosse?
Foi
nesse instante, quando estava prestes a voltar para o quarto, que avistou um
vulto passando pela janela lateral e seguindo para os fundos.
-
Porra, quem tá aí? – gritou ele instintivamente já levando a mão à chave para
abrir a porta e pôr um ponto final na situação.
Ao
agarrar a maçaneta, com a porta já destrancada, novamente o arrepio tomou conta
de seu corpo ao ouvir uma fraca risada feminina da direção da janela.
-
Agora eu quero ver quem é!!! – gritou ele abrindo a porta e lançando-se ao
quintal rapidamente.
Seu
coração pulava em seu peito, o suor molhava-lhe a testa e a camiseta que usava,
parecia estar prestes a entrar em colapso, mas correu para o quintal.
Mas
Hanz depara-se somente com Ralf, que está sossegadamente sentado no meio do
corredor lateral mirando seu olhar para o fundo do quintal.
- O
que foi Ralf? Pega Ralf, pega!!!
Mas o
cão permanece estático e nem sequer desvia o olhar para seu temporário dono,
parece hipnotizado, como se realmente visse alguma coisa na direção que
observava.
Hanz
força a visão para tentar enxergar alguma coisa na escuridão, mas não vê nada.
Corre até o portão e pela grade do portão observa a rua, que só tem os morcegos
voando de árvore em árvore como de costume.
-
Será que to ficando louco? – resmunga ele baixinho.
Nesse
momento Ralf vem para junto dele, com a expressão de quando faz algo errado.
- O
que você viu heim Ralf? O que você viu? – indaga ele afagando o pêlo do
cachorro.
Hanz
acende a luz da área de entrada e vai até a porta da sala onde a examina na
tentativa de detectar alguma marca, mas não encontra nada.
Fica
olhando o quintal, como que tentando entender o que havia acontecido, o zumbido
nos ouvidos havia desaparecido e seu estado geral voltara ao normal.
“Que
diabo é isso?” – indaga-se antes de despedir-se do cachorro e trancar novamente
a porta.
Decidiu
finalizar aquela noite e ir dormir, mas ainda com o pensamento naquele
acontecimento estranho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário