terça-feira, 3 de junho de 2014

Capítulo XXXVI


  Após fazer a curva saindo da pacata travessa Cibele encostou o jipe. Estava encantada com aquele carro, muito mais moderno e confortável do que sua renda lhe permitia comprar.
  - Esse carro é um espetáculo, ainda terei um desse um dia. Deixe-me ver o que o Hanz tem de bom pra ouvir aqui... – disse ela abrindo o porta-luvas do automóvel e vasculhando entre os cd´s do amigo.
  Sua mente estava tomada pelos pensamentos sobre tudo aquilo que Hanz lhe explicara a pouco, aquela realidade que lhe fora apresentada abria inúmeras portas novas acerca da existência humana. Felizmente com elas também estavam as respostas para explicar o que estava acontecendo com Paulo, e isso, apesar de trazer-lhe tranqüilidade, não diminuía a preocupação sobre que atitudes insanas ele podia tomar enquanto estivesse naquele estado.
Sentia-se cansada de pensar naquilo tudo, o dia não tinha sido fácil, e uma música para ouvir durante o trajeto até sua casa esvaziaria um pouco sua mente.
  - Caramba, ele só tem rock pesado aqui, não tem um pagodinho, uma MPB, nada... – resmungava ela já com vários cd´s sobre o bando do passageiro.
  Infelizmente enquanto estava entretida na busca de algum cd que fosse de acordo com seu gosto musical Cibele não notou o carro vermelho todo escuro que cruzara a rua logo à sua frente.
  - Lá está o maldito, deve estar indo pro local do seu servicinho. – resmungou entre os dentes o condutor do automóvel vermelho, Paulo.
  Acelerando mais seu carro ele deu a volta pelo quarteirão, passando em frente à casa de Hanz, buscando surpreender o enorme carro negro pela retaguarda.
  Sua mente perturbada não lhe permitia raciocinar sobre o que fazia, a sede de sangue daquele ente que lhe dominava os sentidos levava-o de encontro à vítima que tanto desejava.
 - Bem, assim está melhor... – disse Cibele partindo inocentemente com o carro após sintonizar em uma rádio que atendia ao seu gosto musical.
  Na casa do verdadeiro alvo, Tatiana, sob o olhar encantado dele, arrumava a cama para a noite de sono que teria ao lado do homem por quem estava apaixonada, sem poder imaginar o que se passava bem próximo dali. Infelizmente devido à situação de Hanz a noite de amor não se concretizaria, mas apenas o fato de estar ao lado dele já lhe alegrava como dificilmente poderia imaginar algum tempo atrás. Mas não estava tranqüila.
  - Acho que vou ligar pro Jean pra saber se ele tem alguma novidade, não é bom?
  - Melhor não Tati, não sabemos o que pode estar acontecendo. Vamos esperar, se ele e o Renzo tiverem alguma novidade eles ligam aqui avisando. – Hanz imaginava que se os amigos estivessem de tocaia a espera de Paulo o toque do celular poderia atrapalhar sua estratégia e desviar-lhes a atenção.
  - Bom, então tá né. Você quem sabe. Vamos deitar Hanz, mas não sei se vou conseguir dormir com tanta preocupação. – disse ela sentando-se na beira da cama.
  - Bom, vamos ficar deitados então. Podemos ficar conversando... aproveitar esse momento em que estamos juntos. Aqui estamos em segurança. – disse ele aproximando-se e acariciando seus cabelos.
  Aflitos, Renzo e Jean desciam a enorme ladeira, tinham um mal pressentimento e queriam chegar ao seu destino o quanto antes, mas não podiam chamar a atenção. Durante o trajeto, em um cruzamento, avistaram algumas viaturas policiais que protegiam uma central de distribuição de água, provavelmente acreditando que ela pudesse ser um possível alvo da ação do grupo que aterrorizava a população.
  Paulo dobrou a esquina, o objeto reluzente no banco do passageiro o deixava em êxtase, seria com ele que realizaria seu ataque, mas viu o carro de Hanz já subindo a enorme ladeira tranqüilamente.
  - Não adianta fugir maldito, nada vai salvá-lo agora. – resmungou ele partindo atrás dele.
  Cibele, que não imaginava estar sendo seguida, mantinha uma velocidade reduzida já que não sabia conduzir muito bem aquele carro moderno e não desejava arriscar-se em altas velocidades por mais que desejasse chegar logo ao lugar onde se sentiria mais segura: sua casa.
  Ao ver o carro que se aproximava velozmente através do retrovisor Cibele apavorou-se ao reconhecer o condutor como sendo Paulo e a mesma sensação de terror que sentira ao ver o olhar e o sorriso dele enquanto a agredia tomou-lhe conta.
  “Meu Deus, o que ele quer agora?” – pensou ela acelerando o carro para fugir dele.
  Sua primeira idéia foi a de ir até o posto policial que ficava a alguns quarteirões dali e procurar proteção mas lembrou-se da arma ilegal que estava no carro e que Paulo também estava com a pistola e os explosivos, isso poderia trazer sérias complicações não só para ela como para seus amigos.
  Paulo também acelerou seu carro e logo encostou na traseira dela novamente, acendendo os faróis altos para dificultar a visão de sua vítima.
  - Você não vai escapar não miserável!!! – resmungou ele. Seus olhos faiscavam de ódio e ele rangia os dentes na ânsia de alcançar o carro que parecia se distanciar.
  Não era possível identificar o condutor do jipe devido aos vidros escurecidos e o perturbado rapaz imaginava que Hanz, seu inimigo, conduzia o veículo.
  Cibele estava em pânico, o carro já desenvolvia uma velocidade bastante elevada e ela não tinha como apanhar a arma que estava debaixo do seu banco para defender-se. Não conhecia bem aquele carro e dirigia com certa dificuldade pelas ruas estreitas daquele bairro vazio e a única coisa que era capaz de fazer naquele instante era fugir de seu perseguidor.
  Sentiu um aperto no peito com a idéia de usar a arma contra aquele homem que tanto amava e sabia estar fora de si, decidiu então fugir, despistá-lo, aproveitando o carro que dirigia, bem mais potente que o de Paulo.
  Acelerou ainda mais, devido às ruas de péssima qualidade o enorme carro trepidava muito, o que dificultava ainda mais a condução principalmente para ela que não estava costumada com ele.
  - Droga, isso está me irritando!! – gritou ela desligando o rádio e rapidamente trazendo sua mão ao volante, tinha muita dificuldade em manter o controle do carro naquela velocidade.
  A luminosidade que vinha de sua traseira denunciava que ela infelizmente não estava alcançando seu intuito, Paulo ainda estava em seu encalço e não se afastava.
   - Vou voltar pra casa do Hanz!!! – disse ela apavorada com a situação, percebendo que mesmo utilizando um carro bem mais veloz seria incapaz de fugir de Paulo que sabia dirigir bem melhor e estava acostumado com o carro que conduzia.
  Com esse pensamento Cibele fez uma curva fechada para a direita, cantando os pneus, indo assim de encontro à ladeira que a levaria de volta para a pequena travessa. Logo atrás de si pôde ouvir o som dos pneus do carro de Paulo, que não demonstrava estar disposto a desistir da perseguição.
  Ao longe Renzo e Jean puderam ouvir os sons de pneus no bairro silencioso que vinham da direção da travessa onde Hanz morava e seus corações se aceleraram ainda mais, juntamente com seus carros que também saltitavam ao passarem pelas irregularidades do asfalto daquela enorme ladeira escurecida pelas árvores.
  Cibele já estava a ponto de perder o controle do carro mas conseguiu aumentar a distância entre ela e o carro de Paulo, convertendo novamente à direita cantando os pneus, alcançou a ladeira. Foi obrigada a reduzir um pouco a velocidade que desenvolvia para conseguir manter o veículo sob seu controle, mas estava a apenas algumas quadras de atingir seu objetivo.
  Paulo tinha seus olhos em brasa, estava tomado pelo ódio, desejava alcançar seu desafeto antes que ele retornasse à sua casa, o que dificultaria ainda mais sua vingança.
  - Infeliz, acha que pode escapar de mim é? Eu mato você, seu cachorro e quem mais estiver do seu lado seu desgraçado... – resmungava ele pisando fundo no acelerador.
  A instabilidade do asfalto mal conservado já dificultava bastante a dirigibilidade em velocidades amenas mas na velocidade em que Cibele se encontrava ela tornava impraticável manter uma direção segura e por diversas vezes a apavorada mulher quase perdeu o controle do pesado carro.
  Jean, ao longe, pôde ver a luz das lanternas do carro de Paulo, que devia estar a dois quarteirões adiante, mas ainda que lhe fosse impossível identificar o veículo ele achou estranha a alta velocidade em que ele trafegava.
  “Que diabos tá acontecendo pô?” – pensou ele olhando a arma em sua cintura.
  Renzo, que vinha logo atrás dele, também já percebera que havia algo errado e seguia-o de perto com bastante dificuldade devido à qualidade do asfalto.
  Cibele adentrou a pequena travessa ainda cantando os pneus, o que chamou a atenção de Tatiana e Hanz que já preparavam-se para deitar.
  - O que tá acontecendo? – indagou Hanz assustando olhando para Tatiana.
  - Fica aí, eu vou lá ver o que é isso... – advertiu a garota apoderando-se da pistola e saindo do quarto.
  Ela já pressentia que algo de errado estava acontecendo e teve certeza disso ao observar através do visor da porta que era o carro de Hanz que estava estacionando, mas seu coração disparou ainda mais ao perceber que havia outro carro estacionando abruptamente.
  - Fica aí no quarto Hanz, é a Cibele, tem alguma coisa errada!! – gritou ela abrindo a porta da sala e saindo para o quintal.
  Hanz sentiu-se impotente diante de sua condição. Com o braço imobilizado ele não poderia fazer praticamente nada para remediar aquela situação e seu maior temor era que Tatiana se machucasse. Ainda assim ele pensou rápido e gritou para que Brutus viesse para junto dele. Seu companheiro era a única forma que via de defender-se.
  “Se eu sair do quarto ele vai me pegar.” – pensou Cibele aflita mantendo-se no interior do automóvel e vendo Paulo estacionar logo atrás dela.
  - Você acha que pode fugir de mim seu miserável? Vamos ver pra onde você vai agora. – rosnou o perturbado rapaz apanhando sua pistola.
  Tatiana, pistola em punho, reconheceu o carro de Paulo e temia pelo pior, mas ela era valente e foi para próximo da grade de onde teria uma mira certeira caso houvesse a necessidade de fazer uso da arma que carregava.
  - O que essa vadia tá fazendo na casa do miserável? – indagou Paulo ao ver Tatiana junto à grade do portão.
  - Sai daqui Paulo, pense bem no que você tá fazendo cara!!! – gritou Tatiana na tentativa de evitar um possível confronto.
  Hanz esgueirou-se até a porta para poder ter uma visão melhor do que se passava, Brutus ao seu lado mantinha-se em silêncio como que aguardando o próximo comando do seu dono.
  - Vai pra dentro Tati, ele está louco!!! – gritou Cibele em vão, pois estando dentro do carro dificilmente alguém poderia ouvir o que ela dizia.
  Paulo desceu do carro empunhando sua pistola e Tatiana pôde perceber o sangue que havia em sua roupa.
  - Vai pra dentro vadia, eu só quero o miserável. Isso não tem nada a ver com você!!! – gritou Paulo com uma voz rouca encaminhando-se para o carro de Hanz.
  Ao ser insultada Tatiana esteve prestes a fazer o disparo fatal. Por diversas vezes já havia sido insultada daquela forma por jovens ignorantes que a julgava pela maneira como se vestia e se portava e nunca deixou tais ofensas saírem impunes chegando até mesmo a entrar em lutas corporais por causa disso.
  “Ele está fora de si. Não posso matá-lo.” – pensou ela colocando os pensamentos em ordem e acalmando o ódio que a ofensa fez nascer dentro de si.
  A porta da casa defronte à de Hanz se abriu, eram os vizinhos estranhando a movimentação em um horário tão impróprio. Mas ao perceber Paulo empunhando sua pistola rapidamente a porta se fechou. As pessoas ainda não haviam se acostumado à violência que agora invadia também a até então pacata cidade, e com os acontecimentos violentos dos últimos dias esse medo aumentava ainda mais.
  “Droga, não vai demorar muito e a polícia estará aqui.” – pensou Hanz vendo a porta se fechar.
  - Vai embora cara, você está louco, não sabe o que está fazendo!! – gritou a valente garota apontando-lhe a arma.
  - Vira isso pra lá piranha ou vai acabar se machucando. Você acha que essa porcaria vai dar conta de mim? Nada vai me impedir de acabar com esse imbecil. – murmurou ele raivosamente caminhando em direção ao carro.
  “Ele me quer. Sou eu que o infeliz quer matar, ele pensa que estou no carro.” – pensou Hanz apavorado.
  Era evidente que Paulo estava fora de si, todos percebiam isso pelo modo como se movimentava e falava. Seria justo alvejá-lo estando ele fora do seu juízo perfeito? Que outra saída haveria caso ele não desistisse de seu funesto intuito?
  Ainda pelo retrovisor Cibele observava seu marido aproximar-se lentamente do carro desligado em que estava. Não conseguia ouvir com clareza o que ele e Tatiana conversavam mas percebia pela atitude da amiga que as intenções dele não eram boas.
  - Fica longe do carro Paulo, você não sabe o que está fazendo, vai fazer uma besteira cara!!! Não é o Hanz quem está aí dentro!! – gritou Tatiana ainda apontando-lhe a arma.
  - Ah, ah, ah, ah, ah!!! Não é? Então quem é? Você não me engana não piranha, não vai conseguir salvar seu amiguinho... – disse ele olhando com fúria para Tatiana e erguendo sua pistola.
  O silêncio que reinava foi quebrado pelo som dos carros de Jean e de Renzo que adentraram a travessa em alta velocidade cantando seus pneus, atraindo assim a atenção de todos.
  Jamais aquela tranqüila travessa fora palco de tanta agitação, e àquela altura, os vizinhos já haviam telefonado para a polícia que chegaria em poucos minutos.
  Paulo voltou-se na direção dos carros e viu-os estacionando apressadamente.
  Jean, devido ao seu treinamento militar, desceu rapidamente do seu carro já com a pistola em punho e analisando a situação. De onde estava não conseguia ver Tatiana, apenas Paulo que agora baixava sua pistola e corria para seu carro.
  “Malditos, estão todos aqui!!” – pensou o transtornado rapaz adentrando seu automóvel. Estava louco, mas não burro, e sabia que era incapaz de enfrentar todos do grupo.
  - Fica parado cara!! Fica parado!! – gritou Jean tentando evitar a fuga de Paulo.
  Renzo, com seu corpo tremendo devido à excitação do que acontecia, demorou-se um pouco mais para descer de seu carro, e ao fazê-lo já ouviu o motor do carro de Paulo sendo ligado.
  - Vamos pegar ele fiu, vamos atrás dele. – gritou o grandalhão voltando para seu automóvel.
  Jean pensou em atirar nos pneus do carro, o que dificultaria sua fuga, mas tal atitude apenas alertaria ainda mais a vizinhança e ele decidiu seguir o conselho do amigo e novamente voltou ao volante de seu carro.
  Paulo disparou em fuga, seu alvo poderia ser abatido em outra oportunidade desde que não fosse pego por Jean e Renzo que vinham em seu encalço, tarefa que estava longe de ser fácil.
  Assim que os carros dobraram a esquina cantando seus pneus Cibele, apavorada, saiu do carro de Hanz e veio até o portão.
  - Calma Ci, eu já vou abrir, fique calma. – disse Tatiana voltando até a porta da sala, onde Hanz lhe deu as chaves.
  Assim que o portão foi aberto as amigas se abraçaram.
  - Pensei que não fosse conseguir chegar aqui Tati, ele ia me matar...
  - Fique calma Ci, já acabou, o Jean e o Renzo cuidarão de tudo agora.
  Somente Brutus estava no quintal agora, os três estavam na cozinha conversando enquanto Cibele bebia um copo de água com açúcar.
  - Calma Cibele. O Paulo não está atrás de você, sou eu quem ele quer. Deu pra perceber isso.
  - Será mesmo? Mas então por que ele me perseguiu desse jeito? – disse a garota ainda muito nervosa.
  - Ele achou que fosse ele quem estivesse no carro Ci. Ele não tá sabendo que o Hanz tá machucado, e como o carro é dele e estava saindo da casa dele... Fique calma, não é de você que ele tem raiva, fique calma. – disse Tatiana alisando sua cabeça, sentada ao seu lado.
  - Pelo que eu ouvi ele dizer é isso mesmo Cibele, é atrás de mim que ele estava e não de você. Vamos ficar preparados porque não vai demorar muito pra polícia aparecer aqui, mas fiquem tranqüilas, eu já sei o que vou dizer. Deixem comigo...
  - Maldita vizinhança, mais essa agora. É melhor esconder a arma e os explosivos... – resmungou Tatiana.
  - Muito bem lembrado Tati, pode colocar tudo na casa do Brutus? Lá é escuro e dificilmente procurarão alguma coisa por lá. Cibele, pegue a sua que está no carro, provavelmente irão procurar alguma coisa nele também.
  - Meu Deus, o que será de Paulo? O que vão fazer com ele? – indagava nervosamente Cibele.
  - Infelizmente isso não está mais em nossas mãos. Vamos rezar para que ele recobre o juízo e que tudo termine da melhor maneira possível. Tatiana, ajeite as coisas como eu te disse, a polícia logo estará aqui, rápido.
  Tudo foi feito de forma como fora dito, mas ainda havia muita por acontecer naquela madrugada...

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