quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Capítulo XV



   Todos estavam reunidos naquela noite, mas o sentimento de realização de outrora já não era mais encontrado entre eles, ao contrário, uma terrível ira reinava.
   - Eu não me conformo com isso meu, não me conformo!!! – dizia Hanz visivelmente frustrado.
     - Fiu, o que não dá pra se conformar é em como o povo é capaz de acreditar nas coisas que a imprensa inventa, como acreditam nessas histórias absurdas que eles inventam para encobrir o óbvio!!!! – manifestava-se Renzo.
     - Olha gente, é triste dizer isso mas às vezes sou obrigado a achar que o povo merece o governo que tem, merece o tipo de vida que leva... o povo ou é inocente ou é muito burro!!!! – inconformava-se Tatiana.
     As exclamações indicavam que algo não corria conforme o planejado e a revolta com aquela situação estava presente em todo o grupo, sem exceção.
     A revolta devia-se a como a imprensa noticiara as ações da noite anterior, ela declara que as explosões haviam sido provocadas por um problema na tubulação de gás ignorando por completo o e-mail enviado por Hanz.
     Era óbvio que muitos estranharam o fato, a desculpa pouco convencia, mas que explicação podia haver para a série de acontecimentos? Na falta de algo mais lógico e convincente a população acreditava na versão apresentada.
     Mas a verdade não era desconhecida, as autoridades e a imprensa conheciam a verdade dos acontecimentos, e pelo menos esses últimos, tão comprometidos com a verdade e a transparência, deveriam expor a verdade, e era isso o que mais revoltava o grupo de amigos.
     - Eu pergunto pra vocês: quantos outros acontecimentos semelhantes não foram encobertos até hoje? Essa maldita imprensa que esbraveja sua imparcialidade e transparência acaba de nos dar a mais concreta prova do quanto ela é manipuladora e mentirosa!!! – relata Cibele.
     - Isso é uma piada, isso sim!!! Lembram do caso de Varginha? Vocês acreditaram naquelas histórias descabidas que foram atribuídas àquela sucessão de fatos? Mais do que nunca vejo hoje que a população é enganada descaradamente, a imprensa é manipulada pelo governo e só deixa de fazê-lo quando é em seu próprio benefício, caso contrário plantam histórias absurdas para encobrir a verdade. – prossegue Paulo, visivelmente transtornado.
     Jean mal falava, praticamente mudo, seu semblante denunciava a ira que queimava dentro de si, assim como a quantidade de cigarros que já havia fumado.
     - Mas isso não é privilégio do nosso país, o problema é mundial, por mais democrata que seja a nação quando o assunto envolve uma questão de segurança nacional as informações levadas à público nunca são legítimas. – argumenta Tatiana.
     Um silêncio angustiante fez-se presente na sala. Era como se todo o risco que correram na última madrugada tivesse sido em vão, mas agora, mais do que antes, o grupo estava disposto a lutar por sua causa.
     - Na próxima ocasião enviarei os e-mails também para pessoas comuns, inúmeras, vou arrumar vários endereços, não enviarei só para o governo e imprensa, quero ver a verdade ser encoberta... – planejava Hanz.
     - Erramos em confiar na maldita imprensa, erramos feio. Mas como podíamos imaginar que ela se calaria? – lamentou Jean.
     - E caso a imprensa tente esconder a verdade a revolta do povo será também contra ela, que sabendo da verdade, questionará a imparcialidade e transparência que ela sempre alegou ter. O tiro sairá pela culatra, a própria imprensa será desacreditada pelo povo. Eles podem tentar esconder dessa vez, mas não poderão esconder sempre. – ressaltou Cibele.
     - O plano será mais abrangente ainda, duvido que o povo não fique do nosso lado, eles passarão a confiar somente na gente, a imprensa e o governo serão postos em xeque. Eles mesmos estão nos dando armas, são umas bestas. Hanz, inclua isso no próximo e-mail, dê uma lida e veja o que acha. – disse Jean entregando-lhe um papel.
     Todos ficaram curiosos, Hanz leu em voz alta.
     << MENTIRAS DESAGRADAM A NÓS E À TODA A NAÇÃO DO PAÍS. QUEM ESTÁ CONTRA A VERDADE É TAMBÉM CONTRÁRIO AOS INTERESSES DO POVO E AOS NOSSOS INTERESSES. QUE NOSSA ATITUDE MOSTRE QUE NÃO ESTAMOS BRINCANDO E ISSO É SOMENTE O INÍCIO. LEVEM AO CONHECIMENTO COLETIVO NOSSA PRIMEIRA DECLARAÇÃO OU SOFRERÃO AS CONSEQÜÊNCIAS. >>
     Ao término da leitura todos entreolharam-se.
     - Envie essa mensagem daqui a pouco Hanz, atacarei a emissora de rádio dessa emissorazinha nojenta que engana o povo, a ocorrência se dará agora à uma da manhã. – continuou friamente Jean.
     A idéia pareceu não agradar os demais.
     - Não meu, pode parar com isso, ninguém vai fazer nada. A cidade toda tá entupida de polícia por todos os lados, como você acha que dá pra fazer alguma coisa assim? Esqueça isso meu, é loucura. As coisas não podem ser feitas assim. – Hanz fica de pé para devolver-lhe o papel.
     - Vai me desculpar cara, mas a decisão não pertence somente à você. O grupo decide, não temos líder aqui, você mesmo disse isso. Vamos fazer uma votação.
     Hanz fica irritado com a atitude, pois apesar de jamais ter declarado isso, considerava-se como líder do grupo, nunca tivera decisão alguma posta em cheque daquela maneira.
     Uma coisa realmente era verdade, após os ataques da madrugada anterior a cidade havia sido tomada por policiais. Batalhões de cidades próximas haviam sido deslocadas para lá na tentativa de encontrar os responsáveis pelas agressões.
     - Não é questão de ser ou não líder Jean, é questão de que as ações devem ser bem calculadas para que não seja colocada em jogo a credibilidade e principalmente a segurança do grupo. Não é prudente agir assim por impulso, tem polícia por todos os lados, você sabe muito bem disso. Como poderá fazer alguma coisa?
     - Concordo com você, mas quem poderá imaginar que no dia seguinte aos ataques possa ocorrer um outro em seguida? Estaremos novamente pegando-os de surpresa, eles estão totalmente desprevenidos, vai por mim cara, eu sei o que estou falando.
     - Diga o que quiser meu, eu acho arriscado e não vale a pena fazer isso agora meu. Mesmo que não estejam esperando, mas tem polícia patrulhando a cidade toda, não tem como.
     Os demais apenas assistem à discussão, até que Paulo opina.
     - Olha, eu concordo com o ataque, se não fizermos isso o ataque de ontem terá sido em vão. E é como o Jean disse, ninguém imagina que um novo ataque aconteça hoje. Eu apoio ele, se ele diz que consegue, vamos dar crédito à ele.
     - É Hanz, se somos realmente radicais nossas atitudes também devem ser. A imprensa está brincando com a gente, devem achar que somos um bando de moleques sem ter o que fazer. Ou mostramos pra eles que estamos falando sério, ou seremos desacreditados. Vamos mostrar que se não formos ouvidos os ataques se tornarão mais e mais freqüentes, mesmo com a presença da polícia reforçada na cidade. Assim é ainda melhor pois mostramos que não nos intimidamos com a presença deles na cidade. Eu também apoio. – decide Cibele.
     Hanz joga-se pesadamente na poltrona ao perceber-se vencido na idéia de abortar aquela ação de Jean.
     - Não me leva a mal não fiote, mas eu concordo com eles também. Todo mundo tem medo de ser pego, não é só você. Mas assino embaixo do que a Cibele disse. Sei que você está puto porque está sendo contrariado, mas todas as ações do grupo devem ser decididas pelo grupo fiote, e não apenas por você. Se o cara diz que dá pra fazer, então ele faz oras. Será o pescoço dele que estará em jogo. – opina Renzo sabendo que está desagradando o amigo.
     - Também estou de acordo, se for necessária uma ação de cobertura, o que eu acho que será, podem contar comigo. Eu confio no Jean,e  podem estar certos que se alguma coisa der errado ninguém jamais saberá da existência do grupo. Serão apenas nossas cabeças que estarão em risco, como disse o Renzo. – reforça Tatiana.
     Jean já sabia que sua idéia havia sido aprovada mas na tentativa de minimizar qualquer problema dentro do grupo ele ainda argumenta com Hanz.
     - Olha, eu sei que  você só pensa na segurança do grupo rapaz, mas pensa bem comigo, o que a Cibele disse é verdade, e outra, o risco é bem menor do que você imagina. Eu não seria um louco de me expor se considerasse uma ação como essa arriscada e não é por eu ser ex-militar e conhecer táticas de guerra, basta raciocinar comigo: ninguém levou à sério o que fizemos, a verdade nem veio à público, ou mostramos do que somos capazes ou é melhor abandonar a idéia cara. Vou agir porque tenho plena certeza de que é seguro, ninguém espera um novo ataque pra hoje, pegaremos eles de surpresa mais uma vez. A polícia provavelmente está vigiando prédios públicos, nossos alvos agora estão totalmente fora de perspectiva, dificilmente a vigilância terá sido reforçada. Se eu perceber que realmente não dá, eu volto pra trás e desisto, é simples. Mas tenho certeza de que estou com a razão.
     - Ok, isso eu concordo, mas quem garante que com um novo ataque hoje eles cederão às nossas reivindicações? E se também não for em vão?
     - Não dá pra garantir isso, mas é a única forma de forçá-los, já que fizemos um, que eu faça mais esse, o que temos a perder? Ou vai ou racha... – prossegue Jean acendendo mais um cigarro.
     Hanz pensa por um breve momento e acaba aceitando a decisão.
     - Tudo bem então, faça como acha melhor, quem quiser participar pode ficar a vontade, mas jamais esqueçam-se da primeira regra nos ataques: caso alguém seja pego, jamais diga nada sobre os demais membros. Estou confiando no que a Tatiana disse, ficarei despreocupado.
     Todos fazem sinal positivo com a cabeça embora alguns duvidassem de que o silêncio fosse possível no caso de algum tipo de tortura, mas mesmo assim concordaram.
     - Tá certo então Hanz. Olha, eu e Jean já tínhamos algo combinado para um tipo de ação como essa, só não imaginávamos que fôssemos empregá-la agora, mas acho que tá valendo né Jean? – fala Tatiana que obtém um sinal de positivo do amigo.
     - E podemos pelo menos saber que plano é esse? – indaga Renzo.
     - Tatiana atacará a central de distribuição de energia no centro da cidade mas antes eu atacarei a tal emissora de rádio, tudo com um intervalo de não mais que cinco minutos, como fizemos essa madrugada. Meu ataque se dará à uma hora e Hanz tem que enviar os e-mails pouco antes disso.
     - Tudo bem, pode deixar, isso eu posso fazer sem problemas.
     Todos parecem aceitar o plano embora Hanz demonstrasse uma certa displicência em relação ao exposto.
     Cibele informa ter que ir embora pois ainda tem que, juntamente com Paulo, buscar o filho na casa de sua mãe.
     Plano concluído, todos resolvem ir embora, com exceção de Renzo, que fica mais um pouco pra conversa com Hanz.
     - Será que ele tá comendo fiu?
     - Hã? – Hanz está distante.
     - A Tatiana fiote, será que ela tá saindo com o milico?
     - Sei lá, talvez sejam apenas amigos, mas também, o que importa isso? Nem estava pensando nisso meu.
     - Hum... sei lá fiu. Os dois já se conheciam e ninguém sabe de onde, vivem andando juntos, combinam planos juntos, pra mim aí tem sexo sim, com certeza.
     Os dois vão até o fundo do quintal soltar Brutus.
     - Problema deles meu, desde que não deixem isso interferir nas ações do grupo, façam o que quiserem. O que nós temos com isso?
     Mesmo brincando com Brutus, Renzo não cessa suas observações maliciosas.
     - Ela é bem jeitosa fiu, você viu? Tem uns peitos legais, ela é meio doidinha, deve mandar bem, muito interessante isso heim...
     - Meu... você é meio doido né? Estamos metidos num esquema sério pra caramba e você pensando nisso? E sua namorada, esqueceu dela é?
     - Porra, tô falando pra você cara, você quem deveria estar interessado, você que é o solteirão aqui. Sei lá, nem se interessa em dar uns pegas, só pra tirar um lazer e tal? Aposto que pra ela isso não seria nada de mais, você que tá vacilando fiote.
     - Tá, tá, ela é gostosa sim, mas não é com isso que eu tô preocupado agora meu, ainda tenho que fazer minha parte hoje esqueceu? Depois eu penso nisso.
     - O estranho é que você nunca se preocupa com esses lances fiu, você é meio assexuado mesmo, tem certeza que você possui hormônios masculinos fiote? – brinca Renzo com o amigo, que visivelmente está nervoso.
     - Olha meu, nem vou te responder isso. Agora, na boa, deixa eu fazer minhas coisas, sábado aparece aqui pra reunião e a gente troca idéia pode ser? Não tô com cabeça pra esses papo hoje não, me desculpa.
     Os dois vão até o portão acompanhados por Brutus, que fica pulando sobre o grandalhão.
     - Tá certo fiu, qualquer coisa me liga esses dias, sabadão eu tô aqui. Mas fica sossegado, não vai dar nada errado não, o cara sabe o que faz.
     Hanz fica acompanhando o carro do amigo virar a esquina, no fundo gostaria de ter o mesmo astral que ele, mas a confrontação à sua decisão realmente não o agradara em nada.
     Sabia que não era líder do grupo mas não esperava que todos ficassem contra ele daquela forma, e o que era pior, apoiassem Jean que tinha um maior conhecimento militar e possuía os contatos necessários para a aquisição de armamentos. No caso de haver a necessidade da escolha de um líder para o grupo com certeza ele era o candidato mais apto.
     Mas tudo corria bem, não havia necessidade da escolha de um líder e, além do mais, em que lhe interessava ser líder do grupo?
     Estaria Tatiana envolvida com Jean? Esse pensamento sim o chateou.
     Mas em que sentido aquilo o atingia? Se os dois formavam um casal não havia problema nisso pois Cibele e Paulo também formavam e esse fato em nada influenciava suas atitudes dentro do grupo, qual o problema afinal?
     Por um instante, enquanto ligava o computador, pensou em Tatiana de uma forma diferente e percebeu que o amigo estava certo: ela realmente era linda.
     Não era o tipo de garota com que ele pensasse em se casar, seu modelo de garota era outro, mas ela era atraente... andava de moto, gostava de rock (assim como ele), possuía feminilidade, era sensual, possuía um rosto de adolescente frágil e desprotegida que escondia uma certa agressividade de motoqueira rebelde.
     Tatiana era original, esse era o termo correto.
     Mas por que pensava agora nisso? Jamais vira a garota com o olhar do desejo, afinal, nem sequer vira-a muitas vezes. E de que adiantava pensar nela de outra forma sem ser como mais um membro do grupo caso ela realmente estivesse envolvida com Jean? Era perda de tempo.
     O melhor a fazer era concentra-se em sua tarefa, conseguir os endereços de e-mail, fazer sua parte da melhor maneira possível e rezar para que os amigos se saíssem bem em suas missões, principalmente Tatiana.
     Ele em certos momentos surpreendia-se olhando-a de uma maneira diferente, mas quando caia em si percebia que ela não fazia seu gênero em nada.
     Roqueira, motoqueira, falando gírias, largadona... ele jamais interessara-se por garotas daquele estilo, mas estranhamente ela exercia sobre ele algum tipo de atração.
     Talvez fosse seu gosto que estivesse se modificando com o passar dos anos, ou talvez ela realmente fosse uma predadora sexual que utilizava-se de sua sedução fatal para enfeitiçar suas vítimas, ou então talvez não fosse nada mais do que um trabalho de macumba...

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