terça-feira, 25 de março de 2014

Capítulo XXVI



  O sábado estava chuvoso, mas a temperatura era bastante agradável. Hanz preparava o café da manhã ainda que o horário do almoço não estivesse distante, mas visto que era final de semana, aquilo pouco importava.
  Estava animado, não sabia bem o motivo, mas havia acordado bem disposto naquele dia, até que o telefone tocou.
  - Hanz, aqui é o Jean, você tá vendo TV?
  - Não, calma aí. – preocupou-se Hanz procurando o controle da televisão.
  - Dá uma olhada e depois me liga de volta, até já. – finalizou Jean que parecia bastante nervoso.
  O nervosismo acometeu também Hanz ao ver as cenas na televisão: o edifício do fórum de uma cidade ali próxima havia sido incendiado.
  Os repórteres informavam que algumas testemunhas haviam presenciado três pessoas lançando bombas no edifício e a opinião parecia ser unânime: tratava-se de mais uma ação do grupo, ao menos as pessoas assim pensavam.
  Nenhum suspeito havia sido preso, ninguém havia recebido declaração alguma justificando aquele ataque e dois vigilantes haviam sido feridos no ataque, essas últimas evidências já eram suficientes para provar que aquela não era obra do grupo.
  Hanz estava ainda perplexo e tentava colocar as idéias no lugar. Precisava calcular até que ponto aquilo podia influenciar nos planos do grupo.
  Respirou fundo e telefonou de volta para Jean.
  - O que você acha disso meu?
  - Alguém deve estar querendo se fazer passar pela gente, ou então apenas querendo pegar uma carona nas ações do grupo. Mas de qualquer forma acho que os planos em nada foram afetados pelo que aconteceu.
  - Está mais do que claro que não tem como atribuírem o que aconteceu ao grupo, quem fez isso realmente é extremamente amador. O problema é que nas ações do grupo não existem pistas para serem comparadas com as de hoje.
  - Você é esperto e tem boa visão Hanz, mas ainda é muito inocente. Você acha mesmo que a polícia ainda não tem pista nenhuma? Claro que eles já têm, mas não divulgam nada para não atrapalhar nas investigações.
  O rapaz ficou meio sem graça com a afirmação do amigo.
  - Hum... bom... pelo menos assim então eles podem fazer as comparações e perceberem que essa ação de hoje não é da autoria do grupo.
  - Fica calmo, isso com certeza eles já sabem. O que eles devem estar loucos para descobrir é quem são os autores desse ataque de hoje, pois pode estar surgindo um novo grupo. Não se sabe se com os mesmos ideais do grupo já existente, mas em nada deve agradá-los essa hipótese.
  - Verdade Jean, não tinha ainda pensado nisso.
  - Se bem que, pelo amadorismo de quem fez esse ataque, deve tratar-se somente de um bando de moleques querendo pegar carona nas ações do grupo. Caso se trate de um novo grupo mesmo, agindo assim de forma tão descuidada, não durarão muito. Logo, logo a polícia coloca as mãos neles.
  - Com certeza meu. Os caras até deixaram testemunhas, eles são ruins demais.
  - É verdade. Hanz, vamos fazer o seguinte cara. Eu vou ligar pra Tati pra dizer que tudo continua no esquema, você liga pros outros dois beleza?
  - Tá certo. Todo mundo deve estar doido com o que aconteceu. O carango já tá na garagem, tá tudo pago, tudo certo, agora é só esperar a hora da viagem.
  Hanz já havia alugado o carro que Cibele usaria na ação do dia seguinte e o havia guardado em sua garagem. Como não cabiam os dois carros, ele havia estacionado seu jipe em frente à ela para assim disfarçar a presença de um novo carro em sua casa. Todo cuidado era pouco.
  Mas nem sequer teve a chance de telefonar, mal colocara o aparelho de volta no gancho, o telefone já tocou. Era Renzo.
  - ... isso é coisa de moleque querendo pegar embalo no grupo fiu, tem que pegar esses caras de pau!!!! Eles vão ferrar com o grupo!!!! – revoltava-se ele.
  - Pára com isso meu. Ninguém tá ferrando com nada. O esquema continua o mesmo, não há motivo pra preocupação. Qualquer idiota vê que isso que aconteceu hoje não é obra do grupo. Se nem a polícia pegou os caras ainda, não será a gente que vai pegar não é? Falei com o Jean e tudo continua na mesma. Agora, fica calmo aí que eu vou ligar pro Paulo pra dar a informação pra ele também, todo mundo deve tá na pilha com o que aconteceu, mas não tem porque....
  - Tá certo fiote, se vocês decidiram isso por mim tá tudo bem. Acho que vocês tem razão mesmo. Mas liga pro Paulo logo porque eu tava falando com ele ainda agora e eles por lá tão achando que a parada já era, que terá que ser adiada. Seu telefone tava dando ocupado e eu liguei pra ele.
  - Tá certo, eu vou ligar pra eles então. Só me diz uma coisa meu, o Paulo ficou até fechar ontem na boate?
  - Ficou sim, até falei com ele na hora de sair. Quando eu vi o ataque na TV já me veio logo esse medo na cabeça, mas fica tranqüilo que ele tá limpo.
  - Hum... sei. Menos mal então. Bom Renzo, deixa eu ligar lá pra ele. Depois a gente se fala beleza? Fica tranqüilo aí.
  Imediatamente Hanz já telefona para Paulo, ele mesmo atende.
  - Ainda bem que você ligou mano. A Ci tá toda aflita aqui achando que pode complicar pra gente isso que aconteceu. Pelo jeito nosso plano pra amanhã já era heim... sem chance, os caras ferraram legal.
  - Fala pra ela ficar tranqüila porque tá na cara que isso que aconteceu hoje não tem como ser atribuído ao grupo. Qualquer cego vê isso. Tudo continua na mesma, não haverá mudança nenhuma.
  - Vocês tão loucos é? Tô vendo aqui na televisão cara, tá todo mundo achando que é coisa nossa...
  - Presta atenção no que você tá falando meu, toma cuidado aí porra. – Hanz adverte Paulo sobre o que ele estava falando, Nos contatos telefônicos certas palavras costumavam ser sub-entendidas para evitar deixar rastro no caso de haver alguma escuta telefônica, e Paulo parecia esquecer-se disso diante do nervosismo.
  - Beleza mano, foi mal, Mas porra, eu tô achando que é muita bandeira a gente prosseguir no esquema que foi combinado. Isso vai acabar complicando ainda mano, tô cabreiro com isso e a Ci também.
  - Bom meu, foi como eu já disse. Tudo continua na mesma, fiquem calmos por aí e estejam tranqüilos pro programado, tudo segue conforme havia sido combinado. Se você quiser, eu falo com a Cibele. – Hanz já não tinha mais tanta paciência com Paulo, que ultimamente divergia de todas as decisões tomadas pelo grupo.
  - Não precisa não mano, pode deixar que eu falo com minha esposa. Se vocês já decidiram tudo tá beleza então, não é novidade nenhuma isso. Até mais.
  Hanz nem teve tempo de se despedir, Paulo já desligara o telefone na sua cara, visivelmente aborrecido com a decisão tomada pelo grupo. Aquilo o irritava ainda mais, nada do que o grupo decidia parecia agradá-lo e ninguém conseguia entender o motivo de Paulo relutar tanto diante da ação do dia seguinte.
  Hanz voltou então a preparar seu lanche matinal, todos já haviam sido avisados e agora só restava aguardar o momento da ação.
  O ataque até então anônimo foi noticiado por todos os telejornais ao longo do dia e aos poucos a primeira impressão de que o ataque fosse obra do grupo dos nossos já conhecidos amigos ia desaparecendo. Era evidente que tratavam-se de outras pessoas envolvidas naquele ataque, as características eram totalmente diferentes, e a população parecia enxergar isso agora que havia passado o primeiro impacto.
  Mas quais os motivos do ataque? Quem o teria realizado? Será que esse pessoal nutria os mesmos ideais do grupo de Hanz e seus amigos?
  Com o tempo provavelmente essas perguntas encontrariam suas respostas pois, se esse novo grupo pretendesse levar adiante suas ações não demoraria muito tempo para que fossem pegos diante da quantidade de evidências que haviam deixado para trás logo na sua ação de estréia.
  Hanz distraía-se com seus livros quando o telefone tocou no meio da tarde, dessa vez era Tatiana.
  Outrora esse fato traria-lhe certa alegria, mas diante do comportamento da garota nos últimos tempos aquele fato era-lhe um tanto incômodo.
  Após a noite que passaram juntos Hanz imaginava que algo sólido tivesse nascido entre eles,e  logo na manhã seguinte ele percebeu que seus planos haviam ido por água abaixo, o que muito o chateou.
  Desde então ele se limitava a conversar somente o essencial com a garota, evitando manter um relacionamento além do referente aos assuntos do grupo.
  Como ela havia-lhe ligado, não havia muito o que fazer...
  - ...sabe cara, eu acho que isso até poderia aumentar o status do grupo se achassem que foi coisa dele, afinal, ele levaria a fama sem ter tido trabalho algum.
  - Acho que não Tatiana, por que o grupo se interessaria em assumir o crédito de algo tão mal feito? Isso, ao contrário de elevar o status do grupo, apenas o difamaria, tamanho o amadorismo de quem realizou esse ataque de hoje. – a frieza de Hanz deixava transparecer sua mágoa e Tatiana percebia facilmente isso.
  - É, não tinha visto a coisa por esse lado. Você tem razão. Mas enfim, o grupo poderá continuar agindo sossegado ele irá surpreender as autoridades mais ainda. Falei com a Cibele de manhã e ela não queria continuar no esquema de amanhã não. Disse que o Paulo encheu a cabeça dela com um monte de besteiras. Colocou inúmeros empecilhos quanto ao prosseguimento do combinado nessas circunstâncias. Aliás, pra variar, ele não curtiu o fato de vocês terem tomado a decisão de continuar no esquema sem consultar ele e a Cibele. Logo depois de falar com você ele já sumiu de novo, o que já é normal.
  - Ah, saiu é? Esse cara... não sei não heim... ele tá muito estranho...
  - Bom, eu nem ligo mais, quem tem que ver isso é a Cibele que é mulher dele, desde que ele não faça nenhuma besteira eu não tô nem aí. Mas por falar em sair, você tem alguma coisa programada pra hoje à noite Hanz?
  A pergunta pegara-o de surpresa tanto quanto um soco no rosto.
  Desde a noite que passaram juntos Tatiana jamais havia esboçado o desejo de sair novamente com ele, ao contrário, demonstrava uma frieza impressionante, frieza essa que Hanz tentava imitar, e agora ela vinha com essa pergunta?
  O que a teria feito mudar de idéia?
  - Eu? Bom... daqui a pouco eu tenho que ir no mercado comprar umas coisas e depois pretendo ficar em casa estudando, nada fora do normal. Por quê?
  - Nossa cara, não sei o que você tanto estuda, nem faculdade você não faz, pra que tanto estudo?
  - O que eu estudo não se ensina na faculdade. – respondeu rispidamente o rapaz.
  - Ah tá, entendí. Bom, é que eu pensei em passar aí mais tarde pra gente conversar, como daquela vez, mas se você tá a fim de ficar estudando, deixa pra lá então... – a garota jogou seu charme na tentativa de fisgar novamente Hanz, mas o rapaz parecia já estar vacinado contra seu encanto.
  - Poxa, não vai dar não Tatiana. O tipo de conversa que você tá afim eu só costumo ter com quem estou apaixonado entende?
  - Claro que entendo. Mas então quer dizer que naquela época você estava apaixonado por mim é? – continuou ela em tom meio gozador.
  - Olha, não sei. Talvez sim, mas talvez eu só tenha aproveitado o momento para aliviar a tensão entende? – ironizou Hanz.
  Tatiana nitidamente magoou-se com a frase mas Hanz parecia não se importar com isso naquele momento.
  - Tá certo... boa sorte amanhã então. Acho que não temos muito o que conversar mais. Outro dia a gente se fala. Tchau.
  Hanz sabia que o que dissera havia sido como um tapa no rosto da garota, mas a forma como ela se oferecia não o agradava em nada, ao contrário, irritava-o muito.
  Odiava vulgaridade e arrependia-se por um dia ter se interessado por uma garota que se portava daquela forma.
  Não sabia se tinha raiva de Tatiana ou de si mesmo por ter chegado a fantasiar a hipótese de se envolver seriamente com ela, uma garota que todos sabiam não fazer seu estilo, mas que estranhamente exercia sobre ele um fascínio gigantesco.
  Mas agora esse fascínio parecia ter perdido o efeito sobre ele, e isso ficou evidente quando dispensou o convite de tê-la mais uma vez em seus braços. Não se deparando com a face apaixonante da garota ele não corria o risco de sucumbir diante dela.
  Parecia que a história dos dois havia chegado definitivamente ao final.
  Mas o dia ainda reservava-lhe mais motivos para irritar-se visto que, no início da noite, resolveu ir até o mercado para fazer algumas compras, como já era de costume nos sábados.
  Preocupou-se com a idéia de deixar o carro alugado mais exposto em sua garagem e arrependeu-se por nunca ter comprado uma capa para automóveis, mas enfim, não havia outra alternativa e ele teria que inventar alguma desculpa caso surgisse algum bisbilhoteiro perguntando-lhe sobre o  automóvel alugado.
  Logo ao sair pelo portão já avistou algumas figuras conversando logo adiante, como já era de costume. Entre eles estava Willian que não perdeu a oportunidade de vir puxar conversa com ele. O assunto já era o esperado.
  - E aí Hanz beleza cara? Tá roubando legal heim, tá até com carro novo já. Tá podendo heim...
  O carro alugado era bem simples, não havia necessidade de alugar um carro de luxo para a ação da noite seguinte, mas para aqueles que adoram cuidar da vida alheia qualquer coisa é motivo para inveja e especulação.
  Um calor corroeu seu peito, Hanz parecia querer explodir mesmo Willian sendo aquele que mais lhe despertava simpatia dentro do grupo que conversava ali na rua.
  Conteve-se e deu-lhe a resposta que já trazia na ponta da língua:
  - Que nada meu, esse carro é de um amigo meu que viajou e pediu pra eu guardar aqui em casa. Pra que eu iria comprar outro? Esse meu já tá de bom tamanho, o dinheiro não tá sobrando não meu...
  - Ah tá, é verdade cara... – Willian pareceu desanimar-se diante da resposta.
  - Bom, deixa eu ir nessa porque tô com um pouco de pressa beleza? Depois a gente se fala.
  Hanz entrou no seu jipe, ligou o som bem alto e partiu lentamente, como que provocando aqueles que especulavam sobre sua vida.
  Os olhares de inveja daqueles que ficaram na rua eram indisfarçáveis, e Hanz sabia disso, fazendo assim o máximo para exibir seu belo carro e aguçar ainda mais esse sentimento em todos eles.
  No caminho ficou pensando me sua vida...
  Muitas vezes perguntava-se sobre até que ponto as ações do grupo eram benéficas para o povo, se aquilo tudo daria o resultado esperado...
  Relembrava o sonho estranho que tivera, sobre a mensagem que haviam tentando passar-lhe, e algumas vezes pensava em desistir daquilo tudo e seguir com sua vida pacata e tranqüila. Mas não havia a menor possibilidade de isso acontecer, ele não podia abandonar aquelas pessoas no meio do caminho, elas confiavam nele e contavam com ele na execução das ações do grupo, abandoná-los naquele momento seria como uma apunhalada em suas costas.
  Temia por sua segurança, temia que alguma coisa desse errado e acabassem sendo descobertos e presos, mas era um risco que todos corriam, um risco que todos conheciam desde o instante que decidiram criar o grupo, não havia volta, a menos que todos concordassem com a dissolução do grupo, mas aquilo não se daria naquele momento, talvez após a ação que estava por acontecer...
  Chegou até mesmo a pensar em Tatiana, na proposta que ela havia-lhe feito. Estava magoado por ela não ser como ele desejava que fosse, mas o fato de ainda pensar na maneira rude como havia repelido seu convite demonstrava que ainda havia outro sentimento a não ser mágoa em seu peito...
  Mas também já era tarde, ele havia recusado seu convite, e de uma maneira bastante grosseira, não havia como ligar novamente para ela e tentar redimir-se.
  Por certas vezes sentia-se um monstro, mas infelizmente não havia como consertar o estrago que havia feito, se ele era um monstro, nada mudaria isso naquele momento.
  Após fazer as compras Hanz ainda deu umas voltas pelos points da cidade, queria pensar, mas estranhamente estava enjoado de ficar sozinho em casa.
  Por um momento arrependeu-se de ter recusado o convite de Tatiana, mas agora já era tarde.
  Depois de algumas voltas finalmente voltou para casa, afinal, não havia nada mais a fazer naquela noite além de dedicar-se à seus estudos e passatempos.

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