quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Capítulo VI



Hanz vem à sala com duas latas de cerveja, ainda estava nervoso com o que havia acontecido.
     - Porra, hoje foi dia heim... – suspira Renzo abrindo sua cerveja.
     - É, foi mesmo...
     Renzo percebe o nervosismo do amigo.
     - Por que você tá assim fiote?
     - Pô Renzo, se eu não te seguro você ia matar o cara... você tá ficando louco?
     - E se eu não apareço ele que ia acabar matando você fiote. Você não pode deixar o cara chegar junto assim não cara, tem que manter distância, você não tem noção nenhuma mesmo heim...
     - Porra, eu não tenho mesmo cara, eu nunca lutei nada. Mas valeu Renzo, se não fosse você eu estava ferrado mesmo. Mas sei lá, você tem que se controlar um pouco, não pode ser assim não. Eu sei que o dia pra você hoje foi difícil, mas porra, eu me assustei.
     - É, eu sei que passei da conta mesmo, minha vontade era de acabar com a raça daquele sujeito, e o pior é que eu podia te envolver nessa cagada, desculpa fiote.
     - Não tem que pedir desculpa não meu, eu já disse, eu que tenho que te agradecer pelo que fez por mim, eu só achei que você exagerou um pouco, mas beleza.
     - Você viu como que as coisas estão né fiote. Se você estivesse sozinho só Deus sabe o que podia ter acontecido, a coisa tá feia mesmo, hoje em dia não dá pra se sentir seguro em lugar nenhum não.
     - Verdade, a violência tá fora de controle cara, não podemos ter mais nada. Temos que viver humildemente pra não chamar a atenção, é ridículo isso, não temos o direito de usufruir do dinheiro que temos. Não podemos ter um carro legal, usar roupas legais ou ter uma casa legal porque sempre já tem gente de olho grande nas nossas coisas... E quando só ficam na inveja menos mal, o pior é quando acontece igual hoje, vem um vagabundo querer roubar a gente.
     - Foi como você disse, tem que ser feita alguma coisa, não dá pras coisas continuarem assim não. Mas olha fiu, você tem que aprender a se defender cara, ainda mais no mundo de hoje, senão você tá ferrado!!! Sei lá, se você não curte luta compra uma arma, mas não dá pra ficar assim de bobeira não.
     - Já me disseram isso, mas eu não levo jeito pra essas coisas, eu até acho legal, mas nunca levei jeito pra atividades físicas, sei lá... E outra meu, você sabe que não se deve reagir em um assalto não sabe? Mesmo que eu compre uma arma meu, na maioria das vezes que a vítima tenta reagir à um assalto acaba levando a pior e o assaltante leva até a arma da vítima.
     - É, eu sei fiu, ainda mais quando não se manja muito da coisa. Mas eu não sou nenhum mané né, eu sabia o que eu tava fazendo. Ele tinha uma faca, foi fácil eu dominar ele, mas se fosse um revólver daí a coisa já mudava, mas naquela situação, mesmo que fosse uma arma de fogo não ia dar em nada porque eu não ia deixar ele pegar. Antes de pensar em algum tipo de reação a gente tem que estudar a situação fiote e não agir por impulso, no susto, senão a coisa pode se complicar mesmo, tem que saber bem o que se está fazendo.
     - Sei que você tem um puta preparo mesmo, pessoas leigas não devem tentar reagir mesmo, muita gente morre tentando reagir... Mas eu sei que dei bobeira, fui abrir a carteira perto do cara, vacilei legal mesmo. Nem imaginava que ele pudesse querer me assaltar.
     - É, vacilou sim, e como eu disse, deixou o cara ficar praticamente encostado em você. Tsc, tsc, tsc. Mas agora já foi, vamos ver se da próxima vez você fica mais esperto fiote. Bom fiu, deixa eu ir nessa, já tá tarde pra caramba e amanhã ainda vou ter que fazer o relatório pra Bianca...
     - Tá certo Renzo, ser comprometido tem essas desvantagens, ter que ficar dando satisfação de tudo que acontece, mas enfim... eu também vou tomar um banho e cair na cama, to pregado.
  Hanz acompanha o amigo até o carro, parado em frente à sua casa.
     - Ah fiu, vou trocar uma idéia com o Paulo sobre aquele assunto, qualquer coisa a gente combina de se reunir e ver aqueles papos certinho.
     - Ok meu, faz isso sim, cada vez mais eu percebo que isso é um assunto urgente cara, do jeito que tá não dá não... Mas sei lá, isso não é uma coisa de nossa competência, mas já que ninguém faz nada, alguém tem que se mexer, começar a fazer alguma coisa.
     O amigo concorda com a cabeça e segue em seu carro, um Astra muito bonito, azul escuro com pintura metálica e um belo jogo de rodas.
     A noite, na verdade já alta madrugada, estava muito fria e uma neblina intensa pairava sobre a rua dando um aspecto sinistro àquela noite silenciosa.
     Após observar o carro do amigo dobrar a esquina, apesar do frio, Hanz permanece observando aquele paisagem dominado por um misto de fascinação e medo.
     Recorda-se de sua infância naquela rua, onde tudo era belo, inocente e agradável. Não haviam motivos para preocupação ou tristeza. Era uma época realmente maravilhosa...
     Os postes tinham suas luzes borradas pela forte neblina, pouco se conseguia ver, a própria esquina já estava bastante encoberta. Um pouco afetado pelo álcool ele permanece ali parado no portão refletindo sobre sua infância, sobre tudo o que acontecera naquela noite, sobre o assunto conversado com o amigo, sobre a possibilidade de fazer alguma coisa pela mudança daquela situação na qual até mesmo aquela cidade que antes era tão pacífica agora estava mergulhada e também pensando na idéia de que naquele exato momento ele pudesse estar até mesmo morto.
     Talvez pelo sono, talvez pela bebida, mas Hanz repentinamente passou a ver vultos me meio à neblina, como que esgueirando-se atrás das árvores e alguns poucos carros estacionados. Forçou a vista na tentativa de ter maior nitidez daquilo mas foi alertado por Ralf que aparece ao seu lado rosnando na mesma direção em que ele  vê os vultos.
     - Vem  Ralf, vamos pra dentro.
     Hanz puxa o companheiro para dentro e tranca rapidamente o portão amedrontado com a situação.
     Entrou em casa assustado e ficou imaginando o que seria aquilo enquanto preparava-se para o banho.
     O dia havia sido cheio, atípico, acabara de passar por uma grande tensão nervosa, e como havia bebido um pouco, coisa que também não era de seu costume fazer, aqueles vultos não deviam ser nada além do que fruto do cansaço.
     Banhou-se e foi para cama, mas mesmo cansado, demorou a pegar no sono.
     Estava ainda impressionado com os acontecimentos daquele dia.
     Apesar de mais concreta, a tentativa de assalto que sofrera não era o que mais o preocupava, mas sim, as visões que tivera a pouco no portão.
     Aquela não havia sido a primeira e provavelmente não seria a última visão que teria, em cada ocasião os sentimentos que o invadiam eram variados. Muitas vezes era uma forte angústia como uma espécie de saudade, em outras vezes o medo se apossava dele, como a pouco ocorrera, e essas visões sempre ocorriam numa espécie de transe, como num cochilo, quando sua mente se esvaziava completamente dando espaço àquelas imagens. Mas ao seu término Hanz não tinha certeza se o que via era real ou fruto de uma cochilada realmente, e isso o transtornava pois não sabia se eram reais ou apenas frutos de sua imaginação.
     Isso o desanimava pois estudava esses fenômenos e queria ter certeza do que vira, ter uma experiência concreta daquilo que estudava somente na teoria.
     Desejava sim ter visões e contatos com o plano espiritual para poder realmente comprovar tudo aquilo que acreditava e estudava. Desejava ter visões concretas, inegáveis, para que ele pudesse ter a certeza de serem verdadeiras e não apenas ter aquelas visões em situações que não lhe davam essa certeza.
     Acabou finalmente adormecendo...

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