Após fazer a curva saindo da pacata travessa
Cibele encostou o jipe. Estava encantada com aquele carro, muito mais moderno e
confortável do que sua renda lhe permitia comprar.
- Esse carro é um espetáculo, ainda terei um
desse um dia. Deixe-me ver o que o Hanz tem de bom pra ouvir aqui... – disse
ela abrindo o porta-luvas do automóvel e vasculhando entre os cd´s do amigo.
Sua mente estava tomada pelos pensamentos
sobre tudo aquilo que Hanz lhe explicara a pouco, aquela realidade que lhe fora
apresentada abria inúmeras portas novas acerca da existência humana. Felizmente
com elas também estavam as respostas para explicar o que estava acontecendo com
Paulo, e isso, apesar de trazer-lhe tranqüilidade, não diminuía a preocupação
sobre que atitudes insanas ele podia tomar enquanto estivesse naquele estado.
Sentia-se
cansada de pensar naquilo tudo, o dia não tinha sido fácil, e uma música para
ouvir durante o trajeto até sua casa esvaziaria um pouco sua mente.
- Caramba, ele só tem rock pesado aqui, não
tem um pagodinho, uma MPB, nada... – resmungava ela já com vários cd´s sobre o
bando do passageiro.
Infelizmente enquanto estava entretida na
busca de algum cd que fosse de acordo com seu gosto musical Cibele não notou o
carro vermelho todo escuro que cruzara a rua logo à sua frente.
- Lá está o maldito, deve estar indo pro
local do seu servicinho. – resmungou entre os dentes o condutor do automóvel
vermelho, Paulo.
Acelerando mais seu carro ele deu a volta
pelo quarteirão, passando em frente à casa de Hanz, buscando surpreender o
enorme carro negro pela retaguarda.
Sua mente perturbada não lhe permitia
raciocinar sobre o que fazia, a sede de sangue daquele ente que lhe dominava os
sentidos levava-o de encontro à vítima que tanto desejava.
- Bem, assim está melhor... – disse Cibele
partindo inocentemente com o carro após sintonizar em uma rádio que atendia ao
seu gosto musical.
Na casa do verdadeiro alvo, Tatiana, sob o
olhar encantado dele, arrumava a cama para a noite de sono que teria ao lado do
homem por quem estava apaixonada, sem poder imaginar o que se passava bem
próximo dali. Infelizmente devido à situação de Hanz a noite de amor não se
concretizaria, mas apenas o fato de estar ao lado dele já lhe alegrava como
dificilmente poderia imaginar algum tempo atrás. Mas não estava tranqüila.
- Acho que vou ligar pro Jean pra saber se
ele tem alguma novidade, não é bom?
- Melhor não Tati, não sabemos o que pode
estar acontecendo. Vamos esperar, se ele e o Renzo tiverem alguma novidade eles
ligam aqui avisando. – Hanz imaginava que se os amigos estivessem de tocaia a
espera de Paulo o toque do celular poderia atrapalhar sua estratégia e
desviar-lhes a atenção.
- Bom, então tá né. Você quem sabe. Vamos
deitar Hanz, mas não sei se vou conseguir dormir com tanta preocupação. – disse
ela sentando-se na beira da cama.
- Bom,
vamos ficar deitados então. Podemos ficar conversando... aproveitar esse
momento em que estamos juntos. Aqui estamos em segurança. – disse ele
aproximando-se e acariciando seus cabelos.
Aflitos, Renzo e Jean desciam a enorme
ladeira, tinham um mal pressentimento e queriam chegar ao seu destino o quanto
antes, mas não podiam chamar a atenção. Durante o trajeto, em um cruzamento,
avistaram algumas viaturas policiais que protegiam uma central de distribuição
de água, provavelmente acreditando que ela pudesse ser um possível alvo da ação
do grupo que aterrorizava a população.
Paulo dobrou a esquina, o objeto reluzente no
banco do passageiro o deixava em êxtase, seria com ele que realizaria seu
ataque, mas viu o carro de Hanz já subindo a enorme ladeira tranqüilamente.
- Não adianta fugir maldito, nada vai
salvá-lo agora. – resmungou ele partindo atrás dele.
Cibele, que não imaginava estar sendo
seguida, mantinha uma velocidade reduzida já que não sabia conduzir muito bem
aquele carro moderno e não desejava arriscar-se em altas velocidades por mais
que desejasse chegar logo ao lugar onde se sentiria mais segura: sua casa.
Ao ver o carro que se aproximava velozmente
através do retrovisor Cibele apavorou-se ao reconhecer o condutor como sendo
Paulo e a mesma sensação de terror que sentira ao ver o olhar e o sorriso dele
enquanto a agredia tomou-lhe conta.
“Meu Deus, o que ele quer agora?” – pensou
ela acelerando o carro para fugir dele.
Sua primeira idéia foi a de ir até o posto
policial que ficava a alguns quarteirões dali e procurar proteção mas
lembrou-se da arma ilegal que estava no carro e que Paulo também estava com a
pistola e os explosivos, isso poderia trazer sérias complicações não só para
ela como para seus amigos.
Paulo também acelerou seu carro e logo
encostou na traseira dela novamente, acendendo os faróis altos para dificultar
a visão de sua vítima.
- Você não vai escapar não miserável!!! –
resmungou ele. Seus olhos faiscavam de ódio e ele rangia os dentes na ânsia de
alcançar o carro que parecia se distanciar.
Não era possível identificar o condutor do
jipe devido aos vidros escurecidos e o perturbado rapaz imaginava que Hanz, seu
inimigo, conduzia o veículo.
Cibele estava em pânico, o carro já
desenvolvia uma velocidade bastante elevada e ela não tinha como apanhar a arma
que estava debaixo do seu banco para defender-se. Não conhecia bem aquele carro
e dirigia com certa dificuldade pelas ruas estreitas daquele bairro vazio e a
única coisa que era capaz de fazer naquele instante era fugir de seu
perseguidor.
Sentiu um aperto no peito com a idéia de usar
a arma contra aquele homem que tanto amava e sabia estar fora de si, decidiu
então fugir, despistá-lo, aproveitando o carro que dirigia, bem mais potente
que o de Paulo.
Acelerou ainda mais, devido às ruas de
péssima qualidade o enorme carro trepidava muito, o que dificultava ainda mais
a condução principalmente para ela que não estava costumada com ele.
- Droga, isso está me irritando!! – gritou
ela desligando o rádio e rapidamente trazendo sua mão ao volante, tinha muita
dificuldade em manter o controle do carro naquela velocidade.
A luminosidade que vinha de sua traseira
denunciava que ela infelizmente não estava alcançando seu intuito, Paulo ainda
estava em seu encalço e não se afastava.
- Vou voltar pra casa do Hanz!!! – disse ela
apavorada com a situação, percebendo que mesmo utilizando um carro bem mais
veloz seria incapaz de fugir de Paulo que sabia dirigir bem melhor e estava
acostumado com o carro que conduzia.
Com esse pensamento Cibele fez uma curva
fechada para a direita, cantando os pneus, indo assim de encontro à ladeira que
a levaria de volta para a pequena travessa. Logo atrás de si pôde ouvir o som
dos pneus do carro de Paulo, que não demonstrava estar disposto a desistir da
perseguição.
Ao longe Renzo e Jean puderam ouvir os sons
de pneus no bairro silencioso que vinham da direção da travessa onde Hanz
morava e seus corações se aceleraram ainda mais, juntamente com seus carros que
também saltitavam ao passarem pelas irregularidades do asfalto daquela enorme
ladeira escurecida pelas árvores.
Cibele já estava a ponto de perder o controle
do carro mas conseguiu aumentar a distância entre ela e o carro de Paulo,
convertendo novamente à direita cantando os pneus, alcançou a ladeira. Foi
obrigada a reduzir um pouco a velocidade que desenvolvia para conseguir manter
o veículo sob seu controle, mas estava a apenas algumas quadras de atingir seu
objetivo.
Paulo tinha seus olhos em brasa, estava
tomado pelo ódio, desejava alcançar seu desafeto antes que ele retornasse à sua
casa, o que dificultaria ainda mais sua vingança.
- Infeliz, acha que pode escapar de mim é? Eu
mato você, seu cachorro e quem mais estiver do seu lado seu desgraçado... –
resmungava ele pisando fundo no acelerador.
A instabilidade do asfalto mal conservado já
dificultava bastante a dirigibilidade em velocidades amenas mas na velocidade
em que Cibele se encontrava ela tornava impraticável manter uma direção segura
e por diversas vezes a apavorada mulher quase perdeu o controle do pesado
carro.
Jean, ao longe, pôde ver a luz das lanternas
do carro de Paulo, que devia estar a dois quarteirões adiante, mas ainda que
lhe fosse impossível identificar o veículo ele achou estranha a alta velocidade
em que ele trafegava.
“Que diabos tá acontecendo pô?” – pensou ele
olhando a arma em sua cintura.
Renzo, que vinha logo atrás dele, também já
percebera que havia algo errado e seguia-o de perto com bastante dificuldade
devido à qualidade do asfalto.
Cibele adentrou a pequena travessa ainda
cantando os pneus, o que chamou a atenção de Tatiana e Hanz que já
preparavam-se para deitar.
- O que tá acontecendo? – indagou Hanz
assustando olhando para Tatiana.
- Fica aí, eu vou lá ver o que é isso... –
advertiu a garota apoderando-se da pistola e saindo do quarto.
Ela já pressentia que algo de errado estava
acontecendo e teve certeza disso ao observar através do visor da porta que era
o carro de Hanz que estava estacionando, mas seu coração disparou ainda mais ao
perceber que havia outro carro estacionando abruptamente.
- Fica aí no quarto Hanz, é a Cibele, tem
alguma coisa errada!! – gritou ela abrindo a porta da sala e saindo para o
quintal.
Hanz sentiu-se impotente diante de sua
condição. Com o braço imobilizado ele não poderia fazer praticamente nada para
remediar aquela situação e seu maior temor era que Tatiana se machucasse. Ainda
assim ele pensou rápido e gritou para que Brutus viesse para junto dele. Seu
companheiro era a única forma que via de defender-se.
“Se eu sair do quarto ele vai me pegar.” –
pensou Cibele aflita mantendo-se no interior do automóvel e vendo Paulo
estacionar logo atrás dela.
- Você acha que pode fugir de mim seu
miserável? Vamos ver pra onde você vai agora. – rosnou o perturbado rapaz
apanhando sua pistola.
Tatiana, pistola em punho, reconheceu o carro
de Paulo e temia pelo pior, mas ela era valente e foi para próximo da grade de
onde teria uma mira certeira caso houvesse a necessidade de fazer uso da arma
que carregava.
- O que essa vadia tá fazendo na casa do
miserável? – indagou Paulo ao ver Tatiana junto à grade do portão.
- Sai daqui Paulo, pense bem no que você tá
fazendo cara!!! – gritou Tatiana na tentativa de evitar um possível confronto.
Hanz esgueirou-se até a porta para poder ter
uma visão melhor do que se passava, Brutus ao seu lado mantinha-se em silêncio
como que aguardando o próximo comando do seu dono.
- Vai pra dentro Tati, ele está louco!!! –
gritou Cibele em vão, pois estando dentro do carro dificilmente alguém poderia
ouvir o que ela dizia.
Paulo desceu do carro empunhando sua pistola
e Tatiana pôde perceber o sangue que havia em sua roupa.
- Vai pra dentro vadia, eu só quero o
miserável. Isso não tem nada a ver com você!!! – gritou Paulo com uma voz rouca
encaminhando-se para o carro de Hanz.
Ao ser insultada Tatiana esteve prestes a
fazer o disparo fatal. Por diversas vezes já havia sido insultada daquela forma
por jovens ignorantes que a julgava pela maneira como se vestia e se portava e
nunca deixou tais ofensas saírem impunes chegando até mesmo a entrar em lutas
corporais por causa disso.
“Ele está fora de si. Não posso matá-lo.” –
pensou ela colocando os pensamentos em ordem e acalmando o ódio que a ofensa
fez nascer dentro de si.
A porta da casa defronte à de Hanz se abriu,
eram os vizinhos estranhando a movimentação em um horário tão impróprio. Mas ao
perceber Paulo empunhando sua pistola rapidamente a porta se fechou. As pessoas
ainda não haviam se acostumado à violência que agora invadia também a até então
pacata cidade, e com os acontecimentos violentos dos últimos dias esse medo
aumentava ainda mais.
“Droga, não vai demorar muito e a polícia
estará aqui.” – pensou Hanz vendo a porta se fechar.
- Vai embora cara, você está louco, não sabe
o que está fazendo!! – gritou a valente garota apontando-lhe a arma.
- Vira isso pra lá piranha ou vai acabar se
machucando. Você acha que essa porcaria vai dar conta de mim? Nada vai me
impedir de acabar com esse imbecil. – murmurou ele raivosamente caminhando em
direção ao carro.
“Ele me quer. Sou eu que o infeliz quer
matar, ele pensa que estou no carro.” – pensou Hanz apavorado.
Era evidente que Paulo estava fora de si,
todos percebiam isso pelo modo como se movimentava e falava. Seria justo
alvejá-lo estando ele fora do seu juízo perfeito? Que outra saída haveria caso
ele não desistisse de seu funesto intuito?
Ainda pelo retrovisor Cibele observava seu
marido aproximar-se lentamente do carro desligado em que estava. Não conseguia
ouvir com clareza o que ele e Tatiana conversavam mas percebia pela atitude da
amiga que as intenções dele não eram boas.
- Fica longe do carro Paulo, você não sabe o
que está fazendo, vai fazer uma besteira cara!!! Não é o Hanz quem está aí dentro!!
– gritou Tatiana ainda apontando-lhe a arma.
- Ah, ah,
ah, ah, ah!!! Não
é? Então quem é? Você não me engana não piranha, não vai conseguir salvar seu
amiguinho... – disse ele olhando com fúria para Tatiana e erguendo sua pistola.
O silêncio que reinava foi quebrado pelo som
dos carros de Jean e de Renzo que adentraram a travessa em alta velocidade
cantando seus pneus, atraindo assim a atenção de todos.
Jamais aquela tranqüila travessa fora palco
de tanta agitação, e àquela altura, os vizinhos já haviam telefonado para a
polícia que chegaria em poucos minutos.
Paulo voltou-se na direção dos carros e
viu-os estacionando apressadamente.
Jean, devido ao seu treinamento militar,
desceu rapidamente do seu carro já com a pistola em punho e analisando a
situação. De onde estava não conseguia ver Tatiana, apenas Paulo que agora
baixava sua pistola e corria para seu carro.
“Malditos, estão todos aqui!!” – pensou o
transtornado rapaz adentrando seu automóvel. Estava louco, mas não burro, e
sabia que era incapaz de enfrentar todos do grupo.
- Fica parado cara!! Fica parado!! – gritou
Jean tentando evitar a fuga de Paulo.
Renzo, com seu corpo tremendo devido à
excitação do que acontecia, demorou-se um pouco mais para descer de seu carro,
e ao fazê-lo já ouviu o motor do carro de Paulo sendo ligado.
- Vamos pegar ele fiu, vamos atrás dele. –
gritou o grandalhão voltando para seu automóvel.
Jean pensou em atirar nos pneus do carro, o
que dificultaria sua fuga, mas tal atitude apenas alertaria ainda mais a
vizinhança e ele decidiu seguir o conselho do amigo e novamente voltou ao
volante de seu carro.
Paulo disparou em fuga, seu alvo poderia ser
abatido em outra oportunidade desde que não fosse pego por Jean e Renzo que
vinham em seu encalço, tarefa que estava longe de ser fácil.
Assim que os carros dobraram a esquina
cantando seus pneus Cibele, apavorada, saiu do carro de Hanz e veio até o
portão.
- Calma Ci, eu já vou abrir, fique calma. –
disse Tatiana voltando até a porta da sala, onde Hanz lhe deu as chaves.
Assim que o portão foi aberto as amigas se
abraçaram.
- Pensei que não fosse conseguir chegar aqui
Tati, ele ia me matar...
- Fique calma Ci, já acabou, o Jean e o Renzo
cuidarão de tudo agora.
Somente Brutus estava no quintal agora, os
três estavam na cozinha conversando enquanto Cibele bebia um copo de água com
açúcar.
- Calma Cibele. O Paulo não está atrás de
você, sou eu quem ele quer. Deu pra perceber isso.
- Será mesmo? Mas então por que ele me
perseguiu desse jeito? – disse a garota ainda muito nervosa.
- Ele achou que fosse ele quem estivesse no
carro Ci. Ele não tá sabendo que o Hanz tá machucado, e como o carro é dele e
estava saindo da casa dele... Fique calma, não é de você que ele tem raiva,
fique calma. – disse Tatiana alisando sua cabeça, sentada ao seu lado.
- Pelo que eu ouvi ele dizer é isso mesmo
Cibele, é atrás de mim que ele estava e não de você. Vamos ficar preparados
porque não vai demorar muito pra polícia aparecer aqui, mas fiquem tranqüilas,
eu já sei o que vou dizer. Deixem comigo...
- Maldita vizinhança, mais essa agora. É
melhor esconder a arma e os explosivos... – resmungou Tatiana.
- Muito bem lembrado Tati, pode colocar tudo
na casa do Brutus? Lá é escuro e dificilmente procurarão alguma coisa por lá.
Cibele, pegue a sua que está no carro, provavelmente irão procurar alguma coisa
nele também.
- Meu Deus, o que será de Paulo? O que vão
fazer com ele? – indagava nervosamente Cibele.
- Infelizmente isso não está mais em nossas
mãos. Vamos rezar para que ele recobre o juízo e que tudo termine da melhor
maneira possível. Tatiana, ajeite as coisas como eu te disse, a polícia logo
estará aqui, rápido.
Tudo foi feito de forma como fora dito, mas
ainda havia muita por acontecer naquela madrugada...
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