- Alô... Hanz, tudo bem? – indagava Tatiana
pelo telefone.
- O curativo no rosto tá incomodando um pouco
mas tá tudo bem sim, você já tá sabendo das mudanças todas né?
- Já sim, o Jean me telefonou e me disse.
Desculpe não ter aparecido aí na sua casa, é que estou aqui na casa da Cibele
dando uma força pra ela. O que o Paulo fez deixou ela bastante chateada e a
perna dela não tá muito legal não. Pô, todo mundo sabia que o cara tava
esquisito esses tempos mas isso que ele fez hoje foi demais.
- É, ele parece que surtou geral mesmo. Ele
não deu notícia nenhuma?
- Até agora não, ele saiu aquela hora com o
equipamento e não deu mais as caras. O que será que ele tá pensando em
aprontar?
- Não faço a menor idéia mas só espero que
ele não faça nenhuma cagada, pro bem de todo mundo. O Jean e o Renzo estão dando
umas voltas pela cidade pra ver se o encontram, mas sinceramente acho difícil
de eles conseguirem. – Hanz esconde o verdadeiro intuito dos companheiros
conforme combinado.
- É, difícil é mesmo, mas não dá pra ficar
parado esperando pelo pior, tomara que eles consigam. Mas e as coisas por aí
como estão?
- Por aqui tá tudo tranqüilo, eles disseram
que se tiverem alguma novidade eles me telefonam avisando. O jeito agora é
esperar, eu tô com o braço imobilizado e nem tem como dirigir, nem posso
ajudar.
- É, a Cibele me contou os detalhes do seu
acidente. Negócio estranho esse heim... você não tinha bebido nada?
- Eu tomei umas duas cervejas com o Renzo à
tarde, mas nem fizeram efeito, eu tava legal aqui em casa. Mas vamos deixar
isso pra lá, agora não tem como querer ficar especulando. – ele fazia idéia do
que tinha acontecido mas não queria falar a respeito com o pessoal pois sabia
que eles não entendiam do assunto e estava sem paciência pra explicar.
- Bom, então tá né. Vou ficar um pouco com a
Cibele e se não ficar muito tarde eu apareço aí na sua casa mais tarde se você
não e importar.
- Ok, se quiser apareça sim, eu tô de licença
médica e vou ficar longe do trabalho uma semana, amanhã nem tenho que acordar
cedo, apareça sim. – por mais que ele negasse isso, o convite de Tatiana o
agradava.
- Então tá certo, mais tarde eu passo aí
então. Beijo... tchau.
Hanz estava com vontade de ir pro computador
mas com seu braço imobilizado ficaria complicado para digitar então achou
melhor ler um livro, pelo menos assim se distrairia um pouco e descansaria suas
costelas. Para sorte dele seu pulmão não havia sido atingido e não havia
nenhuma fratura, mas o hematoma que havia no local da pancada requeria
cuidados.
Sua cabeça estava a mil, muita coisa estava
acontecendo ao mesmo tempo e a sensação de impotência em virtude de não poder
auxiliar os amigos na busca à Paulo o incomodava um pouco mas não havia nada
que pudesse fazer.
Com Brutus solto pelo quintal dando-lhe
segurança Hanz entregou-se à leitura de seu livro, com a pistola ao seu lado,
estava preparado pra qualquer coisa.
Na casa de Cibele as duas moças conversavam.
- ... o Renzo até seguiu ele já mas não
descobriu nada de estranho. Disse que ele só fica em um bar conversando com uns
caras que ele não conhece. – falava Cibele com uma bolsa de gelo sobre a perna.
- O estranho é que ele sempre aparentou ser
super gente boa, nunca imaginei que ele pudesse fazer isso tudo, como ele mudou
tanto assim?
- Ele começou a agir assim estranho depois
que formamos um grupo. No começo tava tudo bem mas a partir de um certo momento
ele começou a ficar arredio até comigo. Nas reuniões você mesma percebeu o
jeito como ele tá ultimamente. Hoje nós fomos na casa do Hanz pra pegar o carro
pra ação de hoje e você precisava de ver, por pouco eles não se pegaram de
porrada, se o Renzo não estivesse lá eles teriam saído no tapa. O Renzo
conversou com ele depois que apartou a discussão deles, mas parece que não
adiantou muita coisa. Assim que ele me viu no carro do Hanz ele teve um ataque
de novo e veio pra casa. Foi quando eu cheguei em casa que tudo aconteceu, ele
estava totalmente fora de si, eu mal reconhecia ele, até o jeito de ele me
olhar estava diferente, com ódio, parecia querer me matar.
Tatiana ficou pensativa por um breve instante
e prosseguiu com a conversa.
- Veio uma coisa na minha cabeça Ci, pode
parecer doideira minha, mas é possível...
- Será que é o mesmo que eu estou pensando?
- Ter alguma coisa atormentando ele? Você
acha que existe essa chance? Pra mim é uma explicação bastante possível.
- Pode ser sim Tati, acho que tem alguma
coisa perturbando ele sim. Poxa, ultimamente ele nem de longe parece ser o cara
por quem eu me apaixonei, parece uma outra pessoa. E depois do jeito que ele
agiu comigo hoje eu tenho quase certeza. Já li alguma coisa sobre isso, mas
nunca acreditei nisso, essas coisas me dão arrepios, não gosto de ficar
pensando nessas coisas não.
- Se não for isso ele infelizmente tá pirando
mesmo. Mas conheço alguém com quem podemos conversar sobre isso, aposto que ele
deve estar pensando a mesma coisa e pode nos ajudar a chegar à uma conclusão...
- Quem Tati? – indagou ela arregalando os
olhos.
- Troca de roupa e me passa as chaves do
carro do Hanz, vamos pra casa dele. – disse ela se levantando.
- De quem? Do Hanz? Puts, bem lembrado Tati,
ele é espírita, ele pode explicar melhor essas coisas pra gente. – disse ela se
levantando com um pouco de dificuldade.
- Vamos pra lá então, se troca e vamos logo.
Confesso pra você que estou com um pouco de medo de ficar rodando por aí com o
Paulo desse jeito.
- Tá bom, eu me troco rapidinho, é até mais
seguro ficarmos todos juntos. – disse Cibele indo para o quarto.
Por mais interessante que pudesse ser o
assunto do livro Hanz não conseguia se concentrar na leitura. A todo instante
ele sentia alguém o observando, desviava os olhos do livro e olhava para a
porta de seu quarto e para a passagem que dava para o corredor na esperança de
ver alguma coisa, mas não via nada.
Por mais que estudasse o espiritismo e
seguisse a doutrina o medo começou a se apossar dele, havia alguém na casa e
ele não tinha a menor idéia de quem era ou o que queria...
De vez em quando ouvia os passos de Brutus
pelo quintal e aquilo lhe devolvia a sensação de tranqüilidade pois sabia que
não estava totalmente só.
Era estranho, ele que tanto desejara a
solidão agora necessitava sentir-se acompanhado para que seu medo
desaparecesse. Naquele momento percebeu que a solidão não era assim tão
encantadora como ele imaginava.
Ouviu um carro estacionando em frente à sua
casa e os latidos do seu cão se iniciaram. Seu coração disparou: seria Paulo?
Hanz deu um pulo do sofá empunhando a pistola
emprestada por Jean e foi até a porta. Olhou pelo olho-mágico e viu que era seu
carro que chegara, o que Cibele estaria fazendo ali? Um poucos segundos vários
pensamentos vieram á sua cabeça, entre eles o de que Paulo poderia ter se
apossado do automóvel e vindo atrás dele.
Esse pensamento fez com que ele empunhasse a
arma com mais firmeza, tinha certeza de que se Paulo descesse do carro ele não
estaria ali em missão de paz.
Mas sentiu-se calmo novamente quando viu
Tatiana descer pela porta do motorista e em seguida ver Cibele, mancando,
chegando até seu portão.
- Nossa, a que devo visitas tão inesperadas?
– indagou ele abrindo a porta.
- Cheguei bem antes do que você esperava né?
– indagou Tatiana.
- Que nada, fico feliz que tenham vindo, eu
estava me sentindo um pouco sozinho demais.
Hanz foi até o portão e deu o comando para
que Brutus se deitasse.
- Tem certeza que não precisa prender esse
monstro não? – indagou Cibele que tinha pavor de cachorros e Brutus, não tinha
a cara das mais amistosas, aumentava ainda mais esse seu temor.
- Fica sossegada Cibele, ele só ataca se eu
mandar ou se eu não estiver por perto. Talvez ele queira brincar um pouco como
sempre faz, mas já mandei ele deitar.
- Dá a chave aqui que eu abro pra você. –
disse Tatiana vendo a dificuldade de Hanz.
Enquanto entravam as garotas não puderam
deixar de notar a arma presa à cintura do rapaz.
- Pelo visto você está se cuidando Hanz...
disse Cibele fazendo sinal para a amiga, sem tirar os olhos de Brutus que
estava deitado próximo a elas.
Hanz ficou um pouco sem graça, mas tentou
tranqüilizar a amiga.
- Desculpa Cibele, mas diante dos últimos
acontecimentos sou obrigado a tomar todos os cuidados que eu puder.
- Entendo você Hanz. Se o Paulo fez o que fez
comigo, o que podemos imaginar que ele faria caso se encontrasse com você.
Aliás, foi por isso que eu vim com a Tati, é que queremos conversar uns
negócios com você.
- Tudo bem, entrem aí, vamos lá pra dentro
que é melhor.
Já acomodadas na sala elas viam Hanz dar os
comandos para que Brutus ficasse alerta.
- Brutus, toma conta aí heim, qualquer coisa
manda ver. – disse ele fechando a porta da sala e vendo que o cachorro se
levantara obediente.
Após servi-las de refrigerante, bastante
atrapalhado devido ao seu braço imobilizado, Hanz acomodou-se na sala.
- Olha Hanz, nós vamos direto ao assunto
porque infelizmente amanhã cedo eu ainda terei que ir trabalhar tá? Já são
quase dez e meia, e já que nossa ação foi cancelada... – disse Cibele.
- Sem problemas, o que tá acontecendo? – Hanz
tinha ar preocupado.
- Nós estávamos lá em casa conversando e veio
uma idéia na nossa cabeça. Pode ser que estejamos inventando, sei lá, até eu
fico com vergonha de pensar esse tipo de coisa porque parece fantasioso demais,
mas é uma das conclusões em que eu e a Tati chegamos.
Vendo que Cibele estava envergonhada de
abordar o assunto, Tatiana toma a palavra.
- Nós estamos achando que o Paulo tá com
algum tipo de perturbação sabe? Parece que está sendo influenciado por alguma
coisa, um espírito ou algo assim, e como nós sabemos que você é espírita viemos
aqui pra conversar com você sobre isso. Pra explicar melhor pra gente como é
esse tipo de coisa entende?
Hanz não gostava muito de conversar sobre o
assunto, principalmente com pessoas que pertenciam à outras religiões. Não
sabia explicar bem o motivo, mas ele se julgava um mero seguidor que não tinha
o conhecimento necessário para explicar os fenômenos espíritas, principalmente
para pessoas leigas.
A idéia de que Paulo pudesse estar sendo
influenciado por algum espírito já tinha vindo-lhe à mente algumas vezes mas
ele havia descartado essa hipótese pois julgava que estaria agindo daquela
maneira estranha por ciúmes ou por sentir-se discriminado dentro do grupo por
algum motivo.
- Entendo sim, mas baseado em que vocês acham
isso? Existem muitas coisas que podem estar fazendo com que ele aja da maneira
como vem agindo.
- Ele tem estado muito estranho Hanz. Nas
reuniões do grupo todos perceberem já que ele vem agindo de uma maneira
estranha e quem o conhece melhor, como eu, a Tatiana e o Renzo também já
notamos que ele está esquisito demais. O que dizer então do que ele fez hoje
comigo? Eu vi a expressão nos olhos dele, parecia que não era quem estava na
minha frente, parecia outra pessoa, ele estava muito diferente.
- Bem, o comportamento dele mudou bastante
desde que iniciamos as atividades do grupo. No começo ele era um cara bem
tranqüilo, simpático e tal e de uns tempos pra cá todo mundo viu como ele
mudou, principalmente com relação à mim. No dia em que eu encontrei com ele no
hospital, quando o conheci, ele foi super gente fina comigo e agora o cara
parece que me odeia. Eu sempre achei que ele tivesse mudado por sentir ciúmes
de você ou por algum outro motivo mas nunca entendi o porque de ele ter mudado
o jeito dele com você e com seu filho, mas pelo que você está me dizendo...
- Eu também sempre achei isso. – concordou
Tatiana.
Hanz reparou em Tatiana, seu cabelo preso
formando um rabo-de-cavalo deixava seu pescoço nu, o pescoço que ele um dia
beijara. Aquele breve pensamento fez com que ele sentisse saudade daquela noite
e aumentou seu desejo de que ela fosse uma moça mais “séria” para que eles
pudessem manter um romance.
Seus pensamentos voaram longe por um
instante, mas Hanz esforçou-se para repelir esses pensamentos e concentras-se
na conversa.
- Eu também achava isso, mas depois do que eu
vi hoje mudei de opinião. Tem alguma coisa de errado com ele, eu vi isso nos
olhos dele, no jeito dele, era uma outra pessoa que estava lá comigo naquele
momento. Se vocês tivessem visto talvez entendessem melhor o que eu quero
dizer. Confesso pra você que morro de medo dessas coisas, espíritos, macumba,
fantasmas, demônios e sei lá o que, mas depois do que eu vi hoje... – Cibele
era convincente em suas palavras e Hanz sabia que o que ela dizia podia
perfeitamente ser verdade principalmente depois do que acontecera com ele à
algumas horas atrás.
- Eu acredito em você Cibele. Você conhece o
Paulo melhor do que qualquer um de nós e se está dizendo isso é porque há a
chance de ser verdade. Mas o que precisamente vocês querem saber sobre isso?
- Nem seu sei direito Hanz. Queria que você
explicasse como essas coisas acontecem, o motivo de elas acontecerem, esse tipo
de coisa. Eu já li alguma coisa sobre isso mas não me aprofundei porque tenho
medo dessas coisas. Mas agora, vendo que meu marido pode estar passando por
isso eu queria entender melhor essas coisas pra também poder ajudá-lo, se tiver
como. Esse estado dele pode comprometer a segurança de todos nós, você sabe
disso.
- Estamos com medo Hanz, viemos aqui pra sua
casa com medo de poder cruzar com ele pelo caminho, não sabemos do que ele é
capaz nesse estado. A Cibele disse que ele sacou a arma e ameaçou os vizinhos
deles que estavam tentando ajudá-la, ele pode fazer qualquer coisa enquanto
estiver assim, parece que perdeu totalmente a razão.
Hanz podia ver nos olhares das garotas o
quanto estavam aflitas e percebia também que pelo que Cibele falava Paulo podia
perfeitamente estar sobre alguma estranha influência. Não havia motivos para ele
se manter relutante em relação à essa hipótese, principalmente diante do que
havia acontecido com ele dentro de sua própria casa. Se havia alguma
perturbação contra ele também podia haver com Paulo, e de uma forma mais
direta.
- Vou explicar pra vocês como acontecem essas
coisas pra assim poderem pensar melhor sobre a hipótese, mas também vou contar
à vocês sobre o meu acidente, creio que ambos os acontecimentos podem ter
alguma ligação. Só peço á vocês que se mantenham calmas e ouçam com atenção o
que irei explicar ok?
Tatiana e Cibele ajeitaram-se nervosamente
nas poltronas como se Hanz estivesse prestes a iniciar uma história de terror.
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