Era quarta-feira, o relógio indicava quase
vinte e três horas e Hanz guardava seus cadernos e o restante do seu material
de estudos, fato bastante incomum pois ele tinha o costume de ir dormir sempre
de madrugada.
Sem explicação uma avassaladora sonolência
tomava conta dele e o obrigava a ir se deitar.
- Tá tudo acertado, essa provavelmente será a
maior de todas as ações até agora, é só esperar. – falava ele consigo mesmo.
Mas haviam ocorrido algumas mudanças nos
planos: Jean assim que chegara de viagem lhe telefonara informando que alguns
detalhes deviam ser mudados pela segurança do grupo, ao mesmo tempo em que fora informado das decisões tomadas na
última reunião à qual se ausentara.
Seriam apenas quatro alvos pois ele não havia
conseguido adquirir a quantidade de explosivos necessária para os seis como
havia sido planejado. Sendo assim Renzo e Paulo podiam ir trabalhar
normalmente, assim como fizeram na última ação, evitando assim que alguma
suspeita caísse sobre eles. Embora não tivesse conseguido adquirir a quantidade
encomendada, os quatros explosivos possuíam um maior poder de destruição em
relação aos utilizados até então.
Tais decisões foram comunicadas ao grupo por
Jean, que visitou os demais membros a pedido de Hanz que já previa uma reação
negativa por parte de Paulo que aparentemente
já tinha uma rixa pessoal com ele.
Claro que Paulo ficou insatisfeito com a
decisão mas não teve uma reação mais descontrolada estando diante de Jean.
Mas ainda seria alugado um carro para que
Cibele executasse seu papel, de forma que Paulo poderia ir trabalhar com o
deles. Tudo para que não houvesse suspeita alguma do envolvimento de quem quer
que fosse nas ações.
Em sua última ação hacker Hanz havia
conseguido o dinheiro necessário para o aluguel do carro e estudava a
possibilidade de ele mesmo utilizá-lo enquanto a garota ficar com seu jipe de
forma que a locadora não suspeitasse da alta quilometragem do veículo. Mas isso
seria decidido na próxima reunião, pois não lhe agradava em nada a
possibilidade de outra pessoa dirigir seu carro. Ele era ciumento, mas seria
pelo bem dele e do grupo.
Brutus, como de costume, teria uma agitada
noite perseguindo os gatos pelo quintal.
Hanz já apagava as luzes encaminhando-se para
o quarto quando uma voz chamando-lhe no portão mudou seus planos.
“Pô, quem será a essa hora?” – pensou
irritado.
O chamado se repetiu e Hanz abriu a porta da
sala para receber a inoportuna visita. Para sua surpresa não havia ninguém,
apenas Brutus que observava o portão como se realmente alguém estivesse ali.
Somente a sinfonia de grilos era ouvida.
Sonolento, fechou a porta desistindo de manter-se
acordado, a voz deveria ser alguma peça pregada pelo forte sono que sentia.
Mas novamente ouviu seu nome, de forma ainda
mais nítida, uma voz masculina que ele não reconhecia. De imediato despertou de
sua sonolência e voltou-se para a porta.
Hesitou em abri-la, lembrou-se do que andava
fazendo e imaginou que pudesse ser algum tipo de armadilha.
Parado em frente à porta, aguardava ouvir
algum som que indicasse o que se passava, mas nem sequer Brutus latia, o que
era muito estranho pois sempre que alguém chegava no portão ele era o primeiro
a dar o alarme. Somente a sinfonia de grilos permanecia.
Estava estático, sem saber qual atitude
tomar, seu coração disparado revelava seu nervosismo, um sentimento muito maior
do que normalmente tinha mesmo durante a execução das ações.
Um verdadeiro grito veio do portão, fazendo
Hanz dar um pulo de susto.
- Hanz!!! Cuidado meu filho!! Já te disse:
cuidado!!!! – gritou a voz.
- Mas que merda é essa? – gritou Hanz abrindo
a porta e indo para o quintal.
Brutus permanecia no mesmo local e da mesma
forma, encarando o portão totalmente silencioso.
Não vendo ninguém Hanz correu até o portão,
olhou para a rua através das grades e não identificou nenhum movimento.
Correu para buscar as chaves do portão e rapidamente
retornou para o abrir, lançando-se à calçada.
A rua estava totalmente deserta.
- O que tá acontecendo afinal? Se querem me
dizer alguma coisa sejam mais diretos!!! – disse em voz alta como se alguém
escondido o ouvisse.
Brutus sentou-se ao seu lado em silêncio.
Acariciando a cabeça do animal que o
acompanhava Hanz aguardava algum tipo de resposta, algum sinal que revelasse o
autor dos gritos.
Surpreendeu-se com os faróis de um carro que
dobrava a esquina velozmente e vinha em sua direção.
Após seus olhos acostumarem-se com a
claridade Hanz conseguiu identificar o carro de Renzo.
- O que tá fazendo aí fiote? Hum... acho que
já sei. Deve estar se despedindo de alguma mocinha que foi embora né menininho
maroto? – disse Renzo estacionando seu carro em frente ao amigo.
- Sossega desses papo meu, não é nada disso.
Pela resposta seca do amigo Renzo percebeu
que algo não estava bem e já ao lado dele ofereceu ajuda.
- Foi mal fiu. Conta aí, o que tá
acontecendo? Você tá com uma cara... parece que viu um fantasma.
Hanz olhou seriamente para o amigo que
chegara como que confirmando sua suposição.
- Entra aí meu, lá dentro a gente conversa.
Os três seguiram para a sala, Hanz nem se
importou com Brutus deitando no tapete, sinal de que realmente estava
transtornado.
Renzo estava com os olhos esbugalhados,
principalmente após o amigo ter-lhe contado o que acabara de acontecer.
- ...é estranho meu, desde aquele sonho de
que te falei tenho a impressão que tem algo importante que alguém quer me
dizer.
- Eu também fiquei grilado daquela vez mas
tomei minha decisão e esqueci daquilo fiu. Só que no seu caso a coisa parece
ser bem mais insistente.
- É como se houvesse algum perigo de que
quisessem me alertar, mas o quê? Estava muito preocupado na última ação, mas
nada de anormal aconteceu e tá tudo legal... Eu sei que o que fazemos envolve
um grande risco mas sobre o que querem me alertar? Que merda meu... isso irrita
pô!!! Se querem dizer alguma coisa então digam logo em vez de ficarem com meias
palavras!!!!
- Calma fiu, não adianta estressar!!
Os dois ficaram em silêncio um pouco,
mergulhados em seus pensamentos, até que foram trazidos à realidade por Brutus
que disparara para o quintal atrás de um gato.
- Mas me fala aí meu, o que aconteceu pra
você aparecer aqui assim de repente?
- Pois é foi, o negócio tá complicado. A
Cibele me ligou agora pouco chorando. Disse que o Paulão anda dando umas
sumidas direto e dá umas desculpas nada a ver. Disse que ele tá muito estranho
ultimamente e ela não sabe o que tá acontecendo com ele. Ela me ligou pra saber
se ele estava comigo mas eu não vi ele hoje.
- É... todo mundo já percebeu faz tempo que o
cara tá esquisito. Desde aquela reunião pra decidir o último ataque. Lembra de
como ele estava esquisito na reunião que a Bianca veio em casa e das idéias
dele pro meu lado com papo de grana e tudo o mais? Pô, qualquer um pensaria que
essas escapadas dele poderiam ser por causa de rabo de saia, mas o
comportamento dele mudou em relação ao grupo também e isso dá a impressão de
que tem alguma coisa muito maior por trás desses sumiços.
- Verdade, se fosse o caso de ter arrumado
uma amante não teria motivo pra ele ficar agressivo com o grupo... O meu medo é
que ele acabe ferrando a gente fiote.
- Eu estava preocupado com isso uns tempos
mas acabei deixando de lado, mas é um caso a se pensar, ele anda descontente
com tudo, e parece que piorou ainda mais agora que ele ficará de fora das ações
pela segunda vez seguida.
- Mas eu também tô de fora e nem por isso tô
agindo igual a ele. Não sei, mas ele anda muito estranho, e esses sumiços
dele... isso não tá me cheirando nada bem.
- Será que ele tá metido com drogas?
- Hum... olha, ele usava na época que era
desandado, isso ele mesmo me contou, mas hoje acho difícil. Pelo papo moralista
dele acho difícil ele voltar a mexer com essas porcarias.
- É Renzo, é complicado isso. Eu cheguei até
pensar em cortar ele do grupo mas não tem como fazer isso. Se isso acontecesse
daí sim o cara ia pirar de vez e estaríamos correndo um risco enorme.
- É, isso não seria uma boa não fiu. O pior é
que fui eu quem te indicou o cara pra entrar no esquema. Várias vezes já me
arrependi de ter feito isso.
- Desencana dessas idéias meu, cada um é
responsável por si. Tenho certeza de que se você soubesse que ele passaria a
agir assim jamais o teria colocado no esquema. Se ele hoje tá participando do
grupo é porque confiamos nele, se não confiássemos não o teríamos deixado
participar, a culpa não é sua não. O problema é que ele tá esquisito de uns
tempos pra cá, como alguém podia adivinhar que ele agiria assim? Você já
conversou com ele e não descobriu nada?
- Ah, eu perguntei o que ele tinha e tal, daí
ele disse que estava com problemas de dinheiro, que ele e a Ci andavam brigando
muito... essas coisas... Mas até que ponto é só isso mesmo eu já não sei. Tô
achando que o jeito é seguir o cara e tentar descobrir onde ele se enfia quando
dá essas sumidas, pelos menos assim ficamos sabendo o que ele tem feito quando
tá sozinho.
- É uma boa idéia. Mas esse alguém terá que
ser você meu. Durante o dia é só você que tem tempo pra isso e acho melhor nem
falar nada disso com o resto do pessoal, eles podem não ser tão pacientes
quanto a gente.
- Tá beleza, deixa comigo então fiote, não
tem problema não. Antes de falar alguma coisa pro pessoal é melhor saber
direito o que ele tem. Vou ficar de olho nele e tentar descobrir o que tá
rolando. Qualquer novidade eu te telefono. Deixa eu ir nessa então, tô ligado
que amanhã você madruga e dá pra perceber que você tá quebradão. – fala Renzo
se levantando.
Hanz o acompanha.
- É meu, eu tô mal mesmo hoje, não sei o que
me deu, eu costumo ir dormir bem mais tarde mas hoje não sei o que acontece...
Renzo parte prometendo investigar Paulo,
ambos acreditavam que o rapaz podia estar colocando em risco a segurança do
grupo.
Hanz finalmente pôde ir dormir...
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