terça-feira, 13 de maio de 2014

Capítulo XXXIII


  - Alô... Hanz, tudo bem? – indagava Tatiana pelo telefone.
  - O curativo no rosto tá incomodando um pouco mas tá tudo bem sim, você já tá sabendo das mudanças todas né?
  - Já sim, o Jean me telefonou e me disse. Desculpe não ter aparecido aí na sua casa, é que estou aqui na casa da Cibele dando uma força pra ela. O que o Paulo fez deixou ela bastante chateada e a perna dela não tá muito legal não. Pô, todo mundo sabia que o cara tava esquisito esses tempos mas isso que ele fez hoje foi demais.
  - É, ele parece que surtou geral mesmo. Ele não deu notícia nenhuma?
  - Até agora não, ele saiu aquela hora com o equipamento e não deu mais as caras. O que será que ele tá pensando em aprontar?
  - Não faço a menor idéia mas só espero que ele não faça nenhuma cagada, pro bem de todo mundo. O Jean e o Renzo estão dando umas voltas pela cidade pra ver se o encontram, mas sinceramente acho difícil de eles conseguirem. – Hanz esconde o verdadeiro intuito dos companheiros conforme combinado.
  - É, difícil é mesmo, mas não dá pra ficar parado esperando pelo pior, tomara que eles consigam. Mas e as coisas por aí como estão?
  - Por aqui tá tudo tranqüilo, eles disseram que se tiverem alguma novidade eles me telefonam avisando. O jeito agora é esperar, eu tô com o braço imobilizado e nem tem como dirigir, nem posso ajudar.
  - É, a Cibele me contou os detalhes do seu acidente. Negócio estranho esse heim... você não tinha bebido nada?
  - Eu tomei umas duas cervejas com o Renzo à tarde, mas nem fizeram efeito, eu tava legal aqui em casa. Mas vamos deixar isso pra lá, agora não tem como querer ficar especulando. – ele fazia idéia do que tinha acontecido mas não queria falar a respeito com o pessoal pois sabia que eles não entendiam do assunto e estava sem paciência pra explicar.
  - Bom, então tá né. Vou ficar um pouco com a Cibele e se não ficar muito tarde eu apareço aí na sua casa mais tarde se você não e importar.
  - Ok, se quiser apareça sim, eu tô de licença médica e vou ficar longe do trabalho uma semana, amanhã nem tenho que acordar cedo, apareça sim. – por mais que ele negasse isso, o convite de Tatiana o agradava.
  - Então tá certo, mais tarde eu passo aí então. Beijo... tchau.
  Hanz estava com vontade de ir pro computador mas com seu braço imobilizado ficaria complicado para digitar então achou melhor ler um livro, pelo menos assim se distrairia um pouco e descansaria suas costelas. Para sorte dele seu pulmão não havia sido atingido e não havia nenhuma fratura, mas o hematoma que havia no local da pancada requeria cuidados.
  Sua cabeça estava a mil, muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo e a sensação de impotência em virtude de não poder auxiliar os amigos na busca à Paulo o incomodava um pouco mas não havia nada que pudesse fazer.
  Com Brutus solto pelo quintal dando-lhe segurança Hanz entregou-se à leitura de seu livro, com a pistola ao seu lado, estava preparado pra qualquer coisa.
  Na casa de Cibele as duas moças conversavam.
  - ... o Renzo até seguiu ele já mas não descobriu nada de estranho. Disse que ele só fica em um bar conversando com uns caras que ele não conhece. – falava Cibele com uma bolsa de gelo sobre a perna.
  - O estranho é que ele sempre aparentou ser super gente boa, nunca imaginei que ele pudesse fazer isso tudo, como ele mudou tanto assim?
  - Ele começou a agir assim estranho depois que formamos um grupo. No começo tava tudo bem mas a partir de um certo momento ele começou a ficar arredio até comigo. Nas reuniões você mesma percebeu o jeito como ele tá ultimamente. Hoje nós fomos na casa do Hanz pra pegar o carro pra ação de hoje e você precisava de ver, por pouco eles não se pegaram de porrada, se o Renzo não estivesse lá eles teriam saído no tapa. O Renzo conversou com ele depois que apartou a discussão deles, mas parece que não adiantou muita coisa. Assim que ele me viu no carro do Hanz ele teve um ataque de novo e veio pra casa. Foi quando eu cheguei em casa que tudo aconteceu, ele estava totalmente fora de si, eu mal reconhecia ele, até o jeito de ele me olhar estava diferente, com ódio, parecia querer me matar.
  Tatiana ficou pensativa por um breve instante e prosseguiu com a conversa.
  - Veio uma coisa na minha cabeça Ci, pode parecer doideira minha, mas é possível...
  - Será que é o mesmo que eu estou pensando?
  - Ter alguma coisa atormentando ele? Você acha que existe essa chance? Pra mim é uma explicação bastante possível.
  - Pode ser sim Tati, acho que tem alguma coisa perturbando ele sim. Poxa, ultimamente ele nem de longe parece ser o cara por quem eu me apaixonei, parece uma outra pessoa. E depois do jeito que ele agiu comigo hoje eu tenho quase certeza. Já li alguma coisa sobre isso, mas nunca acreditei nisso, essas coisas me dão arrepios, não gosto de ficar pensando nessas coisas não.
  - Se não for isso ele infelizmente tá pirando mesmo. Mas conheço alguém com quem podemos conversar sobre isso, aposto que ele deve estar pensando a mesma coisa e pode nos ajudar a chegar à uma conclusão...
  - Quem Tati? – indagou ela arregalando os olhos.
  - Troca de roupa e me passa as chaves do carro do Hanz, vamos pra casa dele. – disse ela se levantando.
  - De quem? Do Hanz? Puts, bem lembrado Tati, ele é espírita, ele pode explicar melhor essas coisas pra gente. – disse ela se levantando com um pouco de dificuldade.
  - Vamos pra lá então, se troca e vamos logo. Confesso pra você que estou com um pouco de medo de ficar rodando por aí com o Paulo desse jeito.
  - Tá bom, eu me troco rapidinho, é até mais seguro ficarmos todos juntos. – disse Cibele indo para o quarto.
  Por mais interessante que pudesse ser o assunto do livro Hanz não conseguia se concentrar na leitura. A todo instante ele sentia alguém o observando, desviava os olhos do livro e olhava para a porta de seu quarto e para a passagem que dava para o corredor na esperança de ver alguma coisa, mas não via nada.
  Por mais que estudasse o espiritismo e seguisse a doutrina o medo começou a se apossar dele, havia alguém na casa e ele não tinha a menor idéia de quem era ou o que queria...
  De vez em quando ouvia os passos de Brutus pelo quintal e aquilo lhe devolvia a sensação de tranqüilidade pois sabia que não estava totalmente só.
  Era estranho, ele que tanto desejara a solidão agora necessitava sentir-se acompanhado para que seu medo desaparecesse. Naquele momento percebeu que a solidão não era assim tão encantadora como ele imaginava.
  Ouviu um carro estacionando em frente à sua casa e os latidos do seu cão se iniciaram. Seu coração disparou: seria Paulo?
  Hanz deu um pulo do sofá empunhando a pistola emprestada por Jean e foi até a porta. Olhou pelo olho-mágico e viu que era seu carro que chegara, o que Cibele estaria fazendo ali? Um poucos segundos vários pensamentos vieram á sua cabeça, entre eles o de que Paulo poderia ter se apossado do automóvel e vindo atrás dele.
  Esse pensamento fez com que ele empunhasse a arma com mais firmeza, tinha certeza de que se Paulo descesse do carro ele não estaria ali em missão de paz.
  Mas sentiu-se calmo novamente quando viu Tatiana descer pela porta do motorista e em seguida ver Cibele, mancando, chegando até seu  portão.
  - Nossa, a que devo visitas tão inesperadas? – indagou ele abrindo a porta.
  - Cheguei bem antes do que você esperava né? – indagou Tatiana.
  - Que nada, fico feliz que tenham vindo, eu estava me sentindo um pouco sozinho demais.
  Hanz foi até o portão e deu o comando para que Brutus se deitasse.
  - Tem certeza que não precisa prender esse monstro não? – indagou Cibele que tinha pavor de cachorros e Brutus, não tinha a cara das mais amistosas, aumentava ainda mais esse seu temor.
  - Fica sossegada Cibele, ele só ataca se eu mandar ou se eu não estiver por perto. Talvez ele queira brincar um pouco como sempre faz, mas já mandei ele deitar.
  - Dá a chave aqui que eu abro pra você. – disse Tatiana vendo a dificuldade de Hanz.
  Enquanto entravam as garotas não puderam deixar de notar a arma presa à cintura do rapaz.
  - Pelo visto você está se cuidando Hanz... disse Cibele fazendo sinal para a amiga, sem tirar os olhos de Brutus que estava deitado próximo a elas.
  Hanz ficou um pouco sem graça, mas tentou tranqüilizar a amiga.
  - Desculpa Cibele, mas diante dos últimos acontecimentos sou obrigado a tomar todos os cuidados que eu puder.
  - Entendo você Hanz. Se o Paulo fez o que fez comigo, o que podemos imaginar que ele faria caso se encontrasse com você. Aliás, foi por isso que eu vim com a Tati, é que queremos conversar uns negócios com você.
  - Tudo bem, entrem aí, vamos lá pra dentro que é melhor.
  Já acomodadas na sala elas viam Hanz dar os comandos para que Brutus ficasse alerta.
  - Brutus, toma conta aí heim, qualquer coisa manda ver. – disse ele fechando a porta da sala e vendo que o cachorro se levantara obediente.
  Após servi-las de refrigerante, bastante atrapalhado devido ao seu braço imobilizado, Hanz acomodou-se na sala.
  - Olha Hanz, nós vamos direto ao assunto porque infelizmente amanhã cedo eu ainda terei que ir trabalhar tá? Já são quase dez e meia, e já que nossa ação foi cancelada... – disse Cibele.
  - Sem problemas, o que tá acontecendo? – Hanz tinha ar preocupado.
  - Nós estávamos lá em casa conversando e veio uma idéia na nossa cabeça. Pode ser que estejamos inventando, sei lá, até eu fico com vergonha de pensar esse tipo de coisa porque parece fantasioso demais, mas é uma das conclusões em que eu e a Tati chegamos.
  Vendo que Cibele estava envergonhada de abordar o assunto, Tatiana toma a palavra.
  - Nós estamos achando que o Paulo tá com algum tipo de perturbação sabe? Parece que está sendo influenciado por alguma coisa, um espírito ou algo assim, e como nós sabemos que você é espírita viemos aqui pra conversar com você sobre isso. Pra explicar melhor pra gente como é esse tipo de coisa entende?
  Hanz não gostava muito de conversar sobre o assunto, principalmente com pessoas que pertenciam à outras religiões. Não sabia explicar bem o motivo, mas ele se julgava um mero seguidor que não tinha o conhecimento necessário para explicar os fenômenos espíritas, principalmente para pessoas leigas.
  A idéia de que Paulo pudesse estar sendo influenciado por algum espírito já tinha vindo-lhe à mente algumas vezes mas ele havia descartado essa hipótese pois julgava que estaria agindo daquela maneira estranha por ciúmes ou por sentir-se discriminado dentro do grupo por algum motivo.
  - Entendo sim, mas baseado em que vocês acham isso? Existem muitas coisas que podem estar fazendo com que ele aja da maneira como vem agindo.
  - Ele tem estado muito estranho Hanz. Nas reuniões do grupo todos perceberem já que ele vem agindo de uma maneira estranha e quem o conhece melhor, como eu, a Tatiana e o Renzo também já notamos que ele está esquisito demais. O que dizer então do que ele fez hoje comigo? Eu vi a expressão nos olhos dele, parecia que não era quem estava na minha frente, parecia outra pessoa, ele estava muito diferente.
  - Bem, o comportamento dele mudou bastante desde que iniciamos as atividades do grupo. No começo ele era um cara bem tranqüilo, simpático e tal e de uns tempos pra cá todo mundo viu como ele mudou, principalmente com relação à mim. No dia em que eu encontrei com ele no hospital, quando o conheci, ele foi super gente fina comigo e agora o cara parece que me odeia. Eu sempre achei que ele tivesse mudado por sentir ciúmes de você ou por algum outro motivo mas nunca entendi o porque de ele ter mudado o jeito dele com você e com seu filho, mas pelo que você está me dizendo...
  - Eu também sempre achei isso. – concordou Tatiana.
  Hanz reparou em Tatiana, seu cabelo preso formando um rabo-de-cavalo deixava seu pescoço nu, o pescoço que ele um dia beijara. Aquele breve pensamento fez com que ele sentisse saudade daquela noite e aumentou seu desejo de que ela fosse uma moça mais “séria” para que eles pudessem manter um romance.
  Seus pensamentos voaram longe por um instante, mas Hanz esforçou-se para repelir esses pensamentos e concentras-se na conversa.
  - Eu também achava isso, mas depois do que eu vi hoje mudei de opinião. Tem alguma coisa de errado com ele, eu vi isso nos olhos dele, no jeito dele, era uma outra pessoa que estava lá comigo naquele momento. Se vocês tivessem visto talvez entendessem melhor o que eu quero dizer. Confesso pra você que morro de medo dessas coisas, espíritos, macumba, fantasmas, demônios e sei lá o que, mas depois do que eu vi hoje... – Cibele era convincente em suas palavras e Hanz sabia que o que ela dizia podia perfeitamente ser verdade principalmente depois do que acontecera com ele à algumas horas atrás.
  - Eu acredito em você Cibele. Você conhece o Paulo melhor do que qualquer um de nós e se está dizendo isso é porque há a chance de ser verdade. Mas o que precisamente vocês querem saber sobre isso?
  - Nem seu sei direito Hanz. Queria que você explicasse como essas coisas acontecem, o motivo de elas acontecerem, esse tipo de coisa. Eu já li alguma coisa sobre isso mas não me aprofundei porque tenho medo dessas coisas. Mas agora, vendo que meu marido pode estar passando por isso eu queria entender melhor essas coisas pra também poder ajudá-lo, se tiver como. Esse estado dele pode comprometer a segurança de todos nós, você sabe disso.
  - Estamos com medo Hanz, viemos aqui pra sua casa com medo de poder cruzar com ele pelo caminho, não sabemos do que ele é capaz nesse estado. A Cibele disse que ele sacou a arma e ameaçou os vizinhos deles que estavam tentando ajudá-la, ele pode fazer qualquer coisa enquanto estiver assim, parece que perdeu totalmente a razão.
  Hanz podia ver nos olhares das garotas o quanto estavam aflitas e percebia também que pelo que Cibele falava Paulo podia perfeitamente estar sobre alguma estranha influência. Não havia motivos para ele se manter relutante em relação à essa hipótese, principalmente diante do que havia acontecido com ele dentro de sua própria casa. Se havia alguma perturbação contra ele também podia haver com Paulo, e de uma forma mais direta.
  - Vou explicar pra vocês como acontecem essas coisas pra assim poderem pensar melhor sobre a hipótese, mas também vou contar à vocês sobre o meu acidente, creio que ambos os acontecimentos podem ter alguma ligação. Só peço á vocês que se mantenham calmas e ouçam com atenção o que irei explicar ok?
  Tatiana e Cibele ajeitaram-se nervosamente nas poltronas como se Hanz estivesse prestes a iniciar uma história de terror.

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