quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Capítulo XI



O dia amanheceu nublado, chuvoso, pouco animador para quem tivesse planos de sair de casa naquela manhã.
     Hanz levantara por volta das dez horas, estava de péssimo humor, a bagunça dos gatos em seu quintal não havia deixado que dormisse bem e aquela manhã chuvosa piorava ainda mais seu estado de espírito. Normalmente aquele clima costumava trazer-lhe uma grande preguiça pelo restante do dia e ele odiava isso.
     - Droga, deixa eu fazer alguma coisa pra animar um pouco... Vou visitar o Renzo agora antes do almoço pra não ter mais que sair de casa hoje... – e foi logo colocar uma música para animar-se.
     Após tomar um banho e comer alguma coisa ele foi para a garagem e animou-se ao perceber que a chuva havia parado.
     Saiu com seu carro e viu alguns daqueles “amigos de infância” conversando próximo à sua casa.
     - Olha só quem tá aí... tudo bem Hanz? – cumprimentou-o Willian, um dos poucos com quem costumava conversar às vezes.
     - Tudo certo e com você? – respondeu de dentro do carro enquanto aguardava o portão automático fechar-se.
     - Comigo tudo certo, tá sumido heim...
     - Que nada, sempre tô em casa.
     - Cê tá xaropão heim Hanz, nem troca mais idéia com a gente, xarope mesmo!! – protestou Alex, que além de não ter muito a simpatia de Hanz ainda não o encontrara num de seus melhores dias.
     - Por que xarope? Você sabe onde eu moro, tem meu telefone... se quiser falar comigo sabe como me encontrar.
     Os demais rapazes espantaram-se com a ríspida resposta mas a verdade é que Hanz nunca simpatizou muito com Alex, um rapaz fútil, metido à modelo e garanhão, falastrão... enfim, possuidor dos atributos necessários para que ele o repudiasse.
     - Ow xarope, tá louco é? Se não quer trocar idéia fala logo, não precisa ficar dando patada não cara.
     - Beleza então, só me diz uma coisa: que motivo haveria de ter pra eu querer perder meu tempo em conversar contigo? Pra ficar ouvindo você dizer que é o mais gostoso, que come todas as menininhas, o que faz com elas, ficar contando vantagem encima de um bando de babaca que fica puxando seu saco? Dá licença meu, tenho mais o que fazer.
     Os ânimos estavam esquentando, Hanz tinha ímpetos de descer do carro e partir pra cima de Alex, mas continha-se.
     - Ce tá folgado mesmo cara!!! Desce aí dessa porcaria e vem falar isso aqui na minha cara!! – Alex sempre foi metido a valente, desde os tempos de moleque,  principalmente quando estava na presença da sua rodinha de amigos.
     - Ei galera, manera aí pô, aqui é tudo amigo caramba!! – interveio Wagner, irmão mais novo de Willian.
     - Tá nervosinho gostosão? Eu não sou moleque igual a você pra ficar brigando na rua não seu otário, se você não tá gostando do que eu tô falando me processa então. Até mais!! – dizendo isso Hanz liga o som do carro e sai em disparada com seu jipe, que impunha respeito.
     Por maior que fosse sua antipatia por Alex normalmente Hanz não o agrediria daquela forma, mas aquelas eram palavras que estavam engasgadas em sua garganta fazia muito tempo e seu humor naquela manhã estava péssimo.
     Ele mesmo não entendia bem o motivo de estar daquele jeito, mesmo a noite mal dormida e o dia chuvoso não eram justificativas para seu mau humor. Ultimamente costumava levantar assim, mas após alguns instantes, um bom banho, seu humor já costumava melhorar, particularmente naquele dia não havia melhorado, e parecia ter piorado após a discussão. A verdade é que esse sentimento surgia sem motivo algum e desaparecia da mesma forma, podia ser uma espécie de tpm psicológica masculina da qual já ouvira falar a respeito, mas não sabia explicar o verdadeiro motivo.
     Não sentia-se mal com o que dissera a Alex pois era o que ele realmente pensava, apenas se chateava um pouco por ter sido tão ríspido com alguém nada havia lhe feito no momento, mas enfim, já havia feito e não podia voltar atrás.
     Próximo à casa de Renzo ele cruza com Bianca que se aproxima no sentido contrário, conversam rapidamente e a garota explica que o namorado está acordado e bem disposto.
     Em poucos instantes ele chega a seu destino, recebido pela mãe do amigo, encontra-o na sala vendo televisão.
     - Ué, a boneca não tinha que estar na caminha não? – indaga Hanz adentrando o local.
     - Ah, ah, muito engraçado fiote, pára senão vou molhar aqui o sofá. Como cê tá Hanz?
     - Pô, mais ou menos, aqueles gatos me atormentaram a noite cara, mas fico feliz vendo que você está bem.
     - Ah,ah,ah,ah, o Ralf tá fazendo falta é? Não esquenta que essa semana o Brutus já tá liberado.
     Hanz senta-se ao lado do amigo, seu astral parece melhorar ao lado dele, que mesmo diante da gravidade do ocorrido não perde o bom humor.
     - É bom, assim eu posso dormir. Mas me fala aí meu, como aconteceu isso? Como você tá?
     - Ah fiu, eu tô legal, os ferimentos não foram graves e o médico me receitou um monte de remédios contra a dor e pra evitar infecção, vou ficar uns dias de molho mas logo logo eu tô pronto pra outra.
     - Graças à Deus Renzo, você não imagina o remorso que eu tô sentindo meu,  tenho certeza que os caras que te acaram fizeram isso pra vingar aquele dia que você me ajudou. Me conta como aconteceu.
     O amigo explicou o ocorrido em detalhes, que quando acordou já estava no hospital e que não sentiu as facadas, pra ele haviam sido simples socos.
     Hanz, que ouvia tudo atentamente, resolveu entrar no assunto que possivelmente era o que mais chatearia o amigo, o campeonato.
     - Olha meu, do fundo do coração, me desculpe Renzo, não tem como não me sentir culpado por você ter perdido o campeonato, era certo que você ia se classificar pro nacional, poxa, me desculpa mesmo.
     - Que  é isso fiote, não fica assim não pô, não tem essa não, você não tem culpa de nada, pára com isso. E o campeonato, pior para os outros caras porque no ano que vem minha sede de detonar com eles estará maior ainda, eles tão ferrados!!!
     Impossível não rir do jeito de Renzo.
     - Com certeza meu, você vai acabar com eles!!! Olha, me liga contando as novidades. Você com certeza terá que ir à delegacia reconhecer os maloqueiros, daí se você quiser que eu vá com você...
     - Beleza, eu ligo sim, mas por que a pressa de ir embora fiote?
     - Vida de solteiro você sabe como é, tenho que ir ao mercado ainda e outra, você sabe que eu não gosto de deixar minha casa sozinha...
     - Poxa, pensei que você fosse almoçar aqui em casa.
     - Valeu Renzo, mas fica pra uma outra vez, valeu mesmo.
     - Tá certo então, eu sei que você é paranóico com essa história da sua casa. Ah, o Paulão me ligou e disse que vocês se conheceram lá no hospital.
     - É verdade, foi sim. O cara parece ser gente boa mesmo como você disse. E vê se o senhor melhora logo pro dia da reunião heim.
     - Pode deixar fiu, essa reunião eu não perco por nada, e quanto mais passa o tempo aumenta mais minha gana de fazer alguma coisa.
     - Eu sei como é, pode deixar que faremos alguma coisa, fica tranqüilo e descansa pra melhorar logo, qualquer coisa é só me ligar. – fala Hanz já levantando-se.
     - Beleza fiote. Vai com Deus e vê se você se cuida heim. Tá ligado que não tem nada a ver essas idéias de se sentir culpado, fica sossegado.
     - Valeu Renzo, se cuida também, fica com Deus.
     Hanz ainda brinca rapidamente com Ralf que, como de costume, está no portão e segue mais tranqüilo para seus afazeres.
     Passou no mercado e fez as compras da semana, frios, comida congelada, iogurte, pão de forma, cereais, frutas, leite, macarrão instantâneo, enfim, tudo o que normalmente consta na lista de compras de um homem solteiro sem habilidades culinárias.
     Pretendia passar o resto do dia sossegado em casa, vendo televisão, mexendo no computador, enfim, o que mais gostava de fazer em suas horas de folga. Aos seus estudos costumava dedicar-se somente à noite.
     Voltava calmamente para casa, ouvindo uma musiquinha e pensando no que faria para o almoço, planejava uma boa pizza, um de seus pratos preferidos. Mas ao adentrar a rua de sua casa seu mau humor acabou retornando, Alex estava em frente à sua casa, provavelmente queria problema.
     Hanz posicionou seu carro para adentrar a garagem mas teve seu caminho obstruído pelo outro.
     - Por que a pressa xaropão? Antes de entrar desce do seu carrinho e troca idéia comigo.
     Era evidente que não tratava-se de uma conversa amistosa, Hanz sabia disso e sem hesitar desce do seu carro.
     - Fala meu, o que foi agora?
     - Quem é você pra falar comigo daquele jeito heim?
     - Por quê? Não posso exercer minha liberdade de expressão? Por acaso você é alguma autoridade com a qual eu tenha que medir minhas palavras? Se enxerga meu, enfia seu rabinho no meio das pernas e volta pro buraco de onde você saiu... – responde Hanz calmamente.
     Nesse momento Wagner chegava de moto e vendo os dois conversando já imagina que coisa boa não irá sair dali. Correu para perto deles.
     - Cala sua boca cara!! Você não é nada. Não passa de um moleque e acha que pode dar lição de moral em quem? Cala sua boca!!
     Hanz perde a calma a imita o oponente no tom de voz, gritando.
     - Eu calar a boca pra você? Cai na real meu, volta pro seu mundinho ridículo e sai da minha frente. Você pensa que é quem seu babaca? Fica na sua que é melhor.
     - Eu já mandei calar a boca!! – Alex ameaça partir pra cima de Hanz.
     - Ow cara, manera aí pô. Vocês parecem criança, pra que essa briga pô? Aqui é tudo amigo caramba!!! – intervém o motoqueiro.
     - Você quer me bater meu? Então bate cara, se isso vai te fazer feliz pode bater, vai, bate!!! Nas idéias você é fraco demais mesmo meu, então parte logo pra porrada que é só o que um imbecil feito você pode fazer. – Hanz se aproxima com os braços para trás.
     Alex fica sem ação, o que ele mais desejava era iniciar uma briga, talvez as cicatrizes do passado, quando apanhava de Hanz, ainda estivessem expostas, mas como brigar daquela forma?
     - Vai meu, você não tá a fim de brigar? Pode bater, eu deixo!!! – provocava Hanz.
     Wagner olhava para aquilo espantado, imaginava que Alex partiria para cima de Hanz por causa de sua fama de valentão, mas não foi o que aconteceu.
     Alex virou as costas e foi andando para sua casa enquanto esbravejava:
     - Se você falar alguma coisa de mim eu te mato você tá ouvindo? Eu te mato!!! – e entrou para sua casa, não sem antes ouvir a resposta de Hanz.
     - Cuidado com as besteiras que você fala meu, você ainda vai acabar se dando mal por causa disso, cuidado com o que você fala.
     Wagner parecia não acreditar naquilo, estava mudo. Hanz passou por ele rumo ao seu carro e deu-lhe um tapinha no ombro, amigável, aguardando então o portão abrir-se, como se nada tivesse acontecido.
     - Deixa eu almoçar que eu ganho mais não é verdade?
     Sem esperar a resposta ele entrou para sua casa, podia enfim voltar a pensar em sua pizza não sem lembrar-se de uma frase dita por Renzo certa vez:: “A maior das vitórias não consiste em vencer uma luta, mas evitar com dignidade que ela se inicie.”
     Nunca a filosofia chinesa tivera um sabor tão doce para ele, o que acabara de fazer trazia-lhe um prazer maior do que qualquer surra que pudesse ter dado em Alex.
     Claro que o outro podia ter partido para as vias de fato, talvez isso ocorresse se estivessem sozinhos, daí só o destino poderia dizer quem sairia vencedor, embora Hanz nunca tivesse treinado nada ele sabia defender-se. Mas diante da atitude de Hanz o outro só pôde sair envergonhado, sentindo-se um estúpido selvagem incapaz de resolver problemas sem o uso da violência.
     Enfim nosso “filósofo chinês” almoçou sossegado, saboreou sua pizza como se ela fosse um manjar dos deuses, montada a seu gosto, com os ingredientes que mais lhe agradavam. Para ele não havia nada melhor que aquilo, era como um troféu diante da vitória obtida sobre Alex, a vitória da civilidade sobre a violência. Com certeza ele havia recebido uma lição que jamais havia recebido.
     Deitou-se no sofá para ver um pouco de televisão, mas a noite mal dormida ainda manifestava suas conseqüências e Hanz acabou adormecendo.
     Após pouco mais de uma hora acabou sendo acordado pelo telefone que tocava, era sua mãe.
     Conversaram sobre assuntos corriqueiros, contou sobre o ocorrido com o amigo e sobre a visita surpresa que havia sido adiada em decorrência disso. Ouviu algumas novidades sobre a família que morava na capital, nada de muito importante, e após uns vinte minutos de conversa despediram-se.
     Ligou seu aparelho de som e com o costumeiro ritual iniciou sua empreitada na internet.
     Esse poderoso meio de comunicação e pesquisa era muito mais do que um mero lazer e passatempo para Hanz, ali ele oferecia e recebia informações valiosas sobre seus temas de estudo.
     Hanz fazia parte de um seleto grupou que se dedicava ao estudo dos fenômenos paranormais e sobrenaturais. Havia uma home page sobre tais assuntos que possuía um chat para a comunicação entre as pessoas. A veracidade do que ali era exposto podia ser comprovada pois só membros cujo cadastro fosse aprovado pelo dono da home page tinham acesso à ele.
     Ali Hanz adquirira muita informação para ser aplicada em seus estudos e passava horas e horas trocando informações...

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