Para Hanz o restante da semana correu
normalmente, já Cibele não sabia o que fazer em relação ao comportamento de Paulo.
Várias vezes brigaram por esse motivo mas o jovem não deixava transparecer
nada, não dava nenhuma pista sobre o verdadeiro motivo de ele estar agindo
daquela maneira, era muito estranho. Passara a tratar tanto ela como o garoto
com o carinho de sempre mas saía sem avisar e ficava horas sem dar notícias,
inventando desculpas esfarrapadas sobre isso.
Deixara de conversar com ela sobre assuntos
como política e injustiça social, assuntos que sempre fizeram parte do seu dia
a dia e parecia ignorar a existência do grupo do qual faziam parte.
Renzo ainda não tinha tido chance de segui-lo
para tentar descobrir o que ele fazia nessas escapadas pois treinava à tarde,
que era o horário em que ele dava suas escapadas misteriosas, mas tinha que dar
um jeito de ir atrás dele.
Chegou o domingo e havia sido combinado de
todos irem à casa de Jean à noite para buscarem seu “material de trabalho”, era
bom variar um pouco o local das reuniões para evitar chamar a atenção dos
vizinhos de Hanz.
O ex-militar morava numa casa em um bairro
afastado, uma espécie de chácara, mas sem os costumeiros itens de conforto
encontrados nesse tipo de moradia.
Morava com sua mãe, mas aproveitara uma
viajem dela para oferecer sua cara para a reunião.
Todos já se encontravam no local, que tinha
um acesso bastante complicado devido às ruas de terra que levavam até lá. Por
sorte não chovera, pois isso dificultaria ainda mais a chegada ao local.
Eram quase vinte e uma horas.
Ao ver Cibele sozinha Hanz não hesitou em
indagar sobre o paradeiro de Paulo.
- Hoje ele teve que ficar em casa porque não
tivemos com quem deixar o Henrique, daí ele ficou com ele. – foi sua resposta.
Apesar de convincente, o fato causava
estranheza, pois o mais lógico seria o papel ser o inverso, Paulo comparecer à
reunião e Cibele ficar com o garoto.
Tal atitude demonstrava um possível descaso
de Paulo para com a reunião e o grupo.
Jean entregou-lhes as pistolas, todas
automáticas, e deu as devidas instruções de como deveriam utilizá-las,
principalmente à Hanz e Cibele, que jamais tinham utilizado algo parecido.
Fizeram alguns disparos no quintal com as armas munidas de silenciador, para
que todos tivessem plena certeza de que eles sabiam manusear as armas.
O cheiro de cigarro parecia estar impregnado nas
paredes do lugar, dificilmente Jean era visto sem um na boca.
- Quem preferir levar o silenciador pode
ficar a vontade, é mais seguro mas o problema é que ela fica bem maior, aí é
com vocês.
- Seria legal todos levarem o silenciador e
dele fazerem uso de acordo com a necessidade. – disse Hanz.
- Como quiserem, eles estão aí para serem
usados. É que com eles a pistola fica enorme, mas aí vai da preferência de cada
um. Só peço que me devolvam o material depois da ação tudo bem? Primeiro porque
não há necessidade de ficarem com ela depois disso e também porque... digamos
que fazem parte da minha coleção.
Todos riram de Jean mas concordaram com seu
pedido.
Indo à uma edícula atrás da casa Jean foi
lhes apresentando à estrela daquela noite: os novos explosivos que trouxera de
viajem.
Era impressionante a tecnologia daquele
armamento, com certeza o poder de destruição dele era enorme. Cada um recebeu
duas unidades que, segundo Jean, eram o suficiente para o ataque que fariam.
O ponto positivo da morada de Jean era que o
espaço em seu quintal permitia que todos
pudessem guardar seus carros em seu interior, de forma que ninguém poderia ver
os pacotes que cada um carregava.
- Bom gente, agora é só esperar o grande dia.
– disse Jean não contendo a ansiedade.
- Com certeza cara, nosso próximo ataque vai
entrar para a história!! – diz Renzo.
Realmente o estrago que fariam seria enorme,
várias cidades num raio de quilômetros ficariam na escuridão por muitas horas
pois a rede elétrica era toda interligada e o tempo necessário para que os
devidos consertos fossem realizados seria grande.
Dessa vez o governo teria que ceder às suas
reivindicações. A opinião pública se voltaria contra ele. E o mais importante:
sem mortes.
- Vou pegar o carro na sexta Cibele, passa em
casa no domingo à noite pra pegá-lo. Assim que você voltar da ação você o
entrega pra mim que na terça-feira eu o devolvo na locadora, tá certo assim?
- Tá ótimo, mas pegue um carro bem simples
porque eu não sei dirigir esses carros mais modernos tá?
- Tá certo, pode deixar. Bom gente, vamos
fazer tudo certinho, cada um dando conta da sua parte como sempre aconteceu e
não teremos problema algum. Agora deixem eu ir nessa porque amanhã é segundona.
– despediu-se Hanz.
- Verdade... nossa, o sihing vai me arrancar
o couro no treino amanhã... – diz Renzo levantando-se também.
Todos decidem ir embora já que tudo estava
combinado. Não havia necessidade de prolongarem a reunião.
Na despedida são feitos alguns acertos
particulares.
- Aí grandão, vê aquele negócio do nosso
amigo meu. Eu sei que você também é ocupado mas alguma coisa não me cheira bem.
- Certo fiote, eu também tenho um
pressentimento estranho, sei lá o que é. Até o final de semana eu já terei
descoberto o que ele anda fazendo, fica sossegado.
A tensão que costumava haver nos dias que
antecediam a data de uma ação do grupo sempre foi grande mas havia algo no ar
que fazia a ansiedade ser ainda maior que a de costume.
Mas haviam outras preocupações com as quais
determinados membros do grupo deviam se ater durante essa semana pois todos
tinham seus problemas particulares.
Na terça-feira Hanz já havia voltado do
trabalho fazia um bom tempo e enquanto jantava aproveitava para assistir ai
jornal local na tv. Sem novidades, até que uma notícia o preocupou: dois dos
meliantes presos no episódio do ataque à Renzo haviam fugido da cadeia e ele
pôde identificá-los através das fotos exibidas na reportagem.
- Fica de olho aí no quintal Brutus, qualquer
coisa entranha bote pra quebrar!!!! – gritou ele ao cão que estava deitado à
porta da sala que estava aberta.
“Vou terminar de comer e ligar pro Renzo,
algo me diz que isso ainda vai dar problemas.” – pensou ele.
Havia a possibilidade de os fugitivos sumirem
da região já que tratavam-se de foragidos da lei e a cidade estava infestada de
policiais devido aos ataques ocorridos, mas diante dos acontecimentos
inexplicáveis que estavam acontecendo, Hanz preferia tomar um maior cuidado.
Antes do término da refeição o telefone de
Hanz tocou, era Renzo.
- Nossa meu, tava pensando em você, já ia te
telefonar.
- Ixi, sai fora fiu, eu tenho namorada e você
não faz o meu tipo não, tá louco é?? – brincava o gozador.
- Puts... fica quieto seu louco, você não tá
vendo o jornal não?
- Não, acabei de chegar em casa, estava atrás
do nosso colega, o que tem no jornal?
- Teve uma fuga na penitenciária e dois
daqueles caras que atacaram você conseguiram fugir. Isso não tá me cheirando
bem meu.
- Ah fiu... não acredito nisso!!! Vou te falar
viu fiote, esse país é uma piada mesmo, pelo amor de Deus!!! Como que aqueles
manés podem fugir pô? – inconformava-se Renzo.
- É, tá uma festa mesmo, toda semana tem
fuga, tem rebelião... Mas não é disso que eu tô querendo falar meu, é que eu tô
achando que há o risco de eles virem atrás da gente.
- Não sei não, acho que eles não se
arriscariam a ficar aqui na cidade não fiote. Isso aqui tá fervilhando de
polícia por causa das ações... Seria
muita burrice deles ficarem por aqui.
- Eu também pensei assim logo de cara, mas o
que tá me preocupando são aqueles avisos, aqueles papos esquisitos que estão
acontecendo com a gente meu. Nós estávamos achando que podia estar relacionado
àquele nosso outro papo, mas acho que pode ser sobre esses malaco meu...
- Bem lembrado fiote, não tinha pensado
nisso, na verdade tinha até esquecido deles. Em todo caso é melhor tomar
cuidado, mas podemos aproveitar o brinquedo que o Jean arrumou pra gente...
- Espero que não precise, mas em todo caso
podemos pedir pro Jean liberar o troço pra gente por um tempo maior.
- É, podemos falar com ele. Mas eu te liguei
pra te falar do Paulão.
- Ah é? E o que você descobriu dele?
- Pior que o cara não tá fazendo nada de mais
fiote. Ele foi numa lanchonete perto da faculdade de odontologia e ficou
tomando cerveja com dois caras, depois voltou pra casa. – relatou
desanimadamente o grandalhão.
No fundo até mesmo Hanz esperava mais que
isso.
- Pô, mas toda vez que ele some ele faz isso?
Estranho... tô achando essa história muito esquisita meu.
- Não sei fiote, mas todo mundo já percebeu
que ele tá mudado, a Tatiana comentou comigo aquele dia na casa do Jean. Amanhã
vou atrás dele de novo só pra confirmar isso, vamos ver no que vai dar.
- Tá certo, essa história tá muito estranha,
deve ter alguma coisa por trás disso. Esses dois caras que estavam com ele você
sabe quem são?
- Que eu me lembre acho que nunca vi os
caras, mas eu também não sou muito de guardar fisionomia fiote... Em todo caso
amanhã eu tiro essa nossa cisma certo?
- Ok meu, e olha, fica esperto por causa
desse papo que te falei.
- Pode deixar fiu, se os malacos vierem atrás
de mim terão uma surpresinha nada agradável. E sabe fiote, até que isso veio
bem a calhar, caso a PM pegue a gente armado nós dois temos uma boa desculpa
pra dar.
-Verdade, nem tinha pensado por esse lado,
mas ainda espero que nem precisemos mexer nas coisinhas. Me liga amanhã pra me
contar o que você descobriu beleza? Se cuida.
- Certo fiote, ligo sim. Se cuida também, até
mais.
Hanz
desligou e pôs-se a terminar seu jantar. Estava um pouco mais tranqüilo em
relação à fuga dos meliantes, seria mesmo improvável que ficassem na cidade que
estava cheia de policiais por todos os lados. Em todo caso ficaria com a arma
durante aqueles dias, somente por garantia.
O que mais o intrigava no momento erro o caso
do Paulo.
Se os sumiços do rapaz fossem devido à um
relacionamento extraconjugal seria mais fácil entender tanto esse problema como
sua mudança de comportamento, mas encontros com homens era bem mais preocupante
principalmente pelo fato de os dois serem pessoas que Renzo desconhecia.
Só restava aguardar o dia seguinte e ver o
que Renzo descobriria.
Se até então o fantasma da preocupação
assombrava com maior persistência apenas Renzo e Hanz, a semana ainda reservava
surpresas que levariam esse fantasma à assombrar todo o grupo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário