terça-feira, 11 de março de 2014

Capítulo XXIV

Oscar Mendes Filho


  Para Hanz o restante da semana correu normalmente, já Cibele não sabia o que fazer em relação ao comportamento de Paulo. Várias vezes brigaram por esse motivo mas o jovem não deixava transparecer nada, não dava nenhuma pista sobre o verdadeiro motivo de ele estar agindo daquela maneira, era muito estranho. Passara a tratar tanto ela como o garoto com o carinho de sempre mas saía sem avisar e ficava horas sem dar notícias, inventando desculpas esfarrapadas sobre isso.
  Deixara de conversar com ela sobre assuntos como política e injustiça social, assuntos que sempre fizeram parte do seu dia a dia e parecia ignorar a existência do grupo do qual faziam parte.
  Renzo ainda não tinha tido chance de segui-lo para tentar descobrir o que ele fazia nessas escapadas pois treinava à tarde, que era o horário em que ele dava suas escapadas misteriosas, mas tinha que dar um jeito de ir atrás dele.
  Chegou o domingo e havia sido combinado de todos irem à casa de Jean à noite para buscarem seu “material de trabalho”, era bom variar um pouco o local das reuniões para evitar chamar a atenção dos vizinhos de Hanz.
  O ex-militar morava numa casa em um bairro afastado, uma espécie de chácara, mas sem os costumeiros itens de conforto encontrados nesse tipo de moradia.
  Morava com sua mãe, mas aproveitara uma viajem dela para oferecer sua cara para a reunião.
  Todos já se encontravam no local, que tinha um acesso bastante complicado devido às ruas de terra que levavam até lá. Por sorte não chovera, pois isso dificultaria ainda mais a chegada ao local.
  Eram quase vinte e uma horas.
  Ao ver Cibele sozinha Hanz não hesitou em indagar sobre o paradeiro de Paulo.
  - Hoje ele teve que ficar em casa porque não tivemos com quem deixar o Henrique, daí ele ficou com ele. – foi sua resposta.
  Apesar de convincente, o fato causava estranheza, pois o mais lógico seria o papel ser o inverso, Paulo comparecer à reunião e Cibele ficar com o garoto.
  Tal atitude demonstrava um possível descaso de Paulo para com a reunião e o grupo.
  Jean entregou-lhes as pistolas, todas automáticas, e deu as devidas instruções de como deveriam utilizá-las, principalmente à Hanz e Cibele, que jamais tinham utilizado algo parecido. Fizeram alguns disparos no quintal com as armas munidas de silenciador, para que todos tivessem plena certeza de que eles sabiam manusear as armas.
  O cheiro de cigarro parecia estar impregnado nas paredes do lugar, dificilmente Jean era visto sem um na boca.
  - Quem preferir levar o silenciador pode ficar a vontade, é mais seguro mas o problema é que ela fica bem maior, aí é com vocês.
  - Seria legal todos levarem o silenciador e dele fazerem uso de acordo com a necessidade. – disse Hanz.
  - Como quiserem, eles estão aí para serem usados. É que com eles a pistola fica enorme, mas aí vai da preferência de cada um. Só peço que me devolvam o material depois da ação tudo bem? Primeiro porque não há necessidade de ficarem com ela depois disso e também porque... digamos que fazem parte da minha coleção.
  Todos riram de Jean mas concordaram com seu pedido.
  Indo à uma edícula atrás da casa Jean foi lhes apresentando à estrela daquela noite: os novos explosivos que trouxera de viajem.
  Era impressionante a tecnologia daquele armamento, com certeza o poder de destruição dele era enorme. Cada um recebeu duas unidades que, segundo Jean, eram o suficiente para o ataque que fariam.
  O ponto positivo da morada de Jean era que o espaço  em seu quintal permitia que todos pudessem guardar seus carros em seu interior, de forma que ninguém poderia ver os pacotes que cada um carregava.
  - Bom gente, agora é só esperar o grande dia. – disse Jean não contendo a ansiedade.
  - Com certeza cara, nosso próximo ataque vai entrar para a história!! – diz Renzo.
  Realmente o estrago que fariam seria enorme, várias cidades num raio de quilômetros ficariam na escuridão por muitas horas pois a rede elétrica era toda interligada e o tempo necessário para que os devidos consertos fossem realizados seria grande.
  Dessa vez o governo teria que ceder às suas reivindicações. A opinião pública se voltaria contra ele. E o mais importante: sem mortes.
  - Vou pegar o carro na sexta Cibele, passa em casa no domingo à noite pra pegá-lo. Assim que você voltar da ação você o entrega pra mim que na terça-feira eu o devolvo na locadora, tá certo assim?
  - Tá ótimo, mas pegue um carro bem simples porque eu não sei dirigir esses carros mais modernos tá?
  - Tá certo, pode deixar. Bom gente, vamos fazer tudo certinho, cada um dando conta da sua parte como sempre aconteceu e não teremos problema algum. Agora deixem eu ir nessa porque amanhã é segundona. – despediu-se Hanz.
  - Verdade... nossa, o sihing vai me arrancar o couro no treino amanhã... – diz Renzo levantando-se também.
  Todos decidem ir embora já que tudo estava combinado. Não havia necessidade de prolongarem a reunião.
  Na despedida são feitos alguns acertos particulares.
  - Aí grandão, vê aquele negócio do nosso amigo meu. Eu sei que você também é ocupado mas alguma coisa não me cheira bem.
  - Certo fiote, eu também tenho um pressentimento estranho, sei lá o que é. Até o final de semana eu já terei descoberto o que ele anda fazendo, fica sossegado.
  A tensão que costumava haver nos dias que antecediam a data de uma ação do grupo sempre foi grande mas havia algo no ar que fazia a ansiedade ser ainda maior que a de costume.
  Mas haviam outras preocupações com as quais determinados membros do grupo deviam se ater durante essa semana pois todos tinham seus problemas particulares.
  Na terça-feira Hanz já havia voltado do trabalho fazia um bom tempo e enquanto jantava aproveitava para assistir ai jornal local na tv. Sem novidades, até que uma notícia o preocupou: dois dos meliantes presos no episódio do ataque à Renzo haviam fugido da cadeia e ele pôde identificá-los através das fotos exibidas na reportagem.
  - Fica de olho aí no quintal Brutus, qualquer coisa entranha bote pra quebrar!!!! – gritou ele ao cão que estava deitado à porta da sala que estava aberta.
  “Vou terminar de comer e ligar pro Renzo, algo me diz que isso ainda vai dar problemas.” – pensou ele.
  Havia a possibilidade de os fugitivos sumirem da região já que tratavam-se de foragidos da lei e a cidade estava infestada de policiais devido aos ataques ocorridos, mas diante dos acontecimentos inexplicáveis que estavam acontecendo, Hanz preferia tomar um maior cuidado.
  Antes do término da refeição o telefone de Hanz tocou, era Renzo.
  - Nossa meu, tava pensando em você, já ia te telefonar.
  - Ixi, sai fora fiu, eu tenho namorada e você não faz o meu tipo não, tá louco é?? – brincava o gozador.
  - Puts... fica quieto seu louco, você não tá vendo o jornal não?
  - Não, acabei de chegar em casa, estava atrás do nosso colega, o que tem no jornal?
  - Teve uma fuga na penitenciária e dois daqueles caras que atacaram você conseguiram fugir. Isso não tá me cheirando bem meu.
  - Ah fiu... não acredito nisso!!! Vou te falar viu fiote, esse país é uma piada mesmo, pelo amor de Deus!!! Como que aqueles manés podem fugir pô? – inconformava-se Renzo.
  - É, tá uma festa mesmo, toda semana tem fuga, tem rebelião... Mas não é disso que eu tô querendo falar meu, é que eu tô achando que há o risco de eles virem atrás da gente.
  - Não sei não, acho que eles não se arriscariam a ficar aqui na cidade não fiote. Isso aqui tá fervilhando de polícia por causa das ações...  Seria muita burrice deles ficarem por aqui.
  - Eu também pensei assim logo de cara, mas o que tá me preocupando são aqueles avisos, aqueles papos esquisitos que estão acontecendo com a gente meu. Nós estávamos achando que podia estar relacionado àquele nosso outro papo, mas acho que pode ser sobre esses malaco meu...
  - Bem lembrado fiote, não tinha pensado nisso, na verdade tinha até esquecido deles. Em todo caso é melhor tomar cuidado, mas podemos aproveitar o brinquedo que o Jean arrumou pra gente...
  - Espero que não precise, mas em todo caso podemos pedir pro Jean liberar o troço pra gente por um tempo maior.
  - É, podemos falar com ele. Mas eu te liguei pra te falar do Paulão.
  - Ah é? E o que você descobriu dele?
  - Pior que o cara não tá fazendo nada de mais fiote. Ele foi numa lanchonete perto da faculdade de odontologia e ficou tomando cerveja com dois caras, depois voltou pra casa. – relatou desanimadamente o grandalhão.
  No fundo até mesmo Hanz esperava mais que isso.
  - Pô, mas toda vez que ele some ele faz isso? Estranho... tô achando essa história muito esquisita meu.
  - Não sei fiote, mas todo mundo já percebeu que ele tá mudado, a Tatiana comentou comigo aquele dia na casa do Jean. Amanhã vou atrás dele de novo só pra confirmar isso, vamos ver no que vai dar.
  - Tá certo, essa história tá muito estranha, deve ter alguma coisa por trás disso. Esses dois caras que estavam com ele você sabe quem são?
  - Que eu me lembre acho que nunca vi os caras, mas eu também não sou muito de guardar fisionomia fiote... Em todo caso amanhã eu tiro essa nossa cisma certo?
  - Ok meu, e olha, fica esperto por causa desse papo que te falei.
  - Pode deixar fiu, se os malacos vierem atrás de mim terão uma surpresinha nada agradável. E sabe fiote, até que isso veio bem a calhar, caso a PM pegue a gente armado nós dois temos uma boa desculpa pra dar.
  -Verdade, nem tinha pensado por esse lado, mas ainda espero que nem precisemos mexer nas coisinhas. Me liga amanhã pra me contar o que você descobriu beleza? Se cuida.
  - Certo fiote, ligo sim. Se cuida também, até mais.
  Hanz desligou e pôs-se a terminar seu jantar. Estava um pouco mais tranqüilo em relação à fuga dos meliantes, seria mesmo improvável que ficassem na cidade que estava cheia de policiais por todos os lados. Em todo caso ficaria com a arma durante aqueles dias, somente por garantia.
  O que mais o intrigava no momento erro o caso do Paulo.
  Se os sumiços do rapaz fossem devido à um relacionamento extraconjugal seria mais fácil entender tanto esse problema como sua mudança de comportamento, mas encontros com homens era bem mais preocupante principalmente pelo fato de os dois serem pessoas que Renzo desconhecia.
  Só restava aguardar o dia seguinte e ver o que Renzo descobriria.
  Se até então o fantasma da preocupação assombrava com maior persistência apenas Renzo e Hanz, a semana ainda reservava surpresas que levariam esse fantasma à assombrar todo o grupo.

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