O sol já estava
alto, não se via nenhuma nuvem no céu e o calor causticante tornava as ruas
praticamente desertas e foi assim que Hanz encontrou sua cama ao despertar já
quase na hora do almoço.
Estava visivelmente desapontado com a atitude
de Tatiana pois o único vestígio da sua presença era a toalha sobre o sofá e o
bilhete que ela lhe deixara na mesinha da sala: << A NOITE FOI ÓTIMA, NÃO
ME ARREPENDO DE TER VINDO PASSÁ-LA COM VOCÊ, MAS NÃO SEI SE FOI CERTO O DESFECHO
DELA. TALVEZ ACONTEÇA DE NOVO, TALVEZ NÃO, MAS DE QUALQUER FORMA A AMIZADE E O
GRUPO CONTINUAM. VOCÊ É MUITO ESPECIAL E TALVEZ EU NÃO O MEREÇA. VAMOS ESQUECER
O QUE HOUVE OK?>>
Um profundo suspiro demonstrava o quanto
aquilo o chateara mas percebeu que o desenlace daquela noite havia sido
prudente pois confirmava sua suspeita: Tatiana era uma garota que não gostava
de envolvimento e compromisso e de dor de cabeça ele queria distância. Se ela
dissera que ele não a merecia, quem era ele para discordar disso?
Veio-lhe à mente o fato de não ter ouvido os
latidos de Brutus ou o motor da moto e instintivamente correu até sua carteira
para verificar seu interior.
Um gigantesco remorso invadiu-lhe o peito ao
constatar que tudo estava em ordem. “Hanz, você é um imbecil.” – pensou ele
envergonhando-se por ter feito mau juízo da garota, mesmo que por um segundo.
Imaginara que ela podia ter-lhe roubado. Sentiu-se um porco.
Foi à cozinha e abrindo a porta deparou-se
com Brutus, como de costume.
- Belo cão de guarda é você heim, bicho
inútil!! – disse ele irritado, mas o cão nem se abalou, apenas aguardava pela
sua refeição.
Sim, ele estava nervoso, não sabia bem
porquê.
Entendia agora que não podia almejar ter
alguma coisa séria com aquela garota que despertava-lhe uma sensação
desconhecida. Mas no fundo ele desejava que ela estivesse disposta à isso, pois
ele estava.
Apaixonara-se pela Tatiana doce e feminina
que estivera em sua cama naquela noite e não pela que andava de moto, falava
gírias e agia como malandro. Infelizmente ambas estavam dentro da mesma pessoa
e isso não iria mudar.
No fundo seu desejo era que Tatiana estivesse
apaixonada por ele a ponto de abandonar seu “lado negro”, que pudessem ter um
relacionamento sério, mas a realidade mostrava que nem todos os desejos humanos
podem ser alcançados e muitas vezes percebemos isso da maneira mais dolorosa.
Sabia que para ele seria difícil ter a
presença da garota rebelde diante dele, onde quer que fosse, sem que viessem as
lembranças daquela noite, sem que ele pudesse ver crescer o frio na barriga que
nascia quando seus olhos se encontravam. Será que esse encontro se daria
novamente ou ambos evitariam que seus olhos mais uma vez se encontrassem?
Já que ela não estava disposta a manter
alguma coisa séria era até melhor mesmo que esses encontros de olhares fossem
evitados, ao menos essa era a opinião de Hanz.
“E no final das contas esqueci de perguntar à
ela sobre o Paulo, que droga...” – foi seu último pensamento que tivera em
relação à garota naquele dia.
O domingo sim seguiu normalmente e Hanz pôde
navegar pela internet tranqüilamente, onde comprovava que as ações promovidas
pelo grupo ainda eram motivo de notícia nos principais sites do país e também
era assunto em salas de bate-papo e sites de relacionamento diversos.
As investigações à procura dos autores dos
ataques continuava e até o momento o governo não havia começado a atender as
reivindicações do grupo de forma que a ação agendada seria inevitavelmente
executada.
A imprensa divulgava que os serviços de
inteligência estavam a um passo de prender os autores dos ataques mas Hanz e
seus amigos sabiam que isso não era verdade, tratava-se somente de uma forma de
plantar o medo dentro do grupo. Eles estavam convictos que tratava-se de um
grupo amador, e quanto à isso eles estavam certos.
Enquanto isso a cidade fervilhava e policiais
que reforçavam a vigilância de possíveis novos alvos do grupo.
Mesmo com o governo mostrando-se impassível
o grupo tinha a esperança que com o próximo ataque eles tivessem seus pedidos
atendidos visto que a repercussão seria maior.
As prefeituras de quatro cidades seriam o
próximo alvo, com data já pré-definida, e com certeza esse ataque forçaria as
autoridades a mudarem de idéia.
Todos os detalhes estavam acertados, Jean já
tinha entregado o material para cada um do grupo. A semana que se seguiu foi a
contagem regressiva para a fatídica madrugada de domingo.
<<SOMOS CONTRÁRIOS À SUBMISSÃO DO PAÍS
AO CAPITAL ESTRANGEIRO QUE SÓ GERA DESEMPREGO, MISÉRIA E CONSEQÜENTEMENTE A
VIOLÊNCIA. ASSIM COMO SOMOS CONTRÁRIOS AO DERRAMAMENTO DE SANGUE DE QUALQUER
TIPO. MAS SE O GOVERNO NECESSITA DE SANGUE PARA QUE NOS TRATE COM SERIEDADE,
INFELIZMENTE NOS EXPRESSAREMOS NO IDIOMA QUE ESCOLHERAM.>> - essa era a
mensagem que Hanz enviaria aos jornais de todo o país logo que retornasse da
sua missão, o que levaria umas duas horas.
Normalmente ele enviava as mensagens antes
das ações, mas como todas as atenções estavam agora voltadas para um novo
ataque do grupo, decidiram mudar de estratégia para dificultar qualquer tipo de
investigação ou armadilha.
Cibele e Tatiana se encarregariam dos alvos
nas duas cidades mais próximas enquanto os rapazes cuidariam dos dois alvos
mais distantes, que coincidentemente era as cidades maiores.
O “modus operandi” seria o mesmo das ações
anteriores, o que dificultava a identificação dos veículos utilizados, no
entanto o maior risco se encontrava no momento de deixar as cidades pois
poderia levantar suspeitas.
Cogitou-se a hipótese dos membros dormirem em
hotéis ou pensões para dessa forma não terem que deixar a cidade, mas isso
poderia vir a levantar uma suspeita ainda maior sobre eles, pessoas estranhas
ao lugar.
O jeito seria executar a ação programada e
sair da cidade o quanto antes, para isso, as rotas de fuga haviam sido
cuidadosamente estudadas.
Mesmo com a polícia tendo reforçado a
vigilância na cidade todos estavam seguros e confiantes com a perspectiva de
novo êxito já que o plano havia sido cuidadosamente elaborado. As próximas
ações programadas não aconteceriam na cidade, e ninguém podia prever onde ou
quando aconteceriam.
Somente os membros do grupo sabiam...
Ninguém demonstrava preocupação ou medo em
relação à presença policial mais ostensiva, principalmente Cibele, que por
realizar sua primeira ação, estava extremamente ansiosa. O fato de vigiarem a
cidade não influenciaria em nada a execução do plano.
Havia uma certa preocupação por parte dos
demais integrantes somente em relação à ela, Cibele, pois temiam que ela
cometesse algum erro devido à não saberem ainda como seria seu comportamento
diante do nervosismo já experimentado por todos os demais no primeiro ataque.
Provavelmente o nervosismo estivesse
relacionado à insistente oposição de Paulo à execução da sua parte no plano, e
a apreensão aumentava ainda mais com os cada vez mais freqüentes sumiços do
rapaz que passaram a acontecer após a última reunião.
Essa mudança no comportamento causava cada
vez mais desentendimentos entre o casal, mas Paulo parecia não se importar
muito com isso, ele que sempre fora atencioso e carinhoso com Cibele e o filho
agora havia se tornado ausente e ríspido.
Cibele comunicava aos demais membros do grupo
quando aconteciam esses desaparecimentos e ninguém fazia idéia de até que ponto
isso poderia prejudicar o grupo. Talvez ele estivesse apenas desgostoso ainda
por ter sido contrariado por todo o grupo e esses sumiços fossem apenas uma
forma de demonstrar isso à companheira, pois não acreditavam que ele pudesse
fazer alguma coisa para prejudicar o grupo, pois fazendo isso, estaria
comprometendo também Cibele.
Acabaram chegando à conclusão de que não
havia motivo algum para se preocuparem com as atitudes dele. Se ele estava
chateado com o que fora acordado entre todos isso era apenas uma demonstração
de imaturidade da parte dele pois todos haviam entendido os motivos, menos ele.
Enfim chegara a madrugada de domingo, Paulo e
Renzo foram trabalhar normalmente enquanto os demais partiram para suas
respectivas cidades e alvos, o horário combinado para a realização dos ataques
era duas horas e todos aconteceriam simultaneamente como nas vezes anteriores.
Para o domingo à tarde havia sido combinado
um churrasco na casa de Hanz, como era de costume, onde poderiam conversar
sobre os acontecimentos.
No local, encontramos o grupo novamente
reunido.
Tatiana e Hanz conversam animadamente como se
nada de mais tivesse acontecido entre eles, mas evidentemente evitando uma
possível troca de olhares.
Jean já cuidando da churrasqueira era o mais
animado. Estava feliz com o êxito obtido nas últimas ações.
Cibele era a única que não se mostrava tão
animada quanto os demais por causa do modo estranho como Paulo se comportava.
Calado e isolado dos demais pouco se dirigia às pessoas.
- ... e a adrenalina ainda corria nas veias
quando eu vi as viaturas da polícia rodoviária fazendo uma blitz na estrada,
mas vocês sabem como é, eles nem me pararam... – relatava Jean.
- Eu nem vi blitz no caminho. – completava
Tatiana.
- Não vou mentir pra vocês não, na hora deu
um pouco de medo, mas deu pra controlar e fazer o serviço do jeito que
combinamos. – desabafou Cibele.
A música alta do aparelho de som já
estrategicamente posicionado não permitia que se ouvisse a conversa de quem
estivesse na rua e os altos muros laterais isolavam o local da casa dos
vizinhos.
- Sabem, me deu um pouco de dó de destruir a
fachada do prédio, era no estilo antigo e tal e eu curto esse tipo de
arquitetura. Deu dó mesmo, mas fazer o que né? – confidenciava Hanz tomando uma
cerveja.
Vendo Paulo calado, sentado em um canto com o
pensamento distante Tatiana resolve brincar com ele na tentativa de animá-lo.
- E aí Paulão. Você não bebe, nada fala
nada... tá doente é?
Com uma cólera sem explicação que surpreende
à todos o rapaz responde de maneira bastante ríspida.
- Falar o quê? O que você quer que eu fale?
Eu só fui trabalhar ontem, como faço sempre, não tenho porra nenhuma pra te
falar!!!
Cibele, que se aproximara dele, aperta-lhe o
braço fazendo-o calar-se.
- Ixi, dexa queto vai, dá licença!! Fica de
bode aí então cara!!! – retruca Tatiana.
Todos ficam em silêncio diante do clima fica
péssimo que surge após a atitude de Paulo, mas Jean tenta retomar o clima
descontraído da reunião.
- E o grandão não vem aqui hoje não?
- Verdade, cadê o Renzo? Ele não vem Hanz? –
indaga a garota motoqueira.
- Bom, deveria vir já que não é apenas uma
reunião de lazer, daqui a pouco ele deve aparecer.
- Ainda bem que ele trabalhou ontem senão
estaríamos ainda mais preocupados. – diz Jean.
- Aí pessoal, falando nele... – comenta
Cibele referindo-se à buzina do carro de Renzo em frente à casa.
Ao ouvir o toque da campainha Hanz grita para
o amigo:
- Pode entrar meu, o portão tá aberto!!!
- Lá vem ele com umas cinco dúzias de
cervejas!!! – brinca Tatiana.
Para surpresa de todos o rapaz não traz
somente a bebida de costume, está acompanhado de Bianca.
- E aí seu morto, tá com o traseiro pesado e
não pode atender o portão não é? – brinca Renzo cumprimentando o dono da casa.
- Ah, que nada meu, você já é de casa, não
precisa de frescura não.
- Sei, você tá é grudado na cerva aí, deve tá
mal já né? Eu te conheço...
O rapaz apresenta a namorada à Jean e Tatiana
que até então não a conheciam.
- Esse com o cigarro na mão é o Jean e essa é
a Tatiana.
Bianca mostra-se simpática com todos.
- Olha Hanz, desculpa o atraso do Rê, é que
ele ficou esperando eu terminar de me arrumar. Em compensação, olha só o que eu
trouxe. – fala Bianca entregando-lhe uma enorme travessa de maionese.
- É Hanz, mas essa não é a da minha mãe não,
essa foi a Bi quem fez. – acrescenta Renzo.
- Puts meu, não acredito nisso!!! O Renzo te
disse que eu adoro maionese não foi?
- É, ele me disse sim, espero que goste da
minha...
- Com certeza ele vai gostar. Ele gosta de
maionese de restaurante de terceira!!! Duvido que não goste da sua!! – fala
Renzo fazendo com que todos caiam na gargalhada, o que intimida Hanz.
Renzo pega a travessa de volta e a entrega à
Bianca, pedindo que ela guarde na geladeira. A garota fica sem jeito, mas Hanz
a tranqüiliza pedindo-lhe que fique à vontade.
Assim que ela entra na casa seu namorado
desculpa-se com o pessoal em voz baixa.
- Pô galera, foi mal. Mas não sei o que deu
nela hoje... quis vir comigo de qualquer jeito.
- Tudo bem meu, depois eu te telefono e te
conto como foi a coisa ontem. – declara Hanz.
- É gente, mas vocês já sabem, morreu o
assunto agora né. – alerta Jean um pouco desanimado, acendendo um cigarro, como
de costume.
- Essa porcaria ainda vai te matar... –
comenta Renzo.
- Todo mundo vai morrer de um jeito ou de
outro, pelo menos estou escolhendo a doença que vai me matar... – fala
jocosamente Jean dando uma longa baforada.
Bianca não fazia idéia do tipo de coisa que
era a verdadeira razão daquela reunião, nem podia imaginar que aquele pessoal
pudesse estar envolvido naqueles acontecimentos que eram agora manchete em
todos os jornais. Decidira vir ao churrasco somente por curiosidade, já que até
então nunca tinha vindo à casa de Hanz.
Não demorou muito para que ela retornasse
para junto do pessoal no quintal.
- Daqui a pouco a gente detona essa maionese,
deixa a carne ficar pronta, tem arroz e vinagrete também. – fala Tatiana
puxando papo com ela.
Apesar de aparentarem ter pouca coisa em
comum as duas acabam de entrosando.
- O que é que o negão tem fiote? – indaga
Renzo à Hanz.
- O cara tá assim desde aquele dia. Tá
estranho pra caramba. Agora pouco ele deu a maior patada na Tati sem motivo
algum. O cara tá muito estranho.
- É fogo, deixa eu trocar uma idéia com ele.
Renzo vai até Paulo e em seguida os dois
afastam-se do restante do pessoal, indo para a frente da casa.
A reunião segue normalmente com os amigos
procurando conversar sobre assuntos variados. O assunto em pauta para a reunião
com certeza eram os acontecimentos da últimas noite, mas com a presença
inesperada de Bianca o assunto teria que ser adiado para outro dia.
Logo depois Paulo e Renzo voltam para junto
do pessoal e o companheiro de Cibele já aparentava estar de melhor humor.
Não fazia muito sol mas ainda assim a
temperatura era elevada de forma que cerveja, um bom churrasco e a companhia de
bons amigos eram a pedida perfeita para aquela tarde de domingo.
Com Paulo já de melhor humor e Bianca
entrosada com o pessoal a reunião seguiu bastante animada, como sempre
acontecia.
Teriam agora que aguardar a repercussão das
ações da última madrugada nos jornais e teriam que manter silêncio total devido
à inesperada presença de Bianca no churrasco.
Renzo mostrava-se um pouco menos brincalhão
em vista do que costumava ser, ninguém sabia se isso se devia à presença da
namorada ou à preocupação em relação aos acontecimentos da madrugada interior,
mas inúmeros comentários em relação à esse comportamento já haviam acontecido
entre os demais membros do grupo, secretamente.
A verdade era que todos estavam visivelmente
ansiosos por saberem da repercussão de sua última ação e era bastante difícil
para eles disfarçarem isso para que Bianca não percebesse.
Por vezes o assunto surgiu entre eles, mas
todos comentaram como se ele fosse apenas mais um, como se eles fossem meros
expectadores dos acontecimentos ao invés dos protagonistas como na verdade
eram.
O importante é que Bianca não desconfiou de
nada e a tarde foi bastante agradável, até mais do que costumava ser, sem a
presença de um assunto tão stressante como planejamentos e conjecturas sobre as
ações do grupo.
Puderam dedicar-se à uma tarde agradável
entre amigos e nada além disso.
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