quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Capítulo VII



O carro se aproxima velozmente pela rua quase deserta, fato comum nas tardes daquela cidade interiorana, principalmente nos bairros.
     Renzo estaciona em frente a uma casa onde um forte rapaz moreno brinca com um garoto. O alto volume do som do carro denuncia sua chegada e o rapaz vai recepcionar o visitante.
     - E aí Paulão, grande PP, como você tá fiote? – cumprimenta Renzo já descendo do carro.
     - Fala grande Renzo, tá perdido aqui na área cara?
     - Que nada, eu vim trocar uma idéia com você sobre uns papo aí.
     - Beleza cara, entra aí.
     Os dois se cumprimentam e antes de entrarem Renzo brinca com Henrique, enteado de Paulo, que mesmo tendo somente três anos já adora as brincadeiras um pouco abrutalhadas do grandalhão.
     - Fala aí cara, sobre que papos você quer falar comigo?
     - É sobre aqueles assuntos que costumamos conversar, papo de política, violência e tal. Eu comentei contigo sobre aquele amigo meu, lembra?
     - Lembro sim, fiquei bastante interessado na conversa daquele dia, mas esse seu amigo é de confiança mesmo Renzo? Você sabe que esses papo são sério né cara?
     - Fica sossegado fiote, ele é gente boa, e foi ele quem entrou no assunto e tal, se o cara não fosse de confiança eu nem tinha dado idéia pra ele, pode ficar tranqüilo, se o esquema não fosse seguro eu não estaria te falando nada.
     Os dois vão para a sala onde podem conversar mais sossegados, o garoto fica brincando no quintal.
     - Mas então você acha que a idéia tem futuro? – indaga Paulo.
     - Tudo depende da gente conversar, mas acho que tem sim fiote.
     - Bom... isso é muito bom Renzo, eu fico em casa e vejo os jornais cara, não dá pra continuar desse jeito não, mais cedo ou mais tarde acaba dando alguma coisa pro nosso lado, com você e seu amigo até já deu né cara. Eu fico preocupado com a Ci e com o Rique cara, por mim dane-se, eu me viro, mas e eles? A Ci trabalha, fica na rua, porra, se acontece alguma coisa com ele eu fico louco...
     - Eu te entendo fiote, por mim já passou da hora de fazermos alguma coisa porque se depender do governo a gente tá ferrado mesmo. A bandidagem tá tomando conta cara, e ninguém faz nada.
     - Esqueci de te falar cara, eu falei com a Ci sobre esses esquema e parece que tem uma amiga dela que também poderia entrar nessa com a gente, ela pensou que podíamos chamar essa amiga dela também. Você deve até conhecer, a Tatiana, ela estava aqui no aniversário do Rique.
     Renzo força a memória para lembrar.
     - Não é aquela da tatuagem no pescoço é?
     - Não, aquela é irmã da Cibele, a Tati é a de cabelo preto, a que tem tatuagem nos braços.
     - Lembro dela sim, toda roqueirona e tal, mas será que ela é engajada nesses assuntos mesmo? Como você mesmo disse o assunto é sério, não é brincadeira não fiote.
     - Pior que é cara, quem vê nem imagina. Ela esteve aqui algumas vezes e tive a chance de trocar umas idéias com ela, a Cibele já tinha comentado sobre ela comigo mas eu estava com o pé atrás, mas olha, me surpreendi, a menina tem uma puta cabeça cara, nem eu acreditei quando começou a rolar o papo.
     - Bom, se você tá falando né fiote, só tenho que confirmar com meu amigo daí vamos marcar de se encontrar pra começar a ver isso. E outra fiote, não é só uma puta cabeça que ela tem né? – fala Renzo com uma risadinha sacana.
     - Que a Ci não me ouça, mas isso é verdade, ela é bem gostosinha. – acompanha Paulo no mesmo tom.
     - Como você mesmo disse, quem vê nem imagina, ela é meio roqueira e tal, parece que vive no mundo da lua... mas se você tá garantindo eu fico sossegado.
     - Fica frio Renzo. Olha, vou falar com a Ci pra ligar pra ela daí a gente vê o que arruma.
     Cibele é a mãe de Henrique com quem Paulo mora, já estão juntos a quase três anos e possuem uma afinidade invejável. Dificilmente discordavam sobre alguma coisa e desentendimentos entre eles era algo bem difícil de acontecer. Renzo os admirava bastante por causa disso.
     Paulo é o conhecido dj Paulo Preto e trabalha junto com Renzo no Chopp do Padre, já Cibele trabalha em um escritório de cobrança onde conheceu Tatiana que também trabalha no local.
     O rapaz nunca teve uma vida fácil, saiu do nordeste à cinco anos vindo então para a cidade onde mora e após trabalhar algum tempo como vendedor conseguiu esse emprego na boate. Mas sua juventude foi bastante conturbada, conheceu o mundo do crime chegando a ficar preso por algum tempo e ao sair da prisão sua mãe o mandou morar com uma prima dela. Por coincidência essa prima mora na cidade onde ele está atualmente. Conseguiu abandonar a vida criminosa e passou a trabalhar honestamente, conhecendo então Cibele.
     Mas esse passado conturbado deixou algumas cicatrizes em Paulo, o que o torna uma pessoa revoltada com a atual situação do país pois conheceu os motivos que levam jovens a ingressar no mundo do crime e sabe que em grande parte das vezes essa é a única saída para aqueles que não possuem perspectiva nenhuma na vida. No mundo do crime era possível conseguir não apenas dinheiro mas também o respeito que todos buscam mesmo que muitas vezes tenham que pagar com a vida.
     Agora ele via uma oportunidade de colocar em prática vários planos sobre como tentar reverter essa situação, conscientizar o governo das necessidades do povo carente para que, quando essas necessidades forem supridas, os jovens deixem de enveredar pelos caminhos da marginalidade em busca de uma vida mais digna.
     Cibele teve uma vida normal e simples onde a maior dificuldade foi ter seu filho sem o apoio do pai, que sumiu ao saber da notícia. Ainda assim sempre questionou as injustiças sociais e sempre mostrou-se disposta a lutar de acordo com suas possibilidades por um país mais justo, não somente por ela, mas por seu filho, dando um futuro mais promissor ao garoto.
     Não passou muito tempo até que Renzo despediu-se do amigo, só tinha feito a visita para tratar sobre esse assunto e tinha ainda que ir até a casa de Bianca antes de ir para a academia, de forma que seu horário estava apertado.
     Já na casa da garota encontra-a na companhia de uma amiga, ambas tinham acabado de chegar do shopping, isso era perceptível devido a quantidade de sacolas que as duas tinham espalhado pela sala.
     - Oi meu anjo, que bom que passou aqui, estava morrendo de saudade!!! – cumprimenta-o carinhosamente.
     - Oi, também estava louco pra te ver por isso resolvi dar uma passada aqui antes de ir pro treino.
     - Que bom. Minha amiga você já conhece né, vem cá que vou te mostrar umas coisas que comprei...
     Renzo já imagina o que espera por ele, se bem conhece a namorada sabe que não devem ter sido poucas compras.
     Bianca e a amiga se põem a abrir as sacolas e pacotes mostrando-lhe as roupas que haviam comprado.
     O rapaz se esforça ao máximo para disfarçar sua chateação com aquilo, afinal, não havia necessidade alguma da garota ter comprado tanta coisa e mesmo mostrando-se amável e atencioso ele não resiste.
     - Poxa Bi, pra que tantas blusas amor? Você já tem um monte... precisava comprar tudo isso?
     - Ah amor, é que não resisti quando as vi na vitrine, são lindas não são? E também aquelas que comprei da última vez já estão batidas, ninguém tá usando mais.
  Renzo dá um profundo suspiro...
     - Bom... deixa eu ir, não quero chegar atrasado no treino pra ter que pagar flexões como castigo...
     A garota recebe um rápido beijo no rosto antes do rapaz levantar-se e sair da sala e percebe a chateação do namorado mas ainda assim permanece com a amiga terminando de revirar os embrulhos.
     Já no carro Renzo reflete um pouco.
     “Puts, tem horas que dá vontade de não aparecer mais por aqui, tá louco... Pra que gastar tanto dinheiro assim à toa? Parece que gasta por esporte porque necessidade não tem. Enquanto eu tenho que deixar meu cachorro com o Hanz porque nem grana pra cuidar dele eu não tenho ela fica gastando dinheiro assim de bobeira... Não sei como estamos juntos, não sei como mesmo. Eu gosto dela, e isso que é o duro, não escolhi gostar dela, aconteceu, mas poxa, essas coisas chateiam mesmo. Não temos nada a ver, todo mundo fala isso, e olha... tem horas que cansa isso... cansa mesmo...”
     Esse era um fato visível, o nível de Renzo e de Bianca era muito diferente, não tanto financeiramente, já que a família da garota apesar de ter uma vida confortável não era rica e a do rapaz acompanhava quase o mesmo patamar, mas as diferenças se acentuavam no modo de pensar e de ver a vida.
     Bianca, graças à seus pais, ambos advogados, não precisava se preocupar com trabalho ou estudo, era filha única e seus pais faziam todas suas vontades, nunca cobrando-lhe maior empenho na vida. Sua vida consistia em sair com as amigas e primas para o clube, passeios no shopping (pois na cidade só havia um), festas de amigos (nem sempre acompanhada pelo namorado pois ele não gostava de playboys) e idas ao salão de beleza.
     Já Renzo, mesmo com seu pai sendo diretor de uma grande empresa na cidade, desde cedo foi educado para cuidar da própria vida. Nunca foi mimado, nunca teve nada de mão beijada, tudo o que conseguiu foi com seu esforço, seu carro, seu cachorro, seus títulos no esporte...
     Essas diferenças por vezes incomodavam Renzo que definitivamente tinha uma grande afinidade sentimental com Bianca, único motivo pelo qual ainda mantinha o namoro que já chegava aos oito meses de duração mesmo com as inúmeras brigas que costumavam ter.
     Todos perguntavam pelo motivo de estarem juntos, pois essa diferença entre eles era realmente gritante, e a resposta que tinham era sempre “nos amamos apesar de tudo”.
     A verdade era que Renzo invejava e muito o relacionamento de Paulo e Cibele, seus amigos, que possuíam uma grande cumplicidade. Sobre eles sim podia-se dizer que haviam sido feitos um para o outro.
     Talvez o rapaz estivesse aguardando o dia em que Bianca finalmente caísse em si, percebesse que a vida não se resumia somente àquilo que ela considerava vida, ou talvez esperasse o dia em que tomasse coragem para pôr um ponto final naquele relacionamento.
     Enquanto esse dia não chegava iam levando o namoro ao seu modo, muitas vezes saindo sozinhos pois o companheiro não gostava do programa escolhido, com brigas freqüentes não só por esse motivo, mas pelas divergências que suas maneiras de verem a vida causavam, enfim... assim seguiam suas vidas.
     Apesar do baixo astral com o qual Renzo chegara à academia uma notícia o animaria bastante.
     - Boa tarde Renzo, você tá com uma cara... tudo bem?
     - Boa tarde sihing, tudo bem, sem problemas, e com você?
     - Tudo sob controle, preparado para o treino hoje?
     - Sim, claro, como sempre.
     - Isso é bom, mas espero que esteja ainda mais animado do que de costume porque vou intensificar os treinos de agora em diante.
     Renzo, que terminava de vestir seu uniforme, já tem uma idéia do que está para acontecer.
     - Pode falar sihing, embora eu já faça uma idéia do que seja.
     - A seletiva para o estadual será daqui a dois meses, confirmaram a data hoje, e como não poderia ser diferente você está na equipe de competição. Então já sabe, cuide do seu peso e se esforce ainda mais nos treinos certo?
     O sorriso de satisfação mostra sua alegria com a notícia.
     - Claro sihing, pode contar comigo, você sabe que eu nunca decepciono.
     - Sei sim, por isso já te inscrevi na equipe que vai participar. Bom... chega de papo e vamos pro treino.
     Renzo é bi-campeão estadual em sua categoria de peso além de ter conseguido um terceiro e um quinto lugar na competição a nível nacional. Seu próximo objetivo é conseguir o primeiro lugar no nacional desse ano e não pretende medir esforços para atingir esse objetivo.
     Sempre foi um atleta aplicado e sua única dificuldade sempre foi manter o peso ideal para a categoria na qual competia.
     Como de costume esse ano ele também teria que emagrecer um pouco, o que não lhe agradava nada, mas nada que um pouco de boa vontade não fosse capaz de conseguir, ele já estava acostumado com isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário