Madrugada de
quarta-feira, duas e cinqüenta.
Um
grande carro negro estaciona calmamente naquela rua deserta e dele sai um rapaz
que se desloca sorrateiramente pelas sombras das inúmeras árvores pelo caminho.
Em sua mão, uma sacola de supermercado. Ele nervosamente verifica as horas e
aperta um pouco o passo até atingir uma esquina de onde pode ver uma arborizada
praça, um lago e um prédio em seu centro.
Nada
se ouvia além dos latidos de cães ao longe, fato normal naquele horário para
aquela cidade cujos habitantes dormiam cedo.
Ao
longe a sirene dos bombeiros indicava que algo incomum acontecia.
Ele
transpirava, consultava o relógio, seu nervosismo era evidente, as sirenes
indicavam que a ação já havia começado e que logo seria sua vez de agir.
Deveria aguardar afinal não eram três horas ainda, o horário combinado.
As
luzes dos giroflex da viatura que estava estacionada do outro lado da praça se
acenderam e ela partiu velozmente ligando também sua sirene. Tudo corria
conforme o previsto, o local agora tinha sua segurança enfraquecida.
Forçou
a vista à procura de mais alguma viatura que pudesse estar estacionada por ali,
não encontrou nenhuma, faltava somente um minuto para a hora marcada.
Retirou
as duas granadas da inocente sacola, que dispensou de imediato, e subiu
rapidamente pela lateral da praça escura, as árvores prejudicavam a iluminação
do local, tudo corria perfeitamente, ele podia deslocar-se tranqüilamente na
escuridão.
Seu
alvo era a entrada principal do prédio escuro.
Paredes
do piso térreo construídas em vidro, ele tomava cuidado para que nenhum vigia
em seu interior pudesse vê-lo. O estrago seria razoável, vidro... tudo seria
feito em pedaços.
Esgueirando-se
pelas pilastras pôde perceber um vigia sentado no interior do prédio... três
horas, era chegado o momento esperado.
“Um
vigia de uma cidade do interior dificilmente sairia do prédio em busca de
meliantes ao ver-se atacado por explosivos” – raciocinou o rapaz já puxando o
pino do primeiro artefato. “Com certeza ele se borrará de medo, e até a polícia
voltar até aqui já estarei longe...”
Arremessou
a primeira ao longe, no outro extremo do prédio, pode ouvir o som metálico dela
rolando pelo piso e imediatamente lançou a segunda, não tão longe dessa vez,
bem no meio da enorme parede de vidro.
Apavorado,
correu antes mesmo de ouvir a primeira explosão mas pelo estrondo que pôde ouvir a potência era
bem maior do que imaginava.
Logo
em seguida, o segundo estrondo fez-se ouvir, mas ele já corria longe.
As
explosões, os vidros se espatifando e enfim o alarme de incêndio soando cada
vez mais distantes faziam com que ele corresse amais e mais, bem mais do que
imaginava ser capaz de correr.
Seu
peito estava em brasa, suas pernas pareciam mais leves, como que se estivessem
dormentes, rapidamente chegaria ao seu
carro, não o refúgio final, mas o que lhe permitiria sumir dali antes que toda
a vizinhança saísse para a rua por causa da confusão provocada por ele, e o
pior, antes que a polícia cercasse o local.
Finalmente
alcançou seu carro, seu corpo tremia com a descarga de adrenalina, tinha que
sair dali o quanto antes e finalmente partiu para sua casa controlando-se para
não correr demais pois isso atrairia a atenção de alguém com quem ele pudesse
cruzar pelo caminho.
O
coração parecia estar prestes a sair pela boca, o celular tocou, era Renzo.
-
Tudo sob controle por aí fiote?
-
Meu, na hora de planejar é muito mais simples, tô até zonzo de nervoso.
-
Sossega fiote, quando a adrenalina baixar isso passa. Correu tudo conforme
previsto?
- Por
enquanto sim, só terei certeza quando chegar em casa. Não imaginei que os
produtos fossem tão fortes, o estrago foi enorme, até eu me assustei.
-
Verdade fiu, o Jean caprichou mesmo, eu me impressionei também. Por aqui tá a
maior confusão de sirenes, os caras devem estar sem saber o que fazer. Imagino
a cara dos vigias, devem ter se borrado todos...
-
Aqui chegando em casa tá calmo, só ouvi sirene por causa da ação da Tati no
primeiro alvo. Tinha uma viatura de campana próximo ao prédio, mas assim que
ouvi as sirenes das viaturas distantes elas saíram do local, foi o que me
ajudou na ação, com eles por ali não daria pra eu agir. Mas deu tudo certo, tô
quase em casa já, tudo saiu conforme combinado.
-
Ótimo fiu, no meu nem tinha polícia, só os vigias de sempre, só esperei dar o
horário e mandei ver. Mas tá beleza então fiote, amanhã a gente se vê, até lá
saberemos qual a repercussão disso tudo. O difícil vai ser dormir com essa
adrenalina a mil.
- É
verdade, mas preciso dormir porque amanhã é dia de trabalho ainda. Mas preciso
tentar, não vai ser fácil não. Tô chegando em casa meu, amanhã nos falamos, até
lá.
Aquela
noite ficaria marcada na vida daquele grupo de amigos. Tudo o que desejavam
eram mudanças, não somente para eles, mas para todo o povo daquele país.
Um
misto de excitação, medo e ansiedade tomava conta de suas almas, jamais
imaginariam realizar algo como o que ocorrera e ao lembrarem-se daquilo tudo o
coração ainda disparava como se estivesse acontecendo novamente.
Talvez
com o tempo viessem a se acostumar com aquilo tudo, mas no fundo não pretendiam
repetir aquilo até chegar a esse ponto, o de se acostumarem com aquele tipo de
atitude.
Esperavam
que no máximo com apenas mais uma ação como aquela os governantes dessem-lhes
ouvidos e realizassem as modificações que exigiam ou ainda que a população se
conscientizasse e passasse a realizar manifestações mais pacíficas em nome das
causas do grupo.
Mas
no fundo não sabiam até que ponto chegariam pois uma vez iniciadas aquelas
ações desistir delas sem terem atingido o objetivo esperado as tornaria uma
perda de tempo, deveriam ir até o fim.
Era
pouco provável que os destinatários já tivessem lido os e-mails enviados por
Hanz e só o fariam na manhã seguinte de forma que as justificativas para as
ações realizadas ainda eram desconhecidas pelas autoridades e órgãos de
imprensa.
Os
motivos estavam explicitamente declarados na mensagem enviada:
<<
BRASIL PARA OS BRASILEIROS, HOJE E SEMPRE.
SE O GOVERNO NO QUAL DEPOSITAMOS NOSSA
CONFIANÇA E NOSSA ESPERANÇA CURVA-SE DIANTE DO PODER IMPERIALISTA DO CAPITAL
ESTRANGEIRO, NOSSAS AÇÕES TRAZEM À TONA A INSATISFAÇÃO DO POVO DIANTE DESSE
COMPORTAMENTO.
QUANDO
O PODER DA VIOLÊNCIA SE SOBREPÕE AO PODER DO VOTO, DELE FAREMOS USO PARA QUE
NOSSOS GOVERNANTES PASSEM A AGIR CONFORME OS INTERESSES DA NAÇÃO E NÃO DE
ACORDO COM INTERESSES PARTICULARES.
ESSE
É APENAS O INÍCIO POIS ENQUANTO NOS MANTIVEMOS PACÍFICOS ESPERANDO A MELHORIA
DA SITUAÇÃO NADA FOI FEITO. OU NOSSAS SOLICITAÇÕES SÃO ATENDIDAS OU OS ATAQUES
CONTINUARÃO ATÉ QUE SEJAMOS OUVIDOS.
DESEJAMOS
NÃO SOMENTE PÃO, MAS DIGNIDADE PARA O NOSSO POVO. >>
A
expectativa agora era sobre de que forma a mídia abordaria a declaração e os
acontecimentos e, conseqüentemente, como a população e as autoridades reagiriam
do ocorrido.
Quem
aparentava mais calma dentre todos do grupo era Jean, provavelmente devido às
suas experiências anteriores como militar, o rapaz de vinte e nove anos nem se
abalara com o ataque feito por ele à Câmara de Vereadores da cidade.
Os
alvos daquela noite haviam sido estrategicamente escolhidos: Tatiana explodira
um posto de gasolina em um bairro afastado, era o primeiro alvo, destinado à
distrair a polícia, como dispunha de sua moto, a fuga fora mais fácil; cinco
minutos depois foi a vez de Hanz, que atingiu a Prefeitura da cidade, Renzo
atacara a sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Paulo a central da
principal emissora de televisão da região.
Quem
poderia imaginar que um ataque daquela proporção pudesse ocorrer numa cidade
como aquela? A polícia despreparada não sabia como agir, o corpo de bombeiros
não dava conta de controlar o incêndio de alguns alvos e a população estava
apavorada com tudo aquilo.
Jamais
ocorrera algo semelhante nas últimas décadas naquele país e o trauma que todo o
planeta vivia devido às ações de grupos terroristas internacionais que
ocorreram recentemente faziam a imaginação da nação fervilhar de idéias
sangrentas e fantasiosas.
Mas
não tratavam-se de loucos, ao menos eles julgavam-se normais. Eram apenas
pessoas fartas de esperarem mandato após mandato dos governantes para que a situação
do país melhorasse e suas expectativas não fossem atingidas.
Eram
jovens que mesmo não passando por necessidades graves em suas vidas eram
solidários para com aqueles que encontravam-se em situação pior ao ponto de
arriscarem-se na tentativa de ver um país melhor, mais justo e mais harmônico.
Foi
difícil, para todos eles, pegarem no sono naquela noite.
A
adrenalina corria forte por suas veias, impedindo que seus corpos relaxassem
para o devido descanso.
Talvez
numa segunda oportunidade, quando estivessem mais familiarizados com a
situação, eles pudessem estar mais tranqüilos e relaxarem mais facilmente.
Com
certeza o mais tranqüilo entre todos era Jean, que por causa do seu passado
como militar, situações como aquela já não lhe causassem o mesmo impacto que
para os demais, mas mesmo assim, também para ele o sono foi algo difícil de
encontrar naquela noite.
A
ação do grupo parecia ter sido um sucesso pois eles levavam em conta que
ninguém fora preso, os alvos haviam sido atingidos e nenhuma morte havia
ocorrido, ou seja, todos os objetivos almejados haviam sido atingidos
plenamente segundo eles.
O dia
seguinte mostraria que as coisas não eram bem assim.
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