terça-feira, 4 de março de 2014

Capítulo XXIII


HANZ


  Era quarta-feira, o relógio indicava quase vinte e três horas e Hanz guardava seus cadernos e o restante do seu material de estudos, fato bastante incomum pois ele tinha o costume de ir dormir sempre de madrugada.
  Sem explicação uma avassaladora sonolência tomava conta dele e o obrigava a ir se deitar.
  - Tá tudo acertado, essa provavelmente será a maior de todas as ações até agora, é só esperar. – falava ele consigo mesmo.
  Mas haviam ocorrido algumas mudanças nos planos: Jean assim que chegara de viagem lhe telefonara informando que alguns detalhes deviam ser mudados pela segurança do grupo, ao mesmo tempo em  que fora informado das decisões tomadas na última reunião à qual se ausentara.
  Seriam apenas quatro alvos pois ele não havia conseguido adquirir a quantidade de explosivos necessária para os seis como havia sido planejado. Sendo assim Renzo e Paulo podiam ir trabalhar normalmente, assim como fizeram na última ação, evitando assim que alguma suspeita caísse sobre eles. Embora não tivesse conseguido adquirir a quantidade encomendada, os quatros explosivos possuíam um maior poder de destruição em relação aos utilizados até então.
  Tais decisões foram comunicadas ao grupo por Jean, que visitou os demais membros a pedido de Hanz que já previa uma reação negativa por parte de Paulo que aparentemente  já tinha uma rixa pessoal com ele.
  Claro que Paulo ficou insatisfeito com a decisão mas não teve uma reação mais descontrolada estando diante de Jean.
  Mas ainda seria alugado um carro para que Cibele executasse seu papel, de forma que Paulo poderia ir trabalhar com o deles. Tudo para que não houvesse suspeita alguma do envolvimento de quem quer que fosse nas ações.
  Em sua última ação hacker Hanz havia conseguido o dinheiro necessário para o aluguel do carro e estudava a possibilidade de ele mesmo utilizá-lo enquanto a garota ficar com seu jipe de forma que a locadora não suspeitasse da alta quilometragem do veículo. Mas isso seria decidido na próxima reunião, pois não lhe agradava em nada a possibilidade de outra pessoa dirigir seu carro. Ele era ciumento, mas seria pelo bem dele e do grupo.
  Brutus, como de costume, teria uma agitada noite perseguindo os gatos pelo quintal.
  Hanz já apagava as luzes encaminhando-se para o quarto quando uma voz chamando-lhe no portão mudou seus planos.
  “Pô, quem será a essa hora?” – pensou irritado.
  O chamado se repetiu e Hanz abriu a porta da sala para receber a inoportuna visita. Para sua surpresa não havia ninguém, apenas Brutus que observava o portão como se realmente alguém estivesse ali. Somente a sinfonia de grilos era ouvida.
  Sonolento, fechou a porta desistindo de manter-se acordado, a voz deveria ser alguma peça pregada pelo forte sono que sentia.
  Mas novamente ouviu seu nome, de forma ainda mais nítida, uma voz masculina que ele não reconhecia. De imediato despertou de sua sonolência e voltou-se para a porta.
  Hesitou em abri-la, lembrou-se do que andava fazendo e imaginou que pudesse ser algum tipo de armadilha.
  Parado em frente à porta, aguardava ouvir algum som que indicasse o que se passava, mas nem sequer Brutus latia, o que era muito estranho pois sempre que alguém chegava no portão ele era o primeiro a dar o alarme. Somente a sinfonia de grilos permanecia.
  Estava estático, sem saber qual atitude tomar, seu coração disparado revelava seu nervosismo, um sentimento muito maior do que normalmente tinha mesmo durante a execução das ações.
 Um verdadeiro grito veio do portão, fazendo Hanz dar um pulo de susto.
  - Hanz!!! Cuidado meu filho!! Já te disse: cuidado!!!! – gritou a voz.
  - Mas que merda é essa? – gritou Hanz abrindo a porta e indo para o quintal.
  Brutus permanecia no mesmo local e da mesma forma, encarando o portão totalmente silencioso.
  Não vendo ninguém Hanz correu até o portão, olhou para a rua através das grades e não identificou nenhum movimento.
  Correu para buscar as chaves do portão e rapidamente retornou para o abrir, lançando-se à calçada.
  A rua estava totalmente deserta.
  - O que tá acontecendo afinal? Se querem me dizer alguma coisa sejam mais diretos!!! – disse em voz alta como se alguém escondido o ouvisse.
  Brutus sentou-se ao seu lado em silêncio.
  Acariciando a cabeça do animal que o acompanhava Hanz aguardava algum tipo de resposta, algum sinal que revelasse o autor dos gritos.
  Surpreendeu-se com os faróis de um carro que dobrava a esquina velozmente e vinha em sua direção.
  Após seus olhos acostumarem-se com a claridade Hanz conseguiu identificar o carro de Renzo.
  - O que tá fazendo aí fiote? Hum... acho que já sei. Deve estar se despedindo de alguma mocinha que foi embora né menininho maroto? – disse Renzo estacionando seu carro em frente ao amigo.
  - Sossega desses papo meu, não é nada disso.
  Pela resposta seca do amigo Renzo percebeu que algo não estava bem e já ao lado dele ofereceu ajuda.
  - Foi mal fiu. Conta aí, o que tá acontecendo? Você tá com uma cara... parece que viu um fantasma.
  Hanz olhou seriamente para o amigo que chegara como que confirmando sua suposição.
  - Entra aí meu, lá dentro a gente conversa.
  Os três seguiram para a sala, Hanz nem se importou com Brutus deitando no tapete, sinal de que realmente estava transtornado.
  Renzo estava com os olhos esbugalhados, principalmente após o amigo ter-lhe contado o que acabara de acontecer.
  - ...é estranho meu, desde aquele sonho de que te falei tenho a impressão que tem algo importante que alguém quer me dizer.
  - Eu também fiquei grilado daquela vez mas tomei minha decisão e esqueci daquilo fiu. Só que no seu caso a coisa parece ser bem mais insistente.
  - É como se houvesse algum perigo de que quisessem me alertar, mas o quê? Estava muito preocupado na última ação, mas nada de anormal aconteceu e tá tudo legal... Eu sei que o que fazemos envolve um grande risco mas sobre o que querem me alertar? Que merda meu... isso irrita pô!!! Se querem dizer alguma coisa então digam logo em vez de ficarem com meias palavras!!!!
  - Calma fiu, não adianta estressar!!
  Os dois ficaram em silêncio um pouco, mergulhados em seus pensamentos, até que foram trazidos à realidade por Brutus que disparara para o quintal atrás de um gato.
  - Mas me fala aí meu, o que aconteceu pra você aparecer aqui assim de repente?
  - Pois é foi, o negócio tá complicado. A Cibele me ligou agora pouco chorando. Disse que o Paulão anda dando umas sumidas direto e dá umas desculpas nada a ver. Disse que ele tá muito estranho ultimamente e ela não sabe o que tá acontecendo com ele. Ela me ligou pra saber se ele estava comigo mas eu não vi ele hoje.
  - É... todo mundo já percebeu faz tempo que o cara tá esquisito. Desde aquela reunião pra decidir o último ataque. Lembra de como ele estava esquisito na reunião que a Bianca veio em casa e das idéias dele pro meu lado com papo de grana e tudo o mais? Pô, qualquer um pensaria que essas escapadas dele poderiam ser por causa de rabo de saia, mas o comportamento dele mudou em relação ao grupo também e isso dá a impressão de que tem alguma coisa muito maior por trás desses sumiços.
  - Verdade, se fosse o caso de ter arrumado uma amante não teria motivo pra ele ficar agressivo com o grupo... O meu medo é que ele acabe ferrando a gente fiote.
  - Eu estava preocupado com isso uns tempos mas acabei deixando de lado, mas é um caso a se pensar, ele anda descontente com tudo, e parece que piorou ainda mais agora que ele ficará de fora das ações pela segunda vez seguida.
  - Mas eu também tô de fora e nem por isso tô agindo igual a ele. Não sei, mas ele anda muito estranho, e esses sumiços dele... isso não tá me cheirando nada bem.
  - Será que ele tá metido com drogas?
  - Hum... olha, ele usava na época que era desandado, isso ele mesmo me contou, mas hoje acho difícil. Pelo papo moralista dele acho difícil ele voltar a mexer com essas porcarias.
  - É Renzo, é complicado isso. Eu cheguei até pensar em cortar ele do grupo mas não tem como fazer isso. Se isso acontecesse daí sim o cara ia pirar de vez e estaríamos correndo um risco enorme.
  - É, isso não seria uma boa não fiu. O pior é que fui eu quem te indicou o cara pra entrar no esquema. Várias vezes já me arrependi de ter feito isso.
  - Desencana dessas idéias meu, cada um é responsável por si. Tenho certeza de que se você soubesse que ele passaria a agir assim jamais o teria colocado no esquema. Se ele hoje tá participando do grupo é porque confiamos nele, se não confiássemos não o teríamos deixado participar, a culpa não é sua não. O problema é que ele tá esquisito de uns tempos pra cá, como alguém podia adivinhar que ele agiria assim? Você já conversou com ele e não descobriu nada?
  - Ah, eu perguntei o que ele tinha e tal, daí ele disse que estava com problemas de dinheiro, que ele e a Ci andavam brigando muito... essas coisas... Mas até que ponto é só isso mesmo eu já não sei. Tô achando que o jeito é seguir o cara e tentar descobrir onde ele se enfia quando dá essas sumidas, pelos menos assim ficamos sabendo o que ele tem feito quando tá sozinho.
  - É uma boa idéia. Mas esse alguém terá que ser você meu. Durante o dia é só você que tem tempo pra isso e acho melhor nem falar nada disso com o resto do pessoal, eles podem não ser tão pacientes quanto a gente.
  - Tá beleza, deixa comigo então fiote, não tem problema não. Antes de falar alguma coisa pro pessoal é melhor saber direito o que ele tem. Vou ficar de olho nele e tentar descobrir o que tá rolando. Qualquer novidade eu te telefono. Deixa eu ir nessa então, tô ligado que amanhã você madruga e dá pra perceber que você tá quebradão. – fala Renzo se levantando.
  Hanz o acompanha.
  - É meu, eu tô mal mesmo hoje, não sei o que me deu, eu costumo ir dormir bem mais tarde mas hoje não sei o que acontece...
  Renzo parte prometendo investigar Paulo, ambos acreditavam que o rapaz podia estar colocando em risco a segurança do grupo.

  Hanz finalmente pôde ir dormir...

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