quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Capítulo XIII



A semana transcorreu normalmente com cada um envolvido em seus afazeres cotidianos, logicamente, todos estavam ansiosos pela chegada do final de semana e pela reunião tão esperada.
     Na segunda-feira Hanz foi até a delegacia conforme havia combinado com Renzo e fez a denúncia da tentativa de assalto que sofrera. O delegado reforçou a informação de que tão cedo o meliante não estaria nas ruas, o que deixou-o tranqüilo embora ainda se preocupasse com os dois que haviam fugido.
     No meio da semana finalmente Brutus fora-lhe entregue, o cão realmente era muito bonito e o treinamento que havia recebido correspondia bem às suas expectativas.
     Renzo tomara ciência dos resultados obtidos por seus companheiros no campeonato, mas não ficara satisfeito com as medalhas de bronze conquistadas, sabia que se tivesse participado não deixaria escapar o ouro, mas não deixava transparecer isso para eles, afinal, todos na academia eram como irmãos. Agora planejava sua atuação no campeonato do próximo ano, demoraria, mas seria seu passo principal para a conquista do título nacional.
     Chegou enfim o feriado, Hanz levantara-se relativamente cedo para ajeitar algumas coisas, logo o pessoal começaria a chegar. Combinaram que fariam a reunião aparentar uma simples festa entre amigos, o que não deixava de ser verdade, assim jamais despertariam qualquer tipo de suspeita entre a vizinhança. Na ocasião fariam um almoço e Hanz já preparava sua especialidade: pizza.
     Renzo foi o primeiro a chegar, estava animado com a reunião, brincava com Brutus enquanto o amigo terminava seus afazeres culinários. Seus ferimentos já estavam bem melhores e a ausência de dor era-lhe um grande alívio.
     Chegaram então Paulo e Cibele, haviam deixado Henrique com um parente dela e Hanz finalmente pôde conhecer a namorada de Paulo, uma garota muito simpática que felizmente inspirava bastante confiança.
     Mas a maior surpresa se deu com a chegada de Tatiana, não pela beleza peculiar da moça, mas pelo fato de ela não ter vindo à reunião sozinha como fora combinado.
     Paulo estranhou ao ouvir o som do carro estacionando, pois conhecia a moça.
     - Ué, será que é a Tatiana que chegou Ci? Você nunca disse que ela tinha carro.
     - Pelo que eu sei ela só tem uma moto, será que comprou carro?
     - Calma pessoal, deixa eu ir lá ver quem é. – disse Hanz caminhando para a frente da casa, sendo seguido por Paulo.
     Ao se depararem com Tatiana acompanhada por um rapaz Hanz olha para Paulo sem entender nada, afinal, quem era aquele cara?
     Cibele é chamada pelo namorado, que vem na companhia de Renzo.
     A morena sai para falar com a amiga, afinal o casal estava presente ali por intermédio dela.
     Renzo, Hanz e Paulo ficam irritados com o ocorrido, afinal de contas, aquela não era uma reunião social e os assuntos que pretendiam tratar não permitiam a presença de um estranho entre eles.
     - Ah fiote, solta logo o Brutus encima do cara e resolve logo o problema. – Renzo tem o dom de fazer rir qualquer pessoa mesmo em situações complicadas como aquela.
     Cibele volta para dentro da casa com as devidas explicações.
     - Olha gente, a Tatiana disse que entende a reação de vocês e pede desculpas pelo clima chato, mas ela só resolveu trazer o amigo dela porque sabe que ele partilha das mesmas idéias que a gente. Ela não tinha o telefone de ninguém pra ligar avisando e disse que quando telefonou em casa ninguém atendeu... Além do mais, segundo eles, a presença dele no grupo será muito útil porque ele é ex-militar e tem acesso a alguns artigos de que precisaremos. O que vocês acham?
     Os três ficam em silêncio, aquela era uma decisão que deveria ser pensada calmamente e  não decidida assim de repente, mas a resposta deveria ser dada naquele momento. Os três se entreolharam como se solicitando a opinião um do outro.
     - Porra, ela podia ter telefonado antes informando da intenção de trazer esse cara né Cibele? Ela decidiu trazer o sujeito de última hora é? Agora com ele aqui na porta da casa do Hanz como vamos dizer não pra ele? – fala Renzo.
     - É verdade Ci, mancada mesmo. Se dissermos que não e o milico sai correndo pra cagüetar a gente. Ela ferrou com a gente porra, agora só dá pra aceitar o cidadão e pagar pra ver. – comenta Paulo nervoso.
     - Calma gente, não é assim também. Vocês chamaram ela porque confiam nela não é verdade? Pois então, se ela chamou o cara é porque ela confia nele, e se ele é ex-militar mesmo vai ser muito útil pro grupo, ou alguém aqui conhece alguma forma de obtermos artigos de que precisaremos para iniciarmos nossas manifestações? Ela não chamaria alguém em quem ela não confiasse.
     Os dois entreolham-se ainda desconfiados.
     - Tudo bem, mas ela devia ter avisado antes, trazer o cara assim de surpresa foi mancada. Por mim tá sossegado, não tem outro jeito mesmo... – fala Paulo.
     - Bom, o que vocês decidirem pra mim tá beleza. É com vocês, se vocês acham que não tem problema por mim tá tudo bem... – opina Renzo.
     - Vamos lá buscar os dois. – fala Hanz fazendo sinal para Cibele.
     Após as devidas apresentações todos em pouco tempo acabam se enturmando, até mesmo Jean que de início parecia pouco a vontade devido ao ocorrido já estava mais sossegado entre eles.
     Tatiana havia chamado a atenção de Hanz devido à sua beleza mas este não cogitava nenhum tipo de atitude especial em relação à ela pois não sabia ainda que tipo de relação a garota mantinha com o amigo que trouxera e também por ela não fazer bem o tipo dele, que preferia o estilo mais “tradicional”, coisa que Tatiana estava bem longe de ser.
     - Algum de vocês se importa se eu fumar? – indagou Jean.
     O pessoal não se importou com isso, com exceção de Renzo, que fez uma ressalva.
     - Por  mim tudo bem, mas se você puder evitar jogar fumaça em mim eu agradeço. – ele não havia simpatizado nada com Jean, isso era evidente.
     - Pode deixar grandão, não vou incomodar você não. – arrematou Jean já apanhando seu maço de cigarros.
     Conversavam animadamente sobre assuntos diversos enquanto aguardavam as pizzas ficarem prontas.
     Pareciam evitar um pouco o assunto que motivou a reunião para não dar um ar tão sério àquela reunião, provavelmente deixariam a conversa para depois do almoço.
     Após a refeição todos foram para a sala, satisfeitos, e agora podiam iniciar a reunião propriamente dita.
     - Olha fiu, não me leva a mal não, mas nunca imaginei que você cozinhasse bem assim... – elogia Renzo.
     - Que é isso meu, nem sei cozinhar não, pizza é uma das poucas coisas que eu faço, eu em casa só como congelados e alimento instantâneo, sou um desastre na cozinha. Vida de solteiro não é fácil não.
     - O Paulo também era assim quando morava sozinho, mas devo te parabenizar Hanz, a pizza estava boa mesmo. – continua Cibele abraçada ao marido.
     Jean, que juntamente com Tatiana completam os lugares do sofá, inicia o tom mais sério da conversa.
     - Olha pessoal, eu sei que vocês pouco me conhecem e isso é recíproco, por isso gostaria de saber um pouco mais sobre vocês porque o que estamos dispostos a iniciar é coisa séria. Não me levem a mal, espero que entendam minha posição.
     - Qual é a sua fiu? Todo mundo aqui se conhece, se tem aqui alguém que devemos conhecer esse alguém é você!! – confronta Renzo irritado com a desconfiança.
     - Sossega Renzo, deixa o cara, acho normal ele querer alguma garantia, afinal, como ele mesmo disse, nosso lance aqui não é brincadeira. Nós já nos conhecemos, ele tem o direito de querer saber um pouco mais sobre a gente e vice e versa. Mas fala aí Jean, o que você quer saber? – intervém Hanz sentado na poltrona próxima à porta.
     - Não me leva a mal Hanz, mas o estilo de vida que você leva não parece dar-lhe motivos para revolta, olha o carro que você tem, a casa... Enfim, não me parece alguém que se preocupe com os assuntos que vocês dizem estarem dispostos a exigir mudanças...
     - Porra fiu, cala essa boca pô!!!! Quem é você pra julgar alguém aqui? A idéia do grupo foi iniciada por nós dois, quer mais o quê? Se não formos de confiança quem aqui é então? – a antipatia que Renzo sentia por ele se acentuava ainda mais.
  Antes que Hanz responda, ele se defende.
     - Calma aí grandão, não estressa rapaz. Não vim aqui pra brigar com ninguém não, apenas quero tirar algumas dúvidas, nada mais que isso. Preciso saber se posso contar com todos aqui até o final, aconteça o que acontecer. Faz algum tempo que procuro pessoas interessadas em mudanças, e graças à Tati estou conhecendo vocês, mas quero apenas saber mais um pouco sobre seus pontos de vista, seus planos, essas coisas... Quero ter a garantia de que todo mundo aqui pretende seguir até o final e não desistir quando aparecer o primeiro aperto entende? Não fiquem pensando que vai ser moleza porque não vai ser não.
     - Olha Jean, concordo com você nisso. No começo todo mundo tinha essas dúvidas, tivemos que conversar muito até decidir fazer essa reunião e iniciar a atividade em questão, só não acho legal você julgar alguém aqui pelo nível de vida. Você acha que só porque o Hanz tem uma vida legal ele não pode se interessar no movimento? Acho que qualquer pessoa com bom senso, independente de ter ou não grana, percebe como as coisas tão erradas no país. O cara não precisa passar fome pra enxergar isso. – argumenta Paulo.
     - É isso aí meu, quem me vê logo pensa que eu seja um playboyzinho babaca como tantos que existem por aí, mas se enganam. A única coisa que herdei do meu pai foi essa casa, tudo o que tenho é fruto do meu trabalho e de alguns segredinhos de computador. Eu me revolto tanto quanto qualquer pessoa aqui, e sempre tive essa ânsia de fazer alguma coisa pra mudar essa situação caótica, agora felizmente encontrei pessoas com essa mesma disposição e espero poder contar com todos igualmente para trabalhar nisso.
     Renzo, que desconhecia esse último fato, espanta-se com o amigo.
     - Nossa, então temos um hacker no grupo e eu nem sabia!!! Se eu soubesse disso antes teria te pedido uma ajudinha financeira.
     Todos caem na gargalhada, Renzo realmente tem esse poder.
     - O time parece que tá completo então. Um tem os contatos, outro entende de computador e  todos  tem coragem e vontade de mudar as coisas. Não poderia ter um grupo melhor. – fala Tatiana.
     - Olha gente, realmente eu acho que temos tudo para dar certo. Só temos que ter a certeza de que todos que se dispuserem a fazer parte do grupo seguirão firmes até as últimas conseqüências, caso contrário é melhor esquecer a idéia porque com certeza não será nada fácil e os integrantes podem vir a se complicar caso alguma coisa não saia conforme planejado. A confiança entre os membros tem que estar acima de tudo. – completa Cibele.
     Um breve silêncio se faz na sala, parece que todos entendem o quanto o assunto é sério e nenhum deles parece estar disposto a desistir.
     Jean acende mais um cigarro.
     - Tudo bem então, desculpem a ansiedade, é que como não conheço bem o pessoal eu fico com o pé atrás, mas percebo que todos estão realmente dispostos a seguir com isso e fico feliz em integrar um grupo assim unido e de objetivos relevantes. De uma coisa podem ter certeza, podem contar comigo pro que precisarem.
     - Ok Jean, não esperamos nada além disso de você ou de  qualquer outro aqui no grupo. Mas já que todos estão cientes das responsabilidades adquiridas ao ingressar nesse projeto acho que tá na hora de começarmos a planejar o que faremos, quando e como, mas só pra reforçar a união do grupo creio que seja interessante mesmo cada um comentar sobre seus motivos pessoais e sobre suas expectativas em relação às ações do grupo. – finaliza Hanz.
     - Concordo contigo fiote, é hora de colocar a mão na massa. Mas também não vejo mal nenhum nessa apresentação, afinal, apesar da amizade, é importante que a gente conheça isso. Sempre é bom saber o máximo possível sobre as pessoas, principalmente em relação à um assunto assim tão sério. – concorda o grandalhão.
     Cada  um passa então a comentar sobre os motivos que os levaram a interessar-se pela formação de um grupo cujo objetivo é forçar mudanças no panorama nacional.
     Sobre alguns membros já conhecemos seus motivos, então torna-se desnecessário relatar novamente as palavras dessas pessoas, mas sobre Jean e Tatiana não sabemos muita coisa.
     - Como já é do conhecimento de vocês eu sou ex-militar, servi o exército durante cinco anos e devido à um acidente que tive fui obrigado a me aposentar. Hoje vivo dessa aposentadoria, que me permite ter uma vida sossegada em relação à dinheiro e também me dá a oportunidade de acompanhar a seqüência de acontecimentos que vem assolando o país e até mesmo essa cidade que até algum tempo atrás era tranqüila e sossegada. Hoje até cidades interioranas como a nossa estão conhecendo a face nefasta da violência e da corrupção. Uma andorinha só não faz verão, como diz o ditado, e sempre procurei encontrar pessoas dispostas a fazer alguma coisa pela mudança dessa situação, mas dispostas de verdade e não apenas da boca pra fora como tantas que vejo por aí. Tatiana, que conheço já a algum tempo, comentou comigo que haviam planos para a criação de um grupo com esses propósitos, de imediato eu me interessei, e hoje estou aqui. Nunca fui casado e não tenho filhos, de forma que não tenho muito a temer em relação à vida, mas gostaria de fazer alguma coisa pela melhoria dessa situação, sempre tive esse anseio, mas nunca tive a oportunidade.
     Todos ouvem atentamente as palavras de Jean, em seguida, é Tatiana que relata seus motivos particulares.
     - Bom, eu sou solteira e também não tenho filhos. Meus amigos mais próximos conhecem meu passado, sabem que tenho um pai que mora em outro estado e que tive um irmão assassinado anos atrás. Minha revolta se iniciou a partir de então. Os assassinos do meu irmão jamais pagaram pelo crime que cometeram porque os pais deles têm dinheiro. Foi em uma briga num show, os caras se juntaram e agrediram ele com barras de ferro, chutes e socos. Ele ficou internado uma semana por causa dos ferimentos e não resistiu... faleceu. É por isso e também por todas essas coisas erradas que estamos cansados de ver todo dia que eu passei a ter essa vontade de mudar as coisas. Já comento sobre isso com o Jean faz tempo, sobre essa minha vontade, conheço ele fazem anos já. Todos devem pagar pelo que fazem, independente de terem dinheiro ou não. É por isso que aceitei o convite da Cibele... – seus olhos estavam cheios d água, realmente a perda do irmão ainda doía-lhe bastante.
     Fez-se um longo silêncio na sala, todos refletindo sobre suas vidas e sobre o caminho que haviam percorrido em suas vidas até chegarem ali.
     - Como podemos ver, motivos todos tem de sobra pra estar aqui hoje. – comentou Paulo.
     - Pelo que parece os problemas que causam indignação são quase os mesmos em relação à todos nós. Mas com relação à qual deles agiremos inicialmente? Temos que ter um alvo primário, não dá pra abraçar o mundo. – esse comentário de Renzo faz com que cada um argumentasse sobre seu ponto de vista, mas parecia ser difícil chegar num consenso.
     Movimentos em prol da reforma agrária, em prol da melhoria da segurança pública, reformas na previdência, investigações sobre acusações de corrupção no governo, submissão do país em relação à outros de maior poderio econômico... enfim, a gama de assuntos era bem variada e a maioria já tinha quem se destinasse a lutar por esses ideais, mas infelizmente a maneira como o faziam não estavam dando resultado satisfatório. Alguns grupos estavam metendo os pés pelas mãos, manipulados por forças que distorciam os objetivos primordiais desses grupos.
     - Seja qual for o alvo inicial de nossas manifestações, gostaria que soubessem que já tenho um plano elaborado, embora ele necessite de inúmeros acertos e que os detalhes ainda sejam estudados com calma, gostaria que o conhecessem.
     - Que bom Hanz, mas antes de mais nada acho que devemos elaborar nossas ações com o máximo de cuidado para que ninguém se machuque, isso jogaria a opinião pública contra nós. Devemos conseguir exatamente o contrário, devemos ter o apoio do povo. – comenta Paulo.
     - Além de não fazer parte de nossos planos matar pessoas inocentes, esse ponto é indiscutível no grupo, é bom que todos saibam disso. Nada de mortes. – reforça Renzo.
     Todos concordam com essa idéia.
     - Mas não tem como ter uma total garantia de que nenhuma pessoa vai se machucar, ou tem? – indaga Tatiana.
     - Cem por cento infelizmente não Tatiana, mas o risco de acontecer algum acidente tem que ser minimizado. Só participo do grupo se todos estiverem de acordo com isso. – responde Hanz olhando dentro de seus olhos.
     Há uma breve troca de olhares entre eles,e por um momento Hanz sente algo diferente. Infelizmente a garota desvia seu olhar para Jean, que prossegue com a conversa em meio à baforadas em seu cigarro. Isso faz com que esse sentimento desapareça.
     - Ok então, isso está mais que aprovado, mas qual o plano afinal Hanz?
     - Creio que a melhor maneira é a seguinte: enviamos algum tipo de correspondência à imprensa e às autoridades de forma que ela chegue à seus destinos logo após a ação ser efetivada. Carta, e-mail, algo do tipo. O ataque se daria de maneira sincronizada em vários pontos para que o risco de sermos pegos seja anulado. Um ataque simultâneo em diversos pontos deixaria a polícia desnorteada, o que nos ajudaria. A ação seria feita com algum tipo de artefato caseiro, apenas para assustar mesmo, creio que seria o suficiente, ainda mais que não dispomos de nada mais moderno no momento...
     - Sim, é uma idéia interessante, mas pra que a correspondência? – indaga Cibele.
     - Para justificarmos as ações e dar maior ênfase aos nossos atos. Nelas explicaremos os motivos de nossa revolta, os motivos das ações. Sem que a população saiba disso não há porquê agirmos. – responde Hanz.
     - É, senão ninguém vai saber pelo quê a gente tá se manifestando. – reforça Renzo.
     - É um plano bom, mas pra que usarmos artefatos caseiros se o Jean pode conseguir um material bem melhor? Sem contar que fazer  as bombas seria bem mais demorado e perigoso. O Jean pode conseguir o que precisamos – acrescenta Tatiana.
     - Nisso eu sou obrigado a concordar. Mas eu acho que quanto menor for o risco de descobrirem a gente é melhor, isso é óbvio. – acrescenta Renzo.
     - Isso eu sei Tatiana, mas quando elaborei o plano não tinha em mente que teria alguém no grupo que seria capaz de conseguir esse material pra gente, mas já que agora há essa possibilidade, melhor ainda.
     - Não apenas posso conseguir como até já tenho alguma coisa comigo. É como se eu sempre soubesse que algum dia as usaria, e essas serão por minha conta, será minha colaboração ao grupo. Caso no futuro haja a necessidade de conseguirmos mais daí é só conseguir a verba que eu providencio o restante. Creio que com esses seus truques no computador isso não seja difícil Hanz. – declara Jean.
     - A coisa não é assim tão simples, envolve alguns riscos, mas se realmente for necessário eu dou um jeito nisso. Alguém aceita um suco, uma água ou um refrigerante? – oferece o dono da casa.
     Logo Hanz retorna com algumas latas de refrigerante e as distribui entre o grupo.
     - Hanz, confesso estar impressionado com todos vocês, a união de vocês é surpreendente. Jamais alguém poderá desconfiar de alguma coisa, pois são todos pessoas simples, sem antecedentes que deixem rastros... mas gostaria de comentar esse plano que você fez. – elogia Jean.
     - Claro meu, pode falar, aqui todos somos iguais, ninguém é dono da verdade. Tudo será feito após a aprovação de todos, pode falar.
     - Ótimo. Pois bem, provavelmente os alvos das ações serão prédios com alguma notoriedade, a prefeitura e lugares do tipo, só que esses lugares possuem um sistema de vigilância mais reforçado. Então acho que seria prudente, num primeiro momento, que poucos instantes antes desses alvos serem atacados, um alvo simples, distante dos locais principais, fosse atingido. Dessa forma, com todas as atenções voltadas à esse primeiro alvo, os alvos principais estariam mais desprotegidos, o que acham?
     Uma pausa para reflexão e Paulo continua.
     - Entendi, vamos desviar a atenção da polícia para que os alvos principais, que são mais protegidos, fiquem mais vulneráveis à nossa ação.
     - Exatamente, enquanto eles correm para averiguar o primeiro alvo, atacamos os outros, que com certeza terão uma repercussão maior, serão alvos mais importantes, que abalarão mais a opinião de todos, os verdadeiros alvos no caso. – finaliza Jean.
     - Muito bom, e aqui no interior, como nunca acontece nada desse tipo, a polícia com certeza ficará sem saber o que fazer e até se organizarem já estaremos em segurança, bem longe.  – fala Tatiana.
     Todos concordam com o plano embora tenham um olhar apreensivo no rosto.
     - Mas devemos ter um sistema de comunicação seguro e o sincronismo tem que ser perfeito. – fala Cibele.
     - Isso é o de menos, todos possuímos celulares, que são mais seguros que comunicadores pois não podem ter sua freqüência interceptada. E quanto à sincronia é só utilizarmos relógios sincronizados, isso é o de menos, não tem mistério. Com isso não precisamos nos preocupar. – fala Hanz.
     - Até aí tudo bem, mas e a correspondência? Pelo correio não dá porque elas devem chegar aos endereços na hora certa e desse jeito não tem como isso acontecer e por e-mail podem identificar seu IP e chegarem até você. – Tatiana parece pensar em tudo.
     - Quanto à isso também não há problema, eu já tinha pensado nisso. Eu envio e-mails mesmo,  crio um endereço de e-mail gratuito com dados falsos, coisa mais do que simples, e quanto ao meu IP, eu possuo um programinha desenvolvido por um colega meu da capital que mascara o número. Eles jamais chegarão até o remetente da correspondência, sem contar que o envio pode ser programado de forma que chegará aos destinatários no horário escolhido. Quanto à isso não se preocupem, eu sei como fazer.
     Todos ficam impressionados pela forma como Hanz já tinha tudo devidamente planejado em relação ao seu plano, ele demonstra uma segurança invejável quanto à computadores.
     - Quanto à isso parece que está tudo certo, mas a questão é: daremos início às nossas ações baseados em qual conceito? Vamos agir em prol da preservação do mico rosado com traseiro violeta do sul de Madagascar? – indaga Cibele, rindo.
     - Boa Ci, gostei dessa!!!! - Renzo não se agüenta e acaba caindo na gargalhada também. Os demais dão um sorriso, mas se esforçam para manter a seriedade da reunião.
     - É só a gente conversar, são vários os parâmetros a serem abordados, mas não dá pra abraçarmos todos de uma vez só. – fala Paulo.
     O grupo inicia então a exposição de seus argumentos em relação ao assunto, a diversidade de aspectos é grande e após quase meia-hora de conversa acabam chegando a um denominador comum.
     - É pessoa, realmente tem muita coisa errada nesse país e parece que tudo está interligado, uma coisa leva à outra, mas temos que ter um ponto de partida. Cada um será abordado ao seu tempo, mas conforme decidimos o ponto de partida será a submissão do país em relação ao poder estrangeiro, que acaba repercutindo no governo, nas leis e na vida do país em geral. E sobretudo esse é um tema que, ao ser atacado, desagradará somente os governantes do país e não abrirá portas para que a população se volte contra nós, desde que tudo seja feito conforme o combinado, sem mortes. Ao meu ver, esse ponto é que dá início à todos os demais, não sei se todos concordam com isso.
     - Estou de acordo Hanz, se tivermos a opinião pública do nosso lado já teremos muitos pontos ao nosso favor. Com o tempo iremos abordando outros temas. Vamos devagar, uma coisa de cada vez. – concorda Jean.
     - É isso aí fiote, vamos lutar pela independência econômica e cultural do nosso país!! – exclama Renzo um tanto revolucionário como se Che Guevara tivesse encarnado nele naquele instante.
     - Os gringos querem fazer da América Latina uma colônia deles, querem submeter não só nosso país como todo o planeta às leis deles. Se os outros países não estufam o peito e os encaram de frente o problema é deles, vamos mostrar que no nosso país quem manda somos nós, o povo. – afirma Paulo.
     - O governo que elegemos sempre dizia ser rebelde à esse autoritarismo e no entanto não demonstra isso em suas atitudes. Temos que mostrar que nosso país tem poder e que não nos sujeitaremos à suas imposições e nem concordamos com essa atitude submissa do presidente. – acrescenta Cibele.
     - Eles me dão nojo, saem pelo mundo afora atacando e invadindo outros países falando mentiras encima de mentiras só com o intuito de tomarem a riqueza deles. Eles se acham os donos da verdade e ninguém toma a frente pra encará-los, todos baixam a cabeça... – finaliza Tatiana.
     O grupo estava formado, já tinha suas diretrizes e seus planos de ação estipulados, só faltava agora tudo ser colocado em prática.
     Estavam eles certos ao decidirem fazer isso? Essa pergunta deveria ser feita à todos aqueles que tiveram parentes mortos e não viam a justiça ser feita, ou às vítimas da miséria que viam filhos seus morrerem doentes ou famintos diante de governantes preocupados somente em fazer crescer o valor da sua conta bancária.
     Não havia dúvida que o medo estava presente em todos do grupo, mas esse medo haveria de ser vencido para que pudessem colocar em prática tudo aquilo que estavam planejando.
     Como já fora conversado, ninguém se machucaria, as ações do grupo teriam o objetivo de chamar a atenção das autoridades, nada além disso.
     Mesmo todos, com exceção de Jean, serem civis comuns, concordavam que estava na hora de dar um basta à situação caótica em que o país estava mergulhado, e agora que haviam se conhecido poderiam fazer alguma coisa para mudar tudo isso.
     Ausência de medo é burrice, o verdadeiro corajoso é aquele que vence o medo.

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