Após a partida do amigo, Hanz soltou
novamente Brutus e resolveu tomar um banho para relaxar. Mesmo já tendo
participado de ações do grupo anteriormente ele estava bastante nervoso aquele
dia, mas não sabia explicar o motivo.
Tudo estava perfeitamente combinado, não
havia como as coisas saírem erradas, mas uma enorme angústia dele se apoderava
quando vinha à sua mente pensamentos sobre o que teria ainda que fazer naquela
noite.
Pensou em colocar uma música para ouvir
durante o banho mas isso dificultaria que ouvisse o toque do telefone caso
alguém o telefonasse, o que fez com que ele abandonasse a idéia.
Já fazia algum tempo que sua mãe não lhe
telefonava, um fato bastante incomum, e ao lembrar-se disso planejou entrar em
contato com ela ao término do seu banho.
Embaixo do chuveiro, deixava a água cair
sobre seu corpo, mentalizando que ela retirava do seu corpo e de sua alma todas
as energias negativas que por ventura preenchessem seu ser, quem sabe assim
trazendo-lhe mais equilíbrio e tranqüilidade.
Sua mente vagava distante, em meio à
pensamentos diversos, tranqüilos e relaxantes. Pensamentos sobre o que já havia
vivenciado, momentos alegres e saudosos em meio à sua agora distante família, e
isso trouxe-lhe um pouco de paz.
Sem assim o querer, pegou-se pensando em
Tatiana, lembrando que ela já havia se banhado naquele mesmo chuveiro, a água
havia percorrido todo seu corpo assim como fazia com o dele naquele momento. Em
meio às suas fantasias sentiu saudades da garota e surgiu então uma ponta de
arrependimento por ter recusado grosseiramente o último convite que ela lhe
fizera, no entanto, voltou à dolorosa realidade e raciocinou sobre o tipo de
relação que ela desejava ter com ele; algo sem compromisso, sem regras, sem
cobranças, e esse pensamento fez com que ele se orgulhasse então por não ter
cedido à sua última investida, afinal, desejava uma relação estável e madura e
não apenas um passatempo para os momentos em que o corpo manifestasse seus
impulsos sexuais. Além do mais, não lhe agradava a idéia de ter um compromisso
naquele momento, onde teria que abrir mão de suas horas de isolamento, de seus
momentos dedicados à seus passatempos e estudos. Agradecia então por seu
coração parecer estar cada vez mais esquecendo-se do sentimento que em dado
momento nutrira por Tatiana.
Voltou à vaguear pelos seus pensamentos
distantes, em um tempo que ainda planejava ter tudo aquilo que agora possuía:
paz e isolamento.
Mas em um dado momento ouviu o som da porta
de sua sala fechando-se cautelosamente, o que fez com que ele despertasse de
sua tranqüilidade a aguçasse seus ouvidos em busca de mais algum som.
“Ué, quem pode estar aí? O Brutus não deu
sinal de vida e além do mais o portão está trancado...” – pensou ele enquanto
aguardava por mais algum barulho.
Não precisou esperar muito, logo mais um
estranho barulho se fez ouvir, dessa vez, como se alguém estivesse em seu
quarto.
- Quem está aí? – gritou ele preocupado, mas
não obteve nenhuma resposta.
“Mas que inferno...” pensou ele irritado
fechando a água.
Enrolou-se numa toalha e saiu em busca do
autor dos barulhos, quem poderia ser o intruso? Será que ele se enganara ao
imaginar que trancara o portão? Mas e Brutus? O único que poderia entrar sem
provocar o frisson do cachorro era Renzo, mas o que ele estaria fazendo dentro
deu sua casa?
Caminhou lentamente deixando um rastro de
água pelo caminho e ao sair do banheiro alcançou o corredor que levava ao
quarto e à sala. Via somente a luz que entrava pela fresta da porta, vinda da
varanda, tudo estava escuro... Prosseguiu silenciosamente até seu também escuro
quarto, de onde julgava ter vindo o último barulho.
Esgueirou-se ela parede e verificou que não
havia movimento algum dentro dele. Acendeu então a luz e percebeu que tudo
estava conforme havia deixado, não havia nada de anormal.
Voltou então até a sala e verificou que a
porta também estava trancada, ainda assim verificou pelo visor que o portão
estava trancado com o cadeado como de costume e que Brutus estava deitado
defronte á ele, de forma que não haveria como alguém entrar.
“Será que eu tô ficando louco?” – indagou-se
preocupado pois tinha certeza de que ouvira os barulhos que fizeram que saísse
do banho.
Acendeu então a luz da sala e viu o chão todo
molhado que indicava o caminho que havia feito, irritando-se.
- Que ótimo, além de tudo vou ter que secar
tudo isso!! Droga!! – queixou-se.
Já havia vestido e agora, na área de serviço,
Hanz procurava os instrumentos para enxugar o chão que havia molhado. Foi
quando novamente surpreendeu-se com o barulho que vinha de seu quarto, parecia
uma gaveta se fechando, o que fez com que dessa vez ele corresse até o local
sem se preocupar em chamar a atenção, tinha que descobrir quem estava em casa.
Mas isso foi um grande erro.
Ao chegar até o corredor que o levava de
volta ao seu quarto escorregou no piso que ele mesmo havia molhado, o que fez com
que fosse arremessado sobre o armário que ficava logo à sua frente. Tentando
equilibra-se Hanz agarrou-se à ele, mas a prateleira cedeu com seu peso e veio
abaixo junto com seu corpo e com todos os copos que nela estavam expostos como
uma galeria.
Seu peito atingiu a quina do móvel antes de
cair ao chão, fazendo com que emitisse um intenso gemido de dor. Se isso já não
bastasse os copos caíram também sobre ele, alguns já partidos, provocando um
profundo corte em seu rosto.
Sentindo seu peito latejar e percebendo o
sangue que lentamente escorria do corte Hanz esboçou um pedido de socorro, mas
quem o ajudaria? Estava ali sozinho e não tinha a quem recorrer, esse
pensamento o desesperou.
Respirava com dificuldade devido à dor que
surgia quando suas costelas se dilatavam, passando então à fazê-lo mais lenta e
continuamente para que ela se minimizasse.
Permaneceu no chão clamando para que a
intensa dor em seu peito cessasse o que indicaria não ser nada grave, mas a
pancada havia sido forte e ela parecia estar longe de findar.
Lançou então seus olhos para o quarto
novamente escuro e percebeu uma espécie de vulto espreitando-lhe, dessa vez
tinha certeza, havia alguém ali, não era fruto de sua imaginação.
Quem seria e o que queria dele?
- Maldição!!! Quem está aí? – gritou ele com
a voz embargada pela dor que sentia, mas nenhuma resposta foi ouvida. Pôde
perceber o vulto retornar para o interior do quarto, como a esconder-se e pensou: “Quem quer que seja
não tem pra onde fugir sem que eu veja.”
Decidiu então levantar-se para finalmente ir
até o quarto e descobrir quem era a pessoa que invadira sua casa, mas a dor em
seu peito o obrigava a permanecer ali deitado.
Levou sua mão até seu peito, de onde a dor
vinha, verificando se havia sangue em sua mão, por sorte ela estava limpa e
isso o tranqüilizou um pouco.
- Infeliz!!! Diga logo, quem está aí? –
gritou novamente um pouco desesperado pela sua incapacidade de levantar-se, mas
foi retribuído somente com o silêncio.
O que faria ao deparar-se com a pessoa que
estava em seu quarto? Mal conseguia respirar devido ao ferimento, a situação
realmente estava complicada, não poderia fazer nada.
Lembrou-se da arma que Jean lhe cedera, era a
única forma com que poderia defender-se do intruso, mas ela estava no quarto
onde ficava seu computador...
Percebeu que nem sequer Brutus atendia aos
seus gritos, o animal nem sequer se manifestara ao ouvir o som de sua queda,
dos copos espatifando-se sobre ele e de seu grito abafado o que causou-lhe
estranheza pois o normal seriam os latidos dele ao ouvir isso tudo.
- Brutus!!!! Cadê você??? – gritou ele na
tentativa de obter algum sinal de vida do companheiro. Naquele instante aquilo
lhe traria um pouco de tranqüilidade por saber que não estava totalmente
solitário naquela casa com aquele vulto ameaçador.
Os latidos do cachorro junto à porta da sala
lhe trouxeram alívio, era um sinal de que o animal estava bem e de que ele não
estava só, mas a porta da sala estava fechada e trancada o que impedia sua
entrada de forma que nada poderia fazer em seu socorro.
Preocupou-se novamente com o vulto, mas ainda
que tomado por aquela intensa dor conseguia raciocinar.
“Se ele quisesse acabar comigo já teria feito
isso, o que pode estar querendo então? E como diabos conseguiu entrar aqui?” –
pensou.
Concentrou-se novamente em sua respiração
para diminuir a intensidade da dor enquanto pensava no que fazer. Moveu
lentamente as pernas e percebeu que todo o chão estava coberto pelos cacos dos
copos que haviam caído junto com ele. Teria que tomar cuidado para não ferir-se
ainda mais com eles.
Subitamente o telefone começou a tocar,
provavelmente era algum dos membros do grupo perguntando sobre alguma coisa,
mas também era sua chance de pedir ajuda...
Olhou para o quarto, talvez com a campainha
do telefone o invasor se manifestasse para impedir que ele o atendesse, mas nem
um movimento pôde ser percebido na escuridão.
- Tenho que atender... – resmungou Hanz
iniciando uma tentativa desesperada de levantar-se mesmo com a dor insuportável
que sentia.
Apoiou-se sobre o braço que estava por
debaixo dele, seus braços estavam bem, apenas seu peito doída muito devido à
pancada que sofrera durante a queda. Com muito esforço conseguiu ficar em pé.
Escorando-se na parede olhou para o local
onde estava deitado e assustou-se ao ver seu próprio sangue misturado aos cacos
de vidro pelo chão.
A campainha insistente do telefone ao mesmo
tempo em que indicava algum tipo de ajuda que pudesse obter também irritava-o,
e ainda controlando sua respiração para tentar amenizar a dor que sentia foi
até ele.
Sentou-se na poltrona e atendeu ao telefone,
sem tirar os olhos do quarto, temendo que o invasor se lançasse sobre ele a
qualquer instante.
- Alô... – disse ele com a voz embargada.
- Hanz... estava ocupado fiote? Tive que te
ligar com urgência. – era Renzo.
- Sim... quer dizer... mais ou menos... –
disse ele com dificuldade.
- O que você tem fiu, tá com algum problema?
O que você tem? – disse o amigo percebendo a voz estranha de Hanz.
- Caí
um puta tombaço meu. Tem alguém aqui em casa, tá no meu quarto, vem aqui o mais
rápido que você puder. Socorro...
- Quê? Você caiu? Tem gente aí na sua casa?
Tô indo já aí fiote, segura as pontas!!!! – disse Renzo já finalizando a
ligação.
Hanz estava mais aliviado, seu amigo lhe
prestaria o socorro necessário, mas ainda estava preocupado com o vulto visto
em seu quarto.
“Que inferno. Quem pode estar aí? Por que
está tão quieto? O que será que está planejando?” – pensou ele colocando o fone
no gancho, seus olhos ainda estavam estáticos mirando a porta do quarto.
Atentou-se aos latidos de Brutus que
reiniciaram-se e veio-lhe à mente a idéia de abrir a porta e deixar seu cão de
guarda entrar, com certeza ele daria um jeito no invasor, não havia para onde
ele fugir.
Com um impulso realizado sob extremo esforço
ele atirou-se até a porta e destrancou-a, permitindo que Brutus entrasse na
sala, quase derrubando-o ao chão novamente.
- Pega Brutus!!!! Pega!!! – disse ele
jogando-se novamente na poltrona, praticamente desistindo de qualquer outro
tipo de ação. Seu cão se encarregaria do resto.
Brutus ficou em posição de alerta olhando
para a sala, o animal não sabia onde estava seu alvo e aparentemente não
farejava nada. Percebendo isso Hanz apontou para o quarto onde o invasor se
encontrava e como um raio o animal correu para a escuridão.
Aguardava os sons dos rosnados de Brutus e
também os gritos de dor do invasor a qualquer instante, mas nada ouviu, apenas
o som dos passos de seu cão.
“O que tá acontecendo? Por que ele não faz
nada?” – indagou-se Hanz estranhando o silêncio que havia tomado a casa.
Brutus logo voltou até junto dele, o que
indicava que ele nada havia encontrado dentro do escuro cômodo.
- O que foi Brutus? Você não encontrou nada
lá? – falava Hanz com dificuldade.
O cachorro apenas olhava para ele, sem
entender o motivo do comando de seu dono.
O quarto estava vazio caso contrário Brutus
teria dado conta de subjugar o invasor. Mas Hanz tinha certeza de que havia
visto alguém dentro dele, sem dizer dos barulhos que ouvira em sua casa e que
causaram sua queda.
“O que está acontecendo? Será que estou
ficando louco? Tenho certeza do que ouvi e do que vi, não estou perdendo a
sanidade, tinha alguém dentro desse quarto droga!!!!” – pensava ele afagando o
pescoço de Brutus sentado ao seu lado.
Sentia o cheiro do seu próprio sangue que
tomava conta do lugar e ao lançar sua mão até o rosto percebeu que o líquido
escorria com certa abundância. Não sabia avaliar a gravidade do ferimento, o
que assustou-o ainda mais.
Ao menos com o animal ali ao ele tinha
certeza de que ninguém lhe faria mal algum pois via em Brutus um leal guardião.
Controlando sua respiração parecia que a dor
do peito se amenizava e esticando-se na poltrona de forma que ele não fosse
comprimido a dor parecia também se atenuar.
ali permaneceu sentado no escuro, com Brutus
ao seu lado, aguardando a chegada do amigo que deveria ocorrer a qualquer
instante.
A única luminosidade que havia no local era a
que vinha do corredor e dos postes da rua, o que tornavam a sala um local
preenchido pela penumbra, uma situação que fazia com que Hanz se sentisse ainda
mais isolado e impotente.
Aquele silêncio trazia-lhe angústia, a
angústia de estar ali sozinho sem ter como verificar o quarto por si só,
precisava ver com seus próprios olhos para ter certeza de que ele realmente
estava vazio embora fosse impossível ter alguém dentro dele e Brutus não ter
encontrado. Estaria ele então realmente louco, sofrendo alucinações?
O que seria agora da ação daquela noite?
Todos precisavam fazer sua parte para que o plano atingisse os objetivos
almejados, mas era evidente que ele não poderia participar, a pancada em suas
costelas o haviam tirado de combate.
Todos esses pensamentos aumentavam ainda mais
sua angústia e aqueles breves minutos que se seguiram até a chegada de Renzo
pareciam uma eternidade...
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