O dia amanheceu
nublado, chuvoso, pouco animador para quem tivesse planos de sair de casa
naquela manhã.
Hanz
levantara por volta das dez horas, estava de péssimo humor, a bagunça dos gatos
em seu quintal não havia deixado que dormisse bem e aquela manhã chuvosa
piorava ainda mais seu estado de espírito. Normalmente aquele clima costumava
trazer-lhe uma grande preguiça pelo restante do dia e ele odiava isso.
-
Droga, deixa eu fazer alguma coisa pra animar um pouco... Vou visitar o Renzo
agora antes do almoço pra não ter mais que sair de casa hoje... – e foi logo
colocar uma música para animar-se.
Após
tomar um banho e comer alguma coisa ele foi para a garagem e animou-se ao
perceber que a chuva havia parado.
Saiu
com seu carro e viu alguns daqueles “amigos de infância” conversando próximo à
sua casa.
-
Olha só quem tá aí... tudo bem Hanz? – cumprimentou-o Willian, um dos poucos
com quem costumava conversar às vezes.
-
Tudo certo e com você? – respondeu de dentro do carro enquanto aguardava o
portão automático fechar-se.
-
Comigo tudo certo, tá sumido heim...
- Que
nada, sempre tô em casa.
- Cê
tá xaropão heim Hanz, nem troca mais idéia com a gente, xarope mesmo!! –
protestou Alex, que além de não ter muito a simpatia de Hanz ainda não o
encontrara num de seus melhores dias.
- Por
que xarope? Você sabe onde eu moro, tem meu telefone... se quiser falar comigo
sabe como me encontrar.
Os
demais rapazes espantaram-se com a ríspida resposta mas a verdade é que Hanz
nunca simpatizou muito com Alex, um rapaz fútil, metido à modelo e garanhão,
falastrão... enfim, possuidor dos atributos necessários para que ele o
repudiasse.
- Ow
xarope, tá louco é? Se não quer trocar idéia fala logo, não precisa ficar dando
patada não cara.
-
Beleza então, só me diz uma coisa: que motivo haveria de ter pra eu querer
perder meu tempo em conversar contigo? Pra ficar ouvindo você dizer que é o
mais gostoso, que come todas as menininhas, o que faz com elas, ficar contando
vantagem encima de um bando de babaca que fica puxando seu saco? Dá licença
meu, tenho mais o que fazer.
Os
ânimos estavam esquentando, Hanz tinha ímpetos de descer do carro e partir pra
cima de Alex, mas continha-se.
- Ce
tá folgado mesmo cara!!! Desce aí dessa porcaria e vem falar isso aqui na minha
cara!! – Alex sempre foi metido a valente, desde os tempos de moleque, principalmente quando estava na presença da
sua rodinha de amigos.
- Ei
galera, manera aí pô, aqui é tudo amigo caramba!! – interveio Wagner, irmão
mais novo de Willian.
- Tá
nervosinho gostosão? Eu não sou moleque igual a você pra ficar brigando na rua
não seu otário, se você não tá gostando do que eu tô falando me processa então.
Até mais!! – dizendo isso Hanz liga o som do carro e sai em disparada com seu
jipe, que impunha respeito.
Por
maior que fosse sua antipatia por Alex normalmente Hanz não o agrediria daquela
forma, mas aquelas eram palavras que estavam engasgadas em sua garganta fazia
muito tempo e seu humor naquela manhã estava péssimo.
Ele
mesmo não entendia bem o motivo de estar daquele jeito, mesmo a noite mal
dormida e o dia chuvoso não eram justificativas para seu mau humor. Ultimamente
costumava levantar assim, mas após alguns instantes, um bom banho, seu humor já
costumava melhorar, particularmente naquele dia não havia melhorado, e parecia
ter piorado após a discussão. A verdade é que esse sentimento surgia sem motivo
algum e desaparecia da mesma forma, podia ser uma espécie de tpm psicológica
masculina da qual já ouvira falar a respeito, mas não sabia explicar o verdadeiro
motivo.
Não
sentia-se mal com o que dissera a Alex pois era o que ele realmente pensava,
apenas se chateava um pouco por ter sido tão ríspido com alguém nada havia lhe
feito no momento, mas enfim, já havia feito e não podia voltar atrás.
Próximo
à casa de Renzo ele cruza com Bianca que se aproxima no sentido contrário,
conversam rapidamente e a garota explica que o namorado está acordado e bem
disposto.
Em
poucos instantes ele chega a seu destino, recebido pela mãe do amigo,
encontra-o na sala vendo televisão.
- Ué,
a boneca não tinha que estar na caminha não? – indaga Hanz adentrando o local.
- Ah,
ah, muito engraçado fiote, pára senão vou molhar aqui o sofá. Como cê tá Hanz?
- Pô,
mais ou menos, aqueles gatos me atormentaram a noite cara, mas fico feliz vendo
que você está bem.
-
Ah,ah,ah,ah, o Ralf tá fazendo falta é? Não esquenta que essa semana o Brutus
já tá liberado.
Hanz
senta-se ao lado do amigo, seu astral parece melhorar ao lado dele, que mesmo
diante da gravidade do ocorrido não perde o bom humor.
- É
bom, assim eu posso dormir. Mas me fala aí meu, como aconteceu isso? Como você
tá?
- Ah
fiu, eu tô legal, os ferimentos não foram graves e o médico me receitou um
monte de remédios contra a dor e pra evitar infecção, vou ficar uns dias de
molho mas logo logo eu tô pronto pra outra.
-
Graças à Deus Renzo, você não imagina o remorso que eu tô sentindo meu, tenho certeza que os caras que te acaram
fizeram isso pra vingar aquele dia que você me ajudou. Me conta como aconteceu.
O
amigo explicou o ocorrido em detalhes, que quando acordou já estava no hospital
e que não sentiu as facadas, pra ele haviam sido simples socos.
Hanz,
que ouvia tudo atentamente, resolveu entrar no assunto que possivelmente era o
que mais chatearia o amigo, o campeonato.
-
Olha meu, do fundo do coração, me desculpe Renzo, não tem como não me sentir
culpado por você ter perdido o campeonato, era certo que você ia se classificar
pro nacional, poxa, me desculpa mesmo.
-
Que é isso fiote, não fica assim não pô,
não tem essa não, você não tem culpa de nada, pára com isso. E o campeonato,
pior para os outros caras porque no ano que vem minha sede de detonar com eles
estará maior ainda, eles tão ferrados!!!
Impossível
não rir do jeito de Renzo.
- Com
certeza meu, você vai acabar com eles!!! Olha, me liga contando as novidades.
Você com certeza terá que ir à delegacia reconhecer os maloqueiros, daí se você
quiser que eu vá com você...
-
Beleza, eu ligo sim, mas por que a pressa de ir embora fiote?
-
Vida de solteiro você sabe como é, tenho que ir ao mercado ainda e outra, você
sabe que eu não gosto de deixar minha casa sozinha...
-
Poxa, pensei que você fosse almoçar aqui em casa.
-
Valeu Renzo, mas fica pra uma outra vez, valeu mesmo.
- Tá
certo então, eu sei que você é paranóico com essa história da sua casa. Ah, o
Paulão me ligou e disse que vocês se conheceram lá no hospital.
- É
verdade, foi sim. O cara parece ser gente boa mesmo como você disse. E vê se o
senhor melhora logo pro dia da reunião heim.
-
Pode deixar fiu, essa reunião eu não perco por nada, e quanto mais passa o
tempo aumenta mais minha gana de fazer alguma coisa.
- Eu
sei como é, pode deixar que faremos alguma coisa, fica tranqüilo e descansa pra
melhorar logo, qualquer coisa é só me ligar. – fala Hanz já levantando-se.
-
Beleza fiote. Vai com Deus e vê se você se cuida heim. Tá ligado que não tem
nada a ver essas idéias de se sentir culpado, fica sossegado.
-
Valeu Renzo, se cuida também, fica com Deus.
Hanz
ainda brinca rapidamente com Ralf que, como de costume, está no portão e segue
mais tranqüilo para seus afazeres.
Passou
no mercado e fez as compras da semana, frios, comida congelada, iogurte, pão de
forma, cereais, frutas, leite, macarrão instantâneo, enfim, tudo o que
normalmente consta na lista de compras de um homem solteiro sem habilidades
culinárias.
Pretendia
passar o resto do dia sossegado em casa, vendo televisão, mexendo no
computador, enfim, o que mais gostava de fazer em suas horas de folga. Aos seus
estudos costumava dedicar-se somente à noite.
Voltava
calmamente para casa, ouvindo uma musiquinha e pensando no que faria para o
almoço, planejava uma boa pizza, um de seus pratos preferidos. Mas ao adentrar
a rua de sua casa seu mau humor acabou retornando, Alex estava em frente à sua
casa, provavelmente queria problema.
Hanz
posicionou seu carro para adentrar a garagem mas teve seu caminho obstruído
pelo outro.
- Por
que a pressa xaropão? Antes de entrar desce do seu carrinho e troca idéia
comigo.
Era
evidente que não tratava-se de uma conversa amistosa, Hanz sabia disso e sem
hesitar desce do seu carro.
-
Fala meu, o que foi agora?
-
Quem é você pra falar comigo daquele jeito heim?
- Por
quê? Não posso exercer minha liberdade de expressão? Por acaso você é alguma
autoridade com a qual eu tenha que medir minhas palavras? Se enxerga meu, enfia
seu rabinho no meio das pernas e volta pro buraco de onde você saiu... –
responde Hanz calmamente.
Nesse
momento Wagner chegava de moto e vendo os dois conversando já imagina que coisa
boa não irá sair dali. Correu para perto deles.
-
Cala sua boca cara!! Você não é nada. Não passa de um moleque e acha que pode
dar lição de moral em quem? Cala sua boca!!
Hanz
perde a calma a imita o oponente no tom de voz, gritando.
- Eu
calar a boca pra você? Cai na real meu, volta pro seu mundinho ridículo e sai
da minha frente. Você pensa que é quem seu babaca? Fica na sua que é melhor.
- Eu
já mandei calar a boca!! – Alex ameaça partir pra cima de Hanz.
- Ow
cara, manera aí pô. Vocês parecem criança, pra que essa briga pô? Aqui é tudo
amigo caramba!!! – intervém o motoqueiro.
-
Você quer me bater meu? Então bate cara, se isso vai te fazer feliz pode bater,
vai, bate!!! Nas idéias você é fraco demais mesmo meu, então parte logo pra
porrada que é só o que um imbecil feito você pode fazer. – Hanz se aproxima com
os braços para trás.
Alex
fica sem ação, o que ele mais desejava era iniciar uma briga, talvez as
cicatrizes do passado, quando apanhava de Hanz, ainda estivessem expostas, mas
como brigar daquela forma?
- Vai
meu, você não tá a fim de brigar? Pode bater, eu deixo!!! – provocava Hanz.
Wagner
olhava para aquilo espantado, imaginava que Alex partiria para cima de Hanz por
causa de sua fama de valentão, mas não foi o que aconteceu.
Alex
virou as costas e foi andando para sua casa enquanto esbravejava:
- Se
você falar alguma coisa de mim eu te mato você tá ouvindo? Eu te mato!!! – e
entrou para sua casa, não sem antes ouvir a resposta de Hanz.
-
Cuidado com as besteiras que você fala meu, você ainda vai acabar se dando mal
por causa disso, cuidado com o que você fala.
Wagner
parecia não acreditar naquilo, estava mudo. Hanz passou por ele rumo ao seu
carro e deu-lhe um tapinha no ombro, amigável, aguardando então o portão
abrir-se, como se nada tivesse acontecido.
-
Deixa eu almoçar que eu ganho mais não é verdade?
Sem
esperar a resposta ele entrou para sua casa, podia enfim voltar a pensar em sua
pizza não sem lembrar-se de uma frase dita por Renzo certa vez:: “A maior das
vitórias não consiste em vencer uma luta, mas evitar com dignidade que ela se
inicie.”
Nunca
a filosofia chinesa tivera um sabor tão doce para ele, o que acabara de fazer
trazia-lhe um prazer maior do que qualquer surra que pudesse ter dado em Alex.
Claro
que o outro podia ter partido para as vias de fato, talvez isso ocorresse se
estivessem sozinhos, daí só o destino poderia dizer quem sairia vencedor, embora
Hanz nunca tivesse treinado nada ele sabia defender-se. Mas diante da atitude
de Hanz o outro só pôde sair envergonhado, sentindo-se um estúpido selvagem
incapaz de resolver problemas sem o uso da violência.
Enfim
nosso “filósofo chinês” almoçou sossegado, saboreou sua pizza como se ela fosse
um manjar dos deuses, montada a seu gosto, com os ingredientes que mais lhe
agradavam. Para ele não havia nada melhor que aquilo, era como um troféu diante
da vitória obtida sobre Alex, a vitória da civilidade sobre a violência. Com
certeza ele havia recebido uma lição que jamais havia recebido.
Deitou-se
no sofá para ver um pouco de televisão, mas a noite mal dormida ainda
manifestava suas conseqüências e Hanz acabou adormecendo.
Após
pouco mais de uma hora acabou sendo acordado pelo telefone que tocava, era sua
mãe.
Conversaram
sobre assuntos corriqueiros, contou sobre o ocorrido com o amigo e sobre a
visita surpresa que havia sido adiada em decorrência disso. Ouviu algumas
novidades sobre a família que morava na capital, nada de muito importante, e
após uns vinte minutos de conversa despediram-se.
Ligou
seu aparelho de som e com o costumeiro ritual iniciou sua empreitada na
internet.
Esse
poderoso meio de comunicação e pesquisa era muito mais do que um mero lazer e
passatempo para Hanz, ali ele oferecia e recebia informações valiosas sobre
seus temas de estudo.
Hanz
fazia parte de um seleto grupou que se dedicava ao estudo dos fenômenos
paranormais e sobrenaturais. Havia uma home page sobre tais assuntos que
possuía um chat para a comunicação entre as pessoas. A veracidade do que ali
era exposto podia ser comprovada pois só membros cujo cadastro fosse aprovado
pelo dono da home page tinham acesso à ele.
Ali
Hanz adquirira muita informação para ser aplicada em seus estudos e passava
horas e horas trocando informações...
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