terça-feira, 15 de abril de 2014

Capítulo XXIX



  Após a partida do amigo, Hanz soltou novamente Brutus e resolveu tomar um banho para relaxar. Mesmo já tendo participado de ações do grupo anteriormente ele estava bastante nervoso aquele dia, mas não sabia explicar o motivo.
  Tudo estava perfeitamente combinado, não havia como as coisas saírem erradas, mas uma enorme angústia dele se apoderava quando vinha à sua mente pensamentos sobre o que teria ainda que fazer naquela noite.
  Pensou em colocar uma música para ouvir durante o banho mas isso dificultaria que ouvisse o toque do telefone caso alguém o telefonasse, o que fez com que ele abandonasse a idéia.
  Já fazia algum tempo que sua mãe não lhe telefonava, um fato bastante incomum, e ao lembrar-se disso planejou entrar em contato com ela ao término do seu banho.
  Embaixo do chuveiro, deixava a água cair sobre seu corpo, mentalizando que ela retirava do seu corpo e de sua alma todas as energias negativas que por ventura preenchessem seu ser, quem sabe assim trazendo-lhe mais equilíbrio e tranqüilidade.
  Sua mente vagava distante, em meio à pensamentos diversos, tranqüilos e relaxantes. Pensamentos sobre o que já havia vivenciado, momentos alegres e saudosos em meio à sua agora distante família, e isso trouxe-lhe um pouco de paz.
  Sem assim o querer, pegou-se pensando em Tatiana, lembrando que ela já havia se banhado naquele mesmo chuveiro, a água havia percorrido todo seu corpo assim como fazia com o dele naquele momento. Em meio às suas fantasias sentiu saudades da garota e surgiu então uma ponta de arrependimento por ter recusado grosseiramente o último convite que ela lhe fizera, no entanto, voltou à dolorosa realidade e raciocinou sobre o tipo de relação que ela desejava ter com ele; algo sem compromisso, sem regras, sem cobranças, e esse pensamento fez com que ele se orgulhasse então por não ter cedido à sua última investida, afinal, desejava uma relação estável e madura e não apenas um passatempo para os momentos em que o corpo manifestasse seus impulsos sexuais. Além do mais, não lhe agradava a idéia de ter um compromisso naquele momento, onde teria que abrir mão de suas horas de isolamento, de seus momentos dedicados à seus passatempos e estudos. Agradecia então por seu coração parecer estar cada vez mais esquecendo-se do sentimento que em dado momento nutrira por Tatiana.
  Voltou à vaguear pelos seus pensamentos distantes, em um tempo que ainda planejava ter tudo aquilo que agora possuía: paz e isolamento.
  Mas em um dado momento ouviu o som da porta de sua sala fechando-se cautelosamente, o que fez com que ele despertasse de sua tranqüilidade a aguçasse seus ouvidos em busca de mais algum som.
  “Ué, quem pode estar aí? O Brutus não deu sinal de vida e além do mais o portão está trancado...” – pensou ele enquanto aguardava por mais algum barulho.
  Não precisou esperar muito, logo mais um estranho barulho se fez ouvir, dessa vez, como se alguém estivesse em seu quarto.
  - Quem está aí? – gritou ele preocupado, mas não obteve nenhuma resposta.
  “Mas que inferno...” pensou ele irritado fechando a água.
  Enrolou-se numa toalha e saiu em busca do autor dos barulhos, quem poderia ser o intruso? Será que ele se enganara ao imaginar que trancara o portão? Mas e Brutus? O único que poderia entrar sem provocar o frisson do cachorro era Renzo, mas o que ele estaria fazendo dentro deu sua casa?
  Caminhou lentamente deixando um rastro de água pelo caminho e ao sair do banheiro alcançou o corredor que levava ao quarto e à sala. Via somente a luz que entrava pela fresta da porta, vinda da varanda, tudo estava escuro... Prosseguiu silenciosamente até seu também escuro quarto, de onde julgava ter vindo o último barulho.
  Esgueirou-se ela parede e verificou que não havia movimento algum dentro dele. Acendeu então a luz e percebeu que tudo estava conforme havia deixado, não havia nada de anormal.
  Voltou então até a sala e verificou que a porta também estava trancada, ainda assim verificou pelo visor que o portão estava trancado com o cadeado como de costume e que Brutus estava deitado defronte á ele, de forma que não haveria como alguém entrar.
  “Será que eu tô ficando louco?” – indagou-se preocupado pois tinha certeza de que ouvira os barulhos que fizeram que saísse do banho.
  Acendeu então a luz da sala e viu o chão todo molhado que indicava o caminho que havia feito, irritando-se.
  - Que ótimo, além de tudo vou ter que secar tudo isso!! Droga!! – queixou-se.
  Já havia vestido e agora, na área de serviço, Hanz procurava os instrumentos para enxugar o chão que havia molhado. Foi quando novamente surpreendeu-se com o barulho que vinha de seu quarto, parecia uma gaveta se fechando, o que fez com que dessa vez ele corresse até o local sem se preocupar em chamar a atenção, tinha que descobrir quem estava em casa.
   Mas isso foi um grande erro.
  Ao chegar até o corredor que o levava de volta ao seu quarto escorregou no piso que ele mesmo havia molhado, o que fez com que fosse arremessado sobre o armário que ficava logo à sua frente. Tentando equilibra-se Hanz agarrou-se à ele, mas a prateleira cedeu com seu peso e veio abaixo junto com seu corpo e com todos os copos que nela estavam expostos como uma galeria.
  Seu peito atingiu a quina do móvel antes de cair ao chão, fazendo com que emitisse um intenso gemido de dor. Se isso já não bastasse os copos caíram também sobre ele, alguns já partidos, provocando um profundo corte em seu rosto.
  Sentindo seu peito latejar e percebendo o sangue que lentamente escorria do corte Hanz esboçou um pedido de socorro, mas quem o ajudaria? Estava ali sozinho e não tinha a quem recorrer, esse pensamento o desesperou.
  Respirava com dificuldade devido à dor que surgia quando suas costelas se dilatavam, passando então à fazê-lo mais lenta e continuamente para que ela se minimizasse.
  Permaneceu no chão clamando para que a intensa dor em seu peito cessasse o que indicaria não ser nada grave, mas a pancada havia sido forte e ela parecia estar longe de findar.
  Lançou então seus olhos para o quarto novamente escuro e percebeu uma espécie de vulto espreitando-lhe, dessa vez tinha certeza, havia alguém ali, não era fruto de sua imaginação.
  Quem seria e o que queria dele?
  - Maldição!!! Quem está aí? – gritou ele com a voz embargada pela dor que sentia, mas nenhuma resposta foi ouvida. Pôde perceber o vulto retornar para o interior do quarto, como  a esconder-se e pensou: “Quem quer que seja não tem pra onde fugir sem que eu veja.”
  Decidiu então levantar-se para finalmente ir até o quarto e descobrir quem era a pessoa que invadira sua casa, mas a dor em seu peito o obrigava a permanecer ali deitado.
  Levou sua mão até seu peito, de onde a dor vinha, verificando se havia sangue em sua mão, por sorte ela estava limpa e isso o tranqüilizou um pouco.
  - Infeliz!!! Diga logo, quem está aí? – gritou novamente um pouco desesperado pela sua incapacidade de levantar-se, mas foi retribuído somente com o silêncio.
  O que faria ao deparar-se com a pessoa que estava em seu quarto? Mal conseguia respirar devido ao ferimento, a situação realmente estava complicada, não poderia fazer nada.
  Lembrou-se da arma que Jean lhe cedera, era a única forma com que poderia defender-se do intruso, mas ela estava no quarto onde ficava seu computador...
  Percebeu que nem sequer Brutus atendia aos seus gritos, o animal nem sequer se manifestara ao ouvir o som de sua queda, dos copos espatifando-se sobre ele e de seu grito abafado o que causou-lhe estranheza pois o normal seriam os latidos dele ao ouvir isso tudo.
  - Brutus!!!! Cadê você??? – gritou ele na tentativa de obter algum sinal de vida do companheiro. Naquele instante aquilo lhe traria um pouco de tranqüilidade por saber que não estava totalmente solitário naquela casa com aquele vulto ameaçador.
  Os latidos do cachorro junto à porta da sala lhe trouxeram alívio, era um sinal de que o animal estava bem e de que ele não estava só, mas a porta da sala estava fechada e trancada o que impedia sua entrada de forma que nada poderia fazer em seu socorro.
  Preocupou-se novamente com o vulto, mas ainda que tomado por aquela intensa dor conseguia raciocinar.
  “Se ele quisesse acabar comigo já teria feito isso, o que pode estar querendo então? E como diabos conseguiu entrar aqui?” – pensou.
  Concentrou-se novamente em sua respiração para diminuir a intensidade da dor enquanto pensava no que fazer. Moveu lentamente as pernas e percebeu que todo o chão estava coberto pelos cacos dos copos que haviam caído junto com ele. Teria que tomar cuidado para não ferir-se ainda mais com eles.
  Subitamente o telefone começou a tocar, provavelmente era algum dos membros do grupo perguntando sobre alguma coisa, mas também era sua chance de pedir ajuda...
  Olhou para o quarto, talvez com a campainha do telefone o invasor se manifestasse para impedir que ele o atendesse, mas nem um movimento pôde ser percebido na escuridão.
  - Tenho que atender... – resmungou Hanz iniciando uma tentativa desesperada de levantar-se mesmo com a dor insuportável que sentia.
  Apoiou-se sobre o braço que estava por debaixo dele, seus braços estavam bem, apenas seu peito doída muito devido à pancada que sofrera durante a queda. Com muito esforço conseguiu ficar em pé.
  Escorando-se na parede olhou para o local onde estava deitado e assustou-se ao ver seu próprio sangue misturado aos cacos de vidro pelo chão.
  A campainha insistente do telefone ao mesmo tempo em que indicava algum tipo de ajuda que pudesse obter também irritava-o, e ainda controlando sua respiração para tentar amenizar a dor que sentia foi até ele.
  Sentou-se na poltrona e atendeu ao telefone, sem tirar os olhos do quarto, temendo que o invasor se lançasse sobre ele a qualquer instante.
  - Alô... – disse ele com a voz embargada.
  - Hanz... estava ocupado fiote? Tive que te ligar com urgência. – era Renzo.
  - Sim... quer dizer... mais ou menos... – disse ele com dificuldade.
  - O que você tem fiu, tá com algum problema? O que você tem? – disse o amigo percebendo a voz estranha de Hanz.
  - Caí um puta tombaço meu. Tem alguém aqui em casa, tá no meu quarto, vem aqui o mais rápido que você puder. Socorro...
  - Quê? Você caiu? Tem gente aí na sua casa? Tô indo já aí fiote, segura as pontas!!!! – disse Renzo já finalizando a ligação.
  Hanz estava mais aliviado, seu amigo lhe prestaria o socorro necessário, mas ainda estava preocupado com o vulto visto em seu quarto.
  “Que inferno. Quem pode estar aí? Por que está tão quieto? O que será que está planejando?” – pensou ele colocando o fone no gancho, seus olhos ainda estavam estáticos mirando a porta do quarto.
  Atentou-se aos latidos de Brutus que reiniciaram-se e veio-lhe à mente a idéia de abrir a porta e deixar seu cão de guarda entrar, com certeza ele daria um jeito no invasor, não havia para onde ele fugir.
  Com um impulso realizado sob extremo esforço ele atirou-se até a porta e destrancou-a, permitindo que Brutus entrasse na sala, quase derrubando-o ao chão novamente.
  - Pega Brutus!!!! Pega!!! – disse ele jogando-se novamente na poltrona, praticamente desistindo de qualquer outro tipo de ação. Seu cão se encarregaria do resto.
  Brutus ficou em posição de alerta olhando para a sala, o animal não sabia onde estava seu alvo e aparentemente não farejava nada. Percebendo isso Hanz apontou para o quarto onde o invasor se encontrava e como um raio o animal correu para a escuridão.
  Aguardava os sons dos rosnados de Brutus e também os gritos de dor do invasor a qualquer instante, mas nada ouviu, apenas o som dos passos de seu cão.
  “O que tá acontecendo? Por que ele não faz nada?” – indagou-se Hanz estranhando o silêncio que havia tomado a casa.
  Brutus logo voltou até junto dele, o que indicava que ele nada havia encontrado dentro do escuro cômodo.
  - O que foi Brutus? Você não encontrou nada lá? – falava Hanz com dificuldade.
  O cachorro apenas olhava para ele, sem entender o motivo do comando de seu dono.
  O quarto estava vazio caso contrário Brutus teria dado conta de subjugar o invasor. Mas Hanz tinha certeza de que havia visto alguém dentro dele, sem dizer dos barulhos que ouvira em sua casa e que causaram sua queda.
  “O que está acontecendo? Será que estou ficando louco? Tenho certeza do que ouvi e do que vi, não estou perdendo a sanidade, tinha alguém dentro desse quarto droga!!!!” – pensava ele afagando o pescoço de Brutus sentado ao seu lado.
  Sentia o cheiro do seu próprio sangue que tomava conta do lugar e ao lançar sua mão até o rosto percebeu que o líquido escorria com certa abundância. Não sabia avaliar a gravidade do ferimento, o que assustou-o ainda mais.
  Ao menos com o animal ali ao ele tinha certeza de que ninguém lhe faria mal algum pois via em Brutus um leal guardião.
  Controlando sua respiração parecia que a dor do peito se amenizava e esticando-se na poltrona de forma que ele não fosse comprimido a dor parecia também se atenuar.
  ali permaneceu sentado no escuro, com Brutus ao seu lado, aguardando a chegada do amigo que deveria ocorrer a qualquer instante.
  A única luminosidade que havia no local era a que vinha do corredor e dos postes da rua, o que tornavam a sala um local preenchido pela penumbra, uma situação que fazia com que Hanz se sentisse ainda mais isolado e impotente.
  Aquele silêncio trazia-lhe angústia, a angústia de estar ali sozinho sem ter como verificar o quarto por si só, precisava ver com seus próprios olhos para ter certeza de que ele realmente estava vazio embora fosse impossível ter alguém dentro dele e Brutus não ter encontrado. Estaria ele então realmente louco, sofrendo alucinações?
  O que seria agora da ação daquela noite? Todos precisavam fazer sua parte para que o plano atingisse os objetivos almejados, mas era evidente que ele não poderia participar, a pancada em suas costelas o haviam tirado de combate.
  Todos esses pensamentos aumentavam ainda mais sua angústia e aqueles breves minutos que se seguiram até a chegada de Renzo pareciam uma eternidade...

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