quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Capítulo XIV



    Madrugada de quarta-feira, duas e cinqüenta.
     Um grande carro negro estaciona calmamente naquela rua deserta e dele sai um rapaz que se desloca sorrateiramente pelas sombras das inúmeras árvores pelo caminho. Em sua mão, uma sacola de supermercado. Ele nervosamente verifica as horas e aperta um pouco o passo até atingir uma esquina de onde pode ver uma arborizada praça, um lago e um prédio em seu centro.
     Nada se ouvia além dos latidos de cães ao longe, fato normal naquele horário para aquela cidade cujos habitantes dormiam cedo.
     Ao longe a sirene dos bombeiros indicava que algo incomum acontecia.
     Ele transpirava, consultava o relógio, seu nervosismo era evidente, as sirenes indicavam que a ação já havia começado e que logo seria sua vez de agir. Deveria aguardar afinal não eram três horas ainda, o horário combinado.
     As luzes dos giroflex da viatura que estava estacionada do outro lado da praça se acenderam e ela partiu velozmente ligando também sua sirene. Tudo corria conforme o previsto, o local agora tinha sua segurança enfraquecida.
     Forçou a vista à procura de mais alguma viatura que pudesse estar estacionada por ali, não encontrou nenhuma, faltava somente um minuto para a hora marcada.
     Retirou as duas granadas da inocente sacola, que dispensou de imediato, e subiu rapidamente pela lateral da praça escura, as árvores prejudicavam a iluminação do local, tudo corria perfeitamente, ele podia deslocar-se tranqüilamente na escuridão.
     Seu alvo era a entrada principal do prédio escuro.
     Paredes do piso térreo construídas em vidro, ele tomava cuidado para que nenhum vigia em seu interior pudesse vê-lo. O estrago seria razoável, vidro... tudo seria feito em pedaços.
     Esgueirando-se pelas pilastras pôde perceber um vigia sentado no interior do prédio... três horas, era chegado o momento esperado.
     “Um vigia de uma cidade do interior dificilmente sairia do prédio em busca de meliantes ao ver-se atacado por explosivos” – raciocinou o rapaz já puxando o pino do primeiro artefato. “Com certeza ele se borrará de medo, e até a polícia voltar até aqui já estarei longe...”
     Arremessou a primeira ao longe, no outro extremo do prédio, pode ouvir o som metálico dela rolando pelo piso e imediatamente lançou a segunda, não tão longe dessa vez, bem no meio da enorme parede de vidro.
     Apavorado, correu antes mesmo de ouvir a primeira explosão mas  pelo estrondo que pôde ouvir a potência era bem maior do que imaginava.
     Logo em seguida, o segundo estrondo fez-se ouvir, mas ele já corria longe.
     As explosões, os vidros se espatifando e enfim o alarme de incêndio soando cada vez mais distantes faziam com que ele corresse amais e mais, bem mais do que imaginava ser capaz de correr.
     Seu peito estava em brasa, suas pernas pareciam mais leves, como que se estivessem dormentes,  rapidamente chegaria ao seu carro, não o refúgio final, mas o que lhe permitiria sumir dali antes que toda a vizinhança saísse para a rua por causa da confusão provocada por ele, e o pior, antes que a polícia cercasse o local.
     Finalmente alcançou seu carro, seu corpo tremia com a descarga de adrenalina, tinha que sair dali o quanto antes e finalmente partiu para sua casa controlando-se para não correr demais pois isso atrairia a atenção de alguém com quem ele pudesse cruzar pelo caminho.
     O coração parecia estar prestes a sair pela boca, o celular tocou, era Renzo.
     - Tudo sob controle por aí fiote?
     - Meu, na hora de planejar é muito mais simples, tô até zonzo de nervoso.
     - Sossega fiote, quando a adrenalina baixar isso passa. Correu tudo conforme previsto?
     - Por enquanto sim, só terei certeza quando chegar em casa. Não imaginei que os produtos fossem tão fortes, o estrago foi enorme, até eu me assustei.
     - Verdade fiu, o Jean caprichou mesmo, eu me impressionei também. Por aqui tá a maior confusão de sirenes, os caras devem estar sem saber o que fazer. Imagino a cara dos vigias, devem ter se borrado todos...
     - Aqui chegando em casa tá calmo, só ouvi sirene por causa da ação da Tati no primeiro alvo. Tinha uma viatura de campana próximo ao prédio, mas assim que ouvi as sirenes das viaturas distantes elas saíram do local, foi o que me ajudou na ação, com eles por ali não daria pra eu agir. Mas deu tudo certo, tô quase em casa já, tudo saiu conforme combinado.
     - Ótimo fiu, no meu nem tinha polícia, só os vigias de sempre, só esperei dar o horário e mandei ver. Mas tá beleza então fiote, amanhã a gente se vê, até lá saberemos qual a repercussão disso tudo. O difícil vai ser dormir com essa adrenalina a mil.
     - É verdade, mas preciso dormir porque amanhã é dia de trabalho ainda. Mas preciso tentar, não vai ser fácil não. Tô chegando em casa meu, amanhã nos falamos, até lá.
     Aquela noite ficaria marcada na vida daquele grupo de amigos. Tudo o que desejavam eram mudanças, não somente para eles, mas para todo o povo daquele país.
     Um misto de excitação, medo e ansiedade tomava conta de suas almas, jamais imaginariam realizar algo como o que ocorrera e ao lembrarem-se daquilo tudo o coração ainda disparava como se estivesse acontecendo novamente.
     Talvez com o tempo viessem a se acostumar com aquilo tudo, mas no fundo não pretendiam repetir aquilo até chegar a esse ponto, o de se acostumarem com aquele tipo de atitude.
     Esperavam que no máximo com apenas mais uma ação como aquela os governantes dessem-lhes ouvidos e realizassem as modificações que exigiam ou ainda que a população se conscientizasse e passasse a realizar manifestações mais pacíficas em nome das causas do grupo.
     Mas no fundo não sabiam até que ponto chegariam pois uma vez iniciadas aquelas ações desistir delas sem terem atingido o objetivo esperado as tornaria uma perda de tempo, deveriam ir até o fim.
     Era pouco provável que os destinatários já tivessem lido os e-mails enviados por Hanz e só o fariam na manhã seguinte de forma que as justificativas para as ações realizadas ainda eram desconhecidas pelas autoridades e órgãos de imprensa.
     Os motivos estavam explicitamente declarados na mensagem enviada:
     << BRASIL PARA OS BRASILEIROS, HOJE E SEMPRE.
       SE O GOVERNO NO QUAL DEPOSITAMOS NOSSA CONFIANÇA E NOSSA ESPERANÇA CURVA-SE DIANTE DO PODER IMPERIALISTA DO CAPITAL ESTRANGEIRO, NOSSAS AÇÕES TRAZEM À TONA A INSATISFAÇÃO DO POVO DIANTE DESSE COMPORTAMENTO.
                 QUANDO O PODER DA VIOLÊNCIA SE SOBREPÕE AO PODER DO VOTO, DELE FAREMOS USO PARA QUE NOSSOS GOVERNANTES PASSEM A AGIR CONFORME OS INTERESSES DA NAÇÃO E NÃO DE ACORDO COM INTERESSES PARTICULARES.
                 ESSE É APENAS O INÍCIO POIS ENQUANTO NOS MANTIVEMOS PACÍFICOS ESPERANDO A MELHORIA DA SITUAÇÃO NADA FOI FEITO. OU NOSSAS SOLICITAÇÕES SÃO ATENDIDAS OU OS ATAQUES CONTINUARÃO ATÉ QUE SEJAMOS OUVIDOS.
                 DESEJAMOS NÃO SOMENTE PÃO, MAS DIGNIDADE PARA O NOSSO POVO. >>
     A expectativa agora era sobre de que forma a mídia abordaria a declaração e os acontecimentos e, conseqüentemente, como a população e as autoridades reagiriam do ocorrido.
     Quem aparentava mais calma dentre todos do grupo era Jean, provavelmente devido às suas experiências anteriores como militar, o rapaz de vinte e nove anos nem se abalara com o ataque feito por ele à Câmara de Vereadores da cidade.
     Os alvos daquela noite haviam sido estrategicamente escolhidos: Tatiana explodira um posto de gasolina em um bairro afastado, era o primeiro alvo, destinado à distrair a polícia, como dispunha de sua moto, a fuga fora mais fácil; cinco minutos depois foi a vez de Hanz, que atingiu a Prefeitura da cidade, Renzo atacara a sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Paulo a central da principal emissora de televisão da região.
     Quem poderia imaginar que um ataque daquela proporção pudesse ocorrer numa cidade como aquela? A polícia despreparada não sabia como agir, o corpo de bombeiros não dava conta de controlar o incêndio de alguns alvos e a população estava apavorada com tudo aquilo.
     Jamais ocorrera algo semelhante nas últimas décadas naquele país e o trauma que todo o planeta vivia devido às ações de grupos terroristas internacionais que ocorreram recentemente faziam a imaginação da nação fervilhar de idéias sangrentas e fantasiosas.
     Mas não tratavam-se de loucos, ao menos eles julgavam-se normais. Eram apenas pessoas fartas de esperarem mandato após mandato dos governantes para que a situação do país melhorasse e suas expectativas não fossem atingidas.
     Eram jovens que mesmo não passando por necessidades graves em suas vidas eram solidários para com aqueles que encontravam-se em situação pior ao ponto de arriscarem-se na tentativa de ver um país melhor, mais justo e mais harmônico.
     Foi difícil, para todos eles, pegarem no sono naquela noite.
     A adrenalina corria forte por suas veias, impedindo que seus corpos relaxassem para o devido descanso.
     Talvez numa segunda oportunidade, quando estivessem mais familiarizados com a situação, eles pudessem estar mais tranqüilos e relaxarem mais facilmente.
     Com certeza o mais tranqüilo entre todos era Jean, que por causa do seu passado como militar, situações como aquela já não lhe causassem o mesmo impacto que para os demais, mas mesmo assim, também para ele o sono foi algo difícil de encontrar naquela noite.
     A ação do grupo parecia ter sido um sucesso pois eles levavam em conta que ninguém fora preso, os alvos haviam sido atingidos e nenhuma morte havia ocorrido, ou seja, todos os objetivos almejados haviam sido atingidos plenamente segundo eles.
     O dia seguinte mostraria que as coisas não eram bem assim.

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