O sábado estava chuvoso, mas a temperatura
era bastante agradável. Hanz preparava o café da manhã ainda que o horário do
almoço não estivesse distante, mas visto que era final de semana, aquilo pouco
importava.
Estava animado, não sabia bem o motivo, mas
havia acordado bem disposto naquele dia, até que o telefone tocou.
- Hanz, aqui é o Jean, você tá vendo TV?
- Não, calma aí. – preocupou-se Hanz
procurando o controle da televisão.
- Dá uma olhada e depois me liga de volta,
até já. – finalizou Jean que parecia bastante nervoso.
O nervosismo acometeu também Hanz ao ver as
cenas na televisão: o edifício do fórum de uma cidade ali próxima havia sido
incendiado.
Os repórteres informavam que algumas
testemunhas haviam presenciado três pessoas lançando bombas no edifício e a
opinião parecia ser unânime: tratava-se de mais uma ação do grupo, ao menos as
pessoas assim pensavam.
Nenhum suspeito havia sido preso, ninguém
havia recebido declaração alguma justificando aquele ataque e dois vigilantes
haviam sido feridos no ataque, essas últimas evidências já eram suficientes
para provar que aquela não era obra do grupo.
Hanz estava ainda perplexo e tentava colocar
as idéias no lugar. Precisava calcular até que ponto aquilo podia influenciar
nos planos do grupo.
Respirou fundo e telefonou de volta para
Jean.
- O que você acha disso meu?
- Alguém deve estar querendo se fazer passar
pela gente, ou então apenas querendo pegar uma carona nas ações do grupo. Mas
de qualquer forma acho que os planos em nada foram afetados pelo que aconteceu.
- Está mais do que claro que não tem como
atribuírem o que aconteceu ao grupo, quem fez isso realmente é extremamente
amador. O problema é que nas ações do grupo não existem pistas para serem
comparadas com as de hoje.
- Você é esperto e tem boa visão Hanz, mas
ainda é muito inocente. Você acha mesmo que a polícia ainda não tem pista
nenhuma? Claro que eles já têm, mas não divulgam nada para não atrapalhar nas
investigações.
O rapaz ficou meio sem graça com a afirmação
do amigo.
- Hum... bom... pelo menos assim então eles
podem fazer as comparações e perceberem que essa ação de hoje não é da autoria
do grupo.
- Fica calmo, isso com certeza eles já sabem.
O que eles devem estar loucos para descobrir é quem são os autores desse ataque
de hoje, pois pode estar surgindo um novo grupo. Não se sabe se com os mesmos
ideais do grupo já existente, mas em nada deve agradá-los essa hipótese.
- Verdade Jean, não tinha ainda pensado
nisso.
- Se bem que, pelo amadorismo de quem fez
esse ataque, deve tratar-se somente de um bando de moleques querendo pegar
carona nas ações do grupo. Caso se trate de um novo grupo mesmo, agindo assim
de forma tão descuidada, não durarão muito. Logo, logo a polícia coloca as mãos
neles.
- Com certeza meu. Os caras até deixaram
testemunhas, eles são ruins demais.
- É verdade. Hanz, vamos fazer o seguinte
cara. Eu vou ligar pra Tati pra dizer que tudo continua no esquema, você liga
pros outros dois beleza?
- Tá certo. Todo mundo deve estar doido com o
que aconteceu. O carango já tá na garagem, tá tudo pago, tudo certo, agora é só
esperar a hora da viagem.
Hanz já havia alugado o carro que Cibele
usaria na ação do dia seguinte e o havia guardado em sua garagem. Como não
cabiam os dois carros, ele havia estacionado seu jipe em frente à ela para
assim disfarçar a presença de um novo carro em sua casa. Todo cuidado era
pouco.
Mas nem sequer teve a chance de telefonar,
mal colocara o aparelho de volta no gancho, o telefone já tocou. Era Renzo.
- ... isso é coisa de moleque querendo pegar
embalo no grupo fiu, tem que pegar esses caras de pau!!!! Eles vão ferrar com o
grupo!!!! – revoltava-se ele.
- Pára com isso meu. Ninguém tá ferrando com
nada. O esquema continua o mesmo, não há motivo pra preocupação. Qualquer
idiota vê que isso que aconteceu hoje não é obra do grupo. Se nem a polícia
pegou os caras ainda, não será a gente que vai pegar não é? Falei com o Jean e
tudo continua na mesma. Agora, fica calmo aí que eu vou ligar pro Paulo pra dar
a informação pra ele também, todo mundo deve tá na pilha com o que aconteceu,
mas não tem porque....
- Tá certo fiote, se vocês decidiram isso por
mim tá tudo bem. Acho que vocês tem razão mesmo. Mas liga pro Paulo logo porque
eu tava falando com ele ainda agora e eles por lá tão achando que a parada já
era, que terá que ser adiada. Seu telefone tava dando ocupado e eu liguei pra
ele.
- Tá certo, eu vou ligar pra eles então. Só
me diz uma coisa meu, o Paulo ficou até fechar ontem na boate?
- Ficou sim, até falei com ele na hora de
sair. Quando eu vi o ataque na TV já me veio logo esse medo na cabeça, mas fica
tranqüilo que ele tá limpo.
- Hum... sei. Menos mal então. Bom Renzo,
deixa eu ligar lá pra ele. Depois a gente se fala beleza? Fica tranqüilo aí.
Imediatamente Hanz já telefona para Paulo,
ele mesmo atende.
- Ainda bem que você ligou mano. A Ci tá toda
aflita aqui achando que pode complicar pra gente isso que aconteceu. Pelo jeito
nosso plano pra amanhã já era heim... sem chance, os caras ferraram legal.
- Fala pra ela ficar tranqüila porque tá na
cara que isso que aconteceu hoje não tem como ser atribuído ao grupo. Qualquer
cego vê isso. Tudo continua na mesma, não haverá mudança nenhuma.
- Vocês tão loucos é? Tô vendo aqui na
televisão cara, tá todo mundo achando que é coisa nossa...
- Presta atenção no que você tá falando meu,
toma cuidado aí porra. – Hanz adverte Paulo sobre o que ele estava falando, Nos
contatos telefônicos certas palavras costumavam ser sub-entendidas para evitar
deixar rastro no caso de haver alguma escuta telefônica, e Paulo parecia
esquecer-se disso diante do nervosismo.
- Beleza mano, foi mal, Mas porra, eu tô
achando que é muita bandeira a gente prosseguir no esquema que foi combinado.
Isso vai acabar complicando ainda mano, tô cabreiro com isso e a Ci também.
- Bom meu, foi como eu já disse. Tudo
continua na mesma, fiquem calmos por aí e estejam tranqüilos pro programado,
tudo segue conforme havia sido combinado. Se você quiser, eu falo com a Cibele.
– Hanz já não tinha mais tanta paciência com Paulo, que ultimamente divergia de
todas as decisões tomadas pelo grupo.
- Não precisa não mano, pode deixar que eu
falo com minha esposa. Se vocês já decidiram tudo tá beleza então, não é
novidade nenhuma isso. Até mais.
Hanz nem teve tempo de se despedir, Paulo já
desligara o telefone na sua cara, visivelmente aborrecido com a decisão tomada
pelo grupo. Aquilo o irritava ainda mais, nada do que o grupo decidia parecia
agradá-lo e ninguém conseguia entender o motivo de Paulo relutar tanto diante
da ação do dia seguinte.
Hanz voltou então a preparar seu lanche
matinal, todos já haviam sido avisados e agora só restava aguardar o momento da
ação.
O ataque até então anônimo foi noticiado por
todos os telejornais ao longo do dia e aos poucos a primeira impressão de que o
ataque fosse obra do grupo dos nossos já conhecidos amigos ia desaparecendo.
Era evidente que tratavam-se de outras pessoas envolvidas naquele ataque, as
características eram totalmente diferentes, e a população parecia enxergar isso
agora que havia passado o primeiro impacto.
Mas quais os motivos do ataque? Quem o teria
realizado? Será que esse pessoal nutria os mesmos ideais do grupo de Hanz e
seus amigos?
Com o tempo provavelmente essas perguntas
encontrariam suas respostas pois, se esse novo grupo pretendesse levar adiante
suas ações não demoraria muito tempo para que fossem pegos diante da quantidade
de evidências que haviam deixado para trás logo na sua ação de estréia.
Hanz distraía-se com seus livros quando o
telefone tocou no meio da tarde, dessa vez era Tatiana.
Outrora esse fato traria-lhe certa alegria,
mas diante do comportamento da garota nos últimos tempos aquele fato era-lhe um
tanto incômodo.
Após a noite que passaram juntos Hanz
imaginava que algo sólido tivesse nascido entre eles,e logo na manhã seguinte ele percebeu que seus
planos haviam ido por água abaixo, o que muito o chateou.
Desde então ele se limitava a conversar
somente o essencial com a garota, evitando manter um relacionamento além do
referente aos assuntos do grupo.
Como ela havia-lhe ligado, não havia muito o
que fazer...
- ...sabe cara, eu acho que isso até poderia
aumentar o status do grupo se achassem que foi coisa dele, afinal, ele levaria
a fama sem ter tido trabalho algum.
- Acho que não Tatiana, por que o grupo se
interessaria em assumir o crédito de algo tão mal feito? Isso, ao contrário de
elevar o status do grupo, apenas o difamaria, tamanho o amadorismo de quem
realizou esse ataque de hoje. – a frieza de Hanz deixava transparecer sua mágoa
e Tatiana percebia facilmente isso.
- É, não tinha visto a coisa por esse lado.
Você tem razão. Mas enfim, o grupo poderá continuar agindo sossegado ele irá
surpreender as autoridades mais ainda. Falei com a Cibele de manhã e ela não
queria continuar no esquema de amanhã não. Disse que o Paulo encheu a cabeça
dela com um monte de besteiras. Colocou inúmeros empecilhos quanto ao
prosseguimento do combinado nessas circunstâncias. Aliás, pra variar, ele não
curtiu o fato de vocês terem tomado a decisão de continuar no esquema sem
consultar ele e a Cibele. Logo depois de falar com você ele já sumiu de novo, o
que já é normal.
- Ah, saiu é? Esse cara... não sei não
heim... ele tá muito estranho...
- Bom, eu nem ligo mais, quem tem que ver
isso é a Cibele que é mulher dele, desde que ele não faça nenhuma besteira eu
não tô nem aí. Mas por falar em sair, você tem alguma coisa programada pra hoje
à noite Hanz?
A pergunta pegara-o de surpresa tanto quanto
um soco no rosto.
Desde a noite que passaram juntos Tatiana
jamais havia esboçado o desejo de sair novamente com ele, ao contrário,
demonstrava uma frieza impressionante, frieza essa que Hanz tentava imitar, e
agora ela vinha com essa pergunta?
O que a teria feito mudar de idéia?
- Eu? Bom... daqui a pouco eu tenho que ir no
mercado comprar umas coisas e depois pretendo ficar em casa estudando, nada
fora do normal. Por quê?
- Nossa cara, não sei o que você tanto
estuda, nem faculdade você não faz, pra que tanto estudo?
- O que eu estudo não se ensina na faculdade.
– respondeu rispidamente o rapaz.
- Ah tá,
entendí. Bom,
é que eu pensei em passar aí mais tarde pra gente conversar, como daquela vez,
mas se você tá a fim de ficar estudando, deixa pra lá então... – a garota jogou
seu charme na tentativa de fisgar novamente Hanz, mas o rapaz parecia já estar
vacinado contra seu encanto.
- Poxa, não vai dar não Tatiana. O tipo de
conversa que você tá afim eu só costumo ter com quem estou apaixonado entende?
- Claro que entendo. Mas então quer dizer que
naquela época você estava apaixonado por mim é? – continuou ela em tom meio
gozador.
- Olha, não sei. Talvez sim, mas talvez eu só
tenha aproveitado o momento para aliviar a tensão entende? – ironizou Hanz.
Tatiana nitidamente magoou-se com a frase mas
Hanz parecia não se importar com isso naquele momento.
- Tá certo... boa sorte amanhã então. Acho
que não temos muito o que conversar mais. Outro dia a gente se fala. Tchau.
Hanz sabia que o que dissera havia sido como
um tapa no rosto da garota, mas a forma como ela se oferecia não o agradava em
nada, ao contrário, irritava-o muito.
Odiava vulgaridade e arrependia-se por um dia
ter se interessado por uma garota que se portava daquela forma.
Não sabia se tinha raiva de Tatiana ou de si
mesmo por ter chegado a fantasiar a hipótese de se envolver seriamente com ela,
uma garota que todos sabiam não fazer seu estilo, mas que estranhamente exercia
sobre ele um fascínio gigantesco.
Mas agora esse fascínio parecia ter perdido o
efeito sobre ele, e isso ficou evidente quando dispensou o convite de tê-la
mais uma vez em seus braços. Não se deparando com a face apaixonante da garota
ele não corria o risco de sucumbir diante dela.
Parecia que a história dos dois havia chegado
definitivamente ao final.
Mas o dia ainda reservava-lhe mais motivos
para irritar-se visto que, no início da noite, resolveu ir até o mercado para
fazer algumas compras, como já era de costume nos sábados.
Preocupou-se com a idéia de deixar o carro
alugado mais exposto em sua garagem e arrependeu-se por nunca ter comprado uma
capa para automóveis, mas enfim, não havia outra alternativa e ele teria que
inventar alguma desculpa caso surgisse algum bisbilhoteiro perguntando-lhe
sobre o automóvel alugado.
Logo ao sair pelo portão já avistou algumas
figuras conversando logo adiante, como já era de costume. Entre eles estava
Willian que não perdeu a oportunidade de vir puxar conversa com ele. O assunto
já era o esperado.
- E aí Hanz beleza cara? Tá roubando legal
heim, tá até com carro novo já. Tá podendo heim...
O carro alugado era bem simples, não havia
necessidade de alugar um carro de luxo para a ação da noite seguinte, mas para
aqueles que adoram cuidar da vida alheia qualquer coisa é motivo para inveja e
especulação.
Um calor corroeu seu peito, Hanz parecia
querer explodir mesmo Willian sendo aquele que mais lhe despertava simpatia
dentro do grupo que conversava ali na rua.
Conteve-se e deu-lhe a resposta que já trazia
na ponta da língua:
- Que nada meu, esse carro é de um amigo meu
que viajou e pediu pra eu guardar aqui em casa. Pra que eu iria comprar outro?
Esse meu já tá de bom tamanho, o dinheiro não tá sobrando não meu...
- Ah tá, é verdade cara... – Willian pareceu
desanimar-se diante da resposta.
- Bom, deixa eu ir nessa porque tô com um
pouco de pressa beleza? Depois a gente se fala.
Hanz entrou no seu jipe, ligou o som bem alto
e partiu lentamente, como que provocando aqueles que especulavam sobre sua
vida.
Os olhares de inveja daqueles que ficaram na
rua eram indisfarçáveis, e Hanz sabia disso, fazendo assim o máximo para exibir
seu belo carro e aguçar ainda mais esse sentimento em todos eles.
No caminho ficou pensando me sua vida...
Muitas vezes perguntava-se sobre até que ponto
as ações do grupo eram benéficas para o povo, se aquilo tudo daria o resultado
esperado...
Relembrava o sonho estranho que tivera, sobre
a mensagem que haviam tentando passar-lhe, e algumas vezes pensava em desistir
daquilo tudo e seguir com sua vida pacata e tranqüila. Mas não havia a menor
possibilidade de isso acontecer, ele não podia abandonar aquelas pessoas no
meio do caminho, elas confiavam nele e contavam com ele na execução das ações
do grupo, abandoná-los naquele momento seria como uma apunhalada em suas
costas.
Temia por sua segurança, temia que alguma
coisa desse errado e acabassem sendo descobertos e presos, mas era um risco que
todos corriam, um risco que todos conheciam desde o instante que decidiram
criar o grupo, não havia volta, a menos que todos concordassem com a dissolução
do grupo, mas aquilo não se daria naquele momento, talvez após a ação que
estava por acontecer...
Chegou até mesmo a pensar em Tatiana, na
proposta que ela havia-lhe feito. Estava magoado por ela não ser como ele
desejava que fosse, mas o fato de ainda pensar na maneira rude como havia
repelido seu convite demonstrava que ainda havia outro sentimento a não ser
mágoa em seu peito...
Mas também já era tarde, ele havia recusado
seu convite, e de uma maneira bastante grosseira, não havia como ligar
novamente para ela e tentar redimir-se.
Por certas vezes sentia-se um monstro, mas
infelizmente não havia como consertar o estrago que havia feito, se ele era um
monstro, nada mudaria isso naquele momento.
Após fazer as compras Hanz ainda deu umas
voltas pelos points da cidade, queria pensar, mas estranhamente estava enjoado
de ficar sozinho em casa.
Por um momento arrependeu-se de ter recusado
o convite de Tatiana, mas agora já era tarde.
Depois de algumas voltas finalmente voltou
para casa, afinal, não havia nada mais a fazer naquela noite além de dedicar-se
à seus estudos e passatempos.
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