terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Capítulo XXII



Durante toda a semana as manchetes dos principais veículos de comunicação estavam relacionadas às últimas ações do grupo.
  O êxito na execução das ações e a ausência de pistas sobre a identidade dos envolvidos davam maior autoconfiança ao grupo de amigos e dor de cabeça às autoridades que investigavam os acontecimentos.
  A implícita ameaça contida no último comunicado de que os ataques pudessem passar a ceifar vidas diante do descaso do governo para com as exigências do grupo aterrorizava a população. População que em grande parte apoiava o grupo, como mostravam pesquisas e reportagens a respeito, mas apoio esse que era devido sobretudo à até então ausência de mortes.
  Ameaçar que esse quadro pudesse mudar poderia sair como um tiro pela culatra em relação ao grupo, mas sem dúvida aumentava ainda mais a pressão sobre o governo.
  O caso era que a cada ação realizada o risco que os integrantes do grupo corria aumentava mais e eles não podiam se contentar com ataques que já não causavam tanto impacto. Não podiam dar-se ao luxo de correr o risco em ações que não surtissem efeito, e se houvesse a necessidade de que mortes ocorressem para que eles tivessem suas exigências atendidas, elas aconteceriam. Mesmo com a desaprovação de alguns membros do grupo.
  Uma nova reunião fora marcada para o próximo sábado, onde poderiam conversar pessoalmente sobre as últimas ações e discutir esses pontos relacionados à uma próxima ação.
  Renzo visitou Hanz no meio da semana para ficar a par dos detalhes da última ação, onde foi alertado para que não levasse Bianca na reunião do próximo final de semana pois teriam que discutir assuntos confidenciais relacionados à uma nova ação
  Apesar da satisfação pelos êxitos do grupo a aproximação de próximos ataques nos quais provavelmente haveriam mortes fazia com que os membros contrários à essa idéia ficassem angustiados.
  Hanz, Renzo, Paulo e Cibele eram terminantemente contrários à essa idéia, mas no fundo sabiam que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, de acordo com o desenrolar dos acontecimentos.
  Jean e Tatiana eram indiferentes quanto à isso, posicionavam-se a favor desse tipo de ação com vítimas caso fosse necessário, alegavam que o governo deveria atender às suas reivindicações, custasse o que custasse.
  O risco maior que o grupo correria numa próxima ação fazia com que nenhum dos membros estivesse disposto a agir à toa, sem mobilizar a opinião pública, sendo assim, a perspectiva de que no próximo ataque ocorressem mortes era iminente.
  Por sua opinião a respeito já ser do pleno conhecimento de todos, Jean se ausentaria da reunião de sábado pois deveria viajar para adquirir o equipamento necessário à próxima ação.
  É nessa reunião que encontramos o grupo de amigos, a reunião do início da história.
  Descontraídos e satisfeitos, resolvem passar a discutir assuntos mais sérios, os tão aguardados detalhes de uma próxima ação.
  - Olha galera, se eu conheço um pouco do Jean, o material que ele foi buscar não vai ser brincadeira não heim, ainda mais que agora as ações tem que ser maiores. – fala Paulo com certa ansiedade pelo retorno do companheiro.
  - É fiu, com certeza é coisa feroz mesmo, só queria saber onde ele consegue esse material, e mais ainda, de onde ele tira dinheiro pra comprar isso tudo porque com certeza essas coisas não são nem um pouco baratas.
  - Olha meu, de onde ele tira o dinheiro dele eu não sei, mas já dei uma forcinha financeira pra ele esses tempos. – esclarece Hanz.
  - Tá podendo heim Hanz. Olha cara, não entendo como um cara como você pôde se interessar e se envolver nesses papos. Já discutimos sobre isso, mas poxa... você tem grana, tem uma vida sossegada. Por que não ficou na sua e pronto? – indaga Paulo.
  - Acho que vocês estão fazendo confusão. Já falamos desse assunto mesmo, e não estou a fim de voltar a falar disso. Já expliquei meus motivos, assim como todo mundo já explicou o seu. Essa grana que eu arrumei pro Jean não é minha, até mesmo porque eu nem tenho dinheiro desse porte. Digamos que foi meu computador que me fez esse favorzinho, se é que você me entende.
  - Ah sim, coisas de hacker não é? Grande parte das suas coisas você conseguiu através de “favores” do seu computador não foi não?
  - Olha meu, não me leva a mal não, mas acho que esse assunto não tem nada a ver com o grupo então nem tem porque estarmos falando disso. O que importa é que temos como arrecadar recursos para nossas atividades, isso sim. O modo como faço isso é um problema meu, você não tem que se preocupar com isso.
  As insinuações de Paulo não agradavam nem um pouco Hanz, aquilo cheirava à inveja, e o rapaz que de início pareceu ser tão simpático à Hanz, agora o irritava profundamente.
  - É Paulão, desencana desse papo cara, o importante é que a gente tem como bancar nossos esquemas. O que cada um faz da vida particular não é problema do grupo fiote. – fala Tatiana.
  - Tudo bem Tati, isso eu sei. Mas o importante é que daqui pra frente quando eu estiver passando por aperto de grana eu vou saber onde arrumar...
  Essa afirmação não soou nada bem aos ouvidos do grupo, e Hanz via naquela maneira de se comportar de Paulo algum tipo de ameaça.
  - Aí que você se engana meu. É muito arriscado fazer esses lances, eu só faço para beneficiar o grupo, nunca peguei um centavo sequer para benefício próprio. Será que fui claro?
  Paulo, tentando em vão disfarçar sua raiva, prossegue, já descontrolado.
  - Aí já é mancada sua cara, por que vai regular grana pra mim? Você mesmo já disse que usou esses lances em benefício próprio cara!!! Quando é pra você comprar seu carrão, comprar seu computador, pagar suas contas você pode usar o esquema, mas pra me dar uma força não pode? Belo amigo você é...
  - Calma aí meu, fala baixo porque você tá na minha casa e você tá falando do que você não sabe ou do que é muito burro pra entender. Você não tá falando com nenhum moleque não meu. Se estivéssemos discutindo sobre assuntos relacionados ao grupo eu até ficaria na minha, mas você tá colocando em jogo minha honestidade. Acabei de te falar que nunca usei essas porra pra fins pessoais, será que você não entendeu ainda? Acaba aqui esse papo, não quero mais me aborrecer com isso, deu pra entender meu?
  Os ânimos estavam alterados.
  - Pára com isso amor, o que tá em discussão aqui são os assuntos do grupo e não a vida de ninguém aqui, você tá misturando as coisas. – Cibele tentava acalmar o companheiro.
  Paulo encara Hanz com ira no olhar, e isso era recíproco.
  - É cara, sossega, não tem nada a ver esses papos. Por que isso agora? – diz Tatiana.
  Renzo apenas observa a discussão, em seu semblante podia-se perceber um certo arrependimento em ter envolvido Paulo com o grupo. Mas resolve mudar o rumo da conversa na tentativa de aclamar os ânimos.
  - Pô, tô com saudade do cheiro de cigarro que acompanha sempre o Jean. Alguém aí tem algum pra acender pra ver se acaba com minha saudade?
  Cibele e Tatiana riem, mas Paulo e Hanz permanecem sérios, sinal de que Hanz realmente está irritado visto que jamais resiste às piadas do amigo.
  Paulo acomodou-se na poltrona e, parecendo estar mais calmo, prosseguiu.
  - Tá certo, desculpa aí Hanz. Eu tô falando besteira mesmo. Mas é que, porra... é difícil viver uma vida meia-boca tendo toda essa grana à disposição cara.
  - Eu sei como é meu, entendo você. Mas esse negócio é muito mais arriscado do que você imagina. Ainda mais agora, estando envolvido com esses lance do grupo, correr um alto risco em prol de um motivo particular sabendo que o grupo todo pode ser prejudicado não dá não meu.
  - Tudo bem, eu também entendo você. Esquece cara.
  Após uma breve pausa, Renzo retoma os assuntos relacionados ao grupo.
  - O que eu queria saber é se na próxima ação já passaremos a usar armas em nossa defesa ou se você acham que isso ainda não é necessário.
  - Bom, eu preferia usar, o Jean tem em casa um material caso ficasse decidido que usaríamos. – diz Tatiana.
  - É, como todos podem ver o risco que corremos nos ataques aumenta cada vez mais. Cada vez mais eles reforçam a vigilância e tá ficando mais perigoso... – concorda Cibele.
  - Olha, é claro que durante a ação se algo não der certo temos que estar preparados para tomar alguma atitude, mas o problema é que o porte de uma arma pode ter o efeito inverso. Se a polícia pegar qualquer um de nós portando uma delas, que desculpa daríamos? Daí já era, não tem jeito... – argumenta Paulo.
  - É isso aí meu, era o que eu ia falar. Acho que só devemos portar armas se for realmente indispensável. – fala Hanz.
  - Acho que temos que usar sim, se a polícia parar a gente já estaremos com os explosivos fiu, não vai ser uma arma que vai mudar muita coisa, já estaremos ferrados mesmo. – diz Renzo.
  - Pensando bem estando armados tem como reagir caso a polícia nos pegue portando os explosivos, sem arma nenhuma nem tem como reagir. – reforça Paulo passando a concordar com Renzo.
  - Mas e se isso acontecer após a ação, sem estar com os explosivos? A probabilidade de sermos parados é maior porque a polícia fica toda alvoroçada, e não haveria nada que nos denunciasse, só o porte da arma se fosse o caso, os explosivos já teriam sido usados. – rebate Hanz.
  - Pra mim o benefício de portar é maior por mais que eu seja contra atirar em alguém. Mas se precisar, é pela nossa segurança mesmo. – conclui Cibele.
  Hanz era o único contrário à idéia e percebia isso. Mesmo que Jean partilhasse da mesma idéia que ele ainda assim seriam vencidos pois o voto da maioria era a favor.
  - Ok, se vocês preferem assim é só falar com o Jean pra arrumar o material. – fala Hanz vendo-se vencido.
  - O material ele tem se o grupo decidir usar, é só falar com ele.  – fala Tatiana.
  - Hum... você conhece bem a casa dele não é Tati? – fala cinicamente Renzo.
  - Ah cara, vai pro inferno seu babaca. O que você sabe da minha vida? – revida ela.
  Renzo apenas ri, evitando o início de um novo atrito dentro do grupo.
  - Nossa., enfim uma opinião escolhida pela maioria do grupo. – continua com o cinismo Paulo fazendo alusão à Hanz, que a seu ver dita as atitudes a serem tomadas pelo grupo e agora havia sido vencido pela opinião da maioria.
  O rapaz ignora a provocação de Paulo mas para todos é visível o descontentamento dele com grupo e todos partilham da idéia de que a insatisfação é particularmente em relação ao dono da casa.
  Foi esclarecido então o plano para a quarta ação do grupo, ficando apenas detalhes mais minuciosos como os horários e a designação dos responsáveis dos alvos. Tais detalhes deveriam ser discutidos na presença também de Jean, pois ele sempre visualizava pontos que os demais não percebiam.
  A ação aconteceria na madrugada de uma segunda-feira dentro de mais ou menos duas semanas e todos os membros estariam envolvidos de forma que dessa vez seriam seis os alvos. Um na cidade onde moravam e os outros cinco em cidades próximas que ainda não tinham sido atacadas.
  Centrais elétricas haviam sido escolhidas e os armamentos utilizados teriam um maior poder de destruição, de forma que o próximo ataque seria bem mais contundente que os anteriores, causaria um verdadeiro black-out em toda a região, ainda sem vítimas.
  Uma coisa era certa: Hanz teria que alugar um carro para que Cibele e Paulo pudessem agir em alvos diferentes pois o casal possuía apenas um.
  Todos já haviam ido embora e, como já era de costume, Renzo permanecera mais um pouco, para poder conversar mais a vontade com o dono da casa.
  - É fiote, realmente ela é uma de-lí-ci-a!!!
  - Pô meu, já vem você de novo com isso? Dá um tempo vai. – rebate Hanz ainda nervoso.
  - Só me diz se você concorda ou não. É pedir muito?
  - Tá Renzo, ela é uma delícia sim, satisfeito?
  Brincando com Brutus, ele prossegue a conversa.
  - Não foi muito convincente, mas eu entendo você fiote. O Paulo tá pegando pesado mesmo, até eu tô ficando nervoso já, imagino você.
  - Nossa meu, hoje eu tive que me segurar pra não partir pra cima dele. Não sei o que ele quer meu, o cara acha que eu tenho a obrigação de descolar grana pra ele? Qual é a do cara?
  - É fiu, ele tá com umas idéias nada a ver mesmo. Parece que tá meio doido...
  - Sei lá, se ele chegasse em mim na boa, trocasse uma idéia e tal, só nós dois, de repente eu até descolava uma ajuda pro cara, não custa nada. Pouca coisa já ajudaria ele, nem seria tão arriscado, mas do jeito que ele faz não dá não, vai pro inferno!!!
  - É, realmente eu não tô entendendo mais nada fiote. Confesso pra você que fico chateado com essa situação porque fui eu que coloquei ele na jogada, mas não estou reconhecendo o Paulo ultimamente não, ele tá estranho pra caramba.
  - E o engraçado é que ele cismou comigo. Pode ver que ele só fica de palhaçada comigo. Qualquer hora eu perco a cabeça e daí ferra tudo...
  - Calma fiu, eu sei que tá complicado, mas brigas dentro do grupo são a última coisa de que precisamos. Fica tranqüilo, ele deve tá com problema de grana, isso passa. O cara nunca foi assim...
  Hanz só olha para o amigo, tentando acreditar na previsão dele.
  Tudo estava devidamente acertado, faltavam somente pequenos detalhes, mas esse era o diferencial que tornavam as ações plenas de êxito: nenhum detalhe era ignorado.
  Somente não era possível prever o que se passava no íntimo de cada membro do grupo e talvez esse fosse o detalhe que pudesse pôr em risco a segurança de todos.

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