terça-feira, 17 de junho de 2014

Capítulo XXXVIII


  - Esses desgraçados não desistem!! – resmungou Paulo raivosamente percebendo que Jean e Renzo não desistiam da perseguição que já durava quase vinte minutos.
  Já em um bairro bem distante de onde ela se iniciara onde, como não podia ser diferente, as ruas estando totalmente desertas e as casas silenciosas, ele resolveu partir para o tudo ou nada.
  - Eles querem acabar comigo é? Eles acham que conseguem isso? Vamos ver se eles conseguem mesmo... – disse Paulo encostando seu carro em frente à um terreno baldio.
  “Ele tá parando, vai tentar fugir a pé!!!” – pensou Jean ultrapassando-o e cruzando seu carro em frente ao dele de forma a impedir que arrancasse novamente.
  Renzo estacionou um pouco mais atrás, afastado, provavelmente temia ser alvejado por aquele que até então sempre demonstrara ser um grande amigo.
  “Tenha juízo fiote, não vá fazer nenhuma besteira, por favor.” – pensou ele descendo de seu carro.
  Paulo não tinha para onde fugir, Jean e Renzo o haviam cercado, mas para a surpresa dos dois ele não descera do carro.
  - Sai do carro com as mãos onde eu possa ver cara!!! Não tente nada, essa palhaçada acabou!! – gritou Jean apontando-lhe a pistola. Nesses instantes era possível perceber que Jean sempre dissera a verdade, ele realmente tinha treinamento militar.
  - Vamos ficar calmos pessoal. Não tem porque usar de violência, vamos ficar na boa!!! – gritou Renzo também apontando sua pistola, mas em sua voz podia-se perceber hesitação e medo.
  - Esse aí sempre foi um otário... – disse Paulo percebendo os sentimentos dele, sempre resmungando estranhamente, abrindo a porta do carro.
  A tensão daquele instante era inigualável, qual seria a reação dele? Jean e Renzo sabiam que ele estava totalmente perturbado e não sabiam se ele havia tomado consciência de sua situação ou se ainda tentaria alguma coisa.
  - Calma Jean, fique calmo cara!! – gritou novamente Renzo tentando evitar que o amigo disparasse contra Paulo pois sabia que ele não hesitaria em fazer isso.
  Paulo lentamente desceu do carro e virou-se para Renzo, infelizmente com a arma na mão, mas sem apontar para ninguém, somente para o chão.
  - Eu falei pra você soltar a arma Paulo!! – gritou Jean que tinha sua mira dificultada pela porta do carro.
  Ainda que a distância entre eles todos fosse razoável, Renzo pôde perceber o olhar raivoso do amigo e o sorriso sarcástico que jamais abandonara seus lábios.
  - Renzo, meu grande amigo, não acredito que você esteja apontando essa pistola pra mim. O que deu em você cara? – disse o transtornado rapaz.
  “Que diabo tá havendo? Ele tá muito estranho, nem parece o Paulo que eu conheço...” – pensou ele sem baixar a pistola.
  - Solta essa arma no chão Paulo, não tente nada, você tá na minha mira!! Solta logo ou eu acabo com você agora!! – gritou Jean detrás dele.
  - Calma Jean, ele não vai fazer nada!! – gritou Renzo ainda esperançoso de que tudo se resolvesse sem o uso de violência.
  Todas as pistolas estavam munidas de silenciador, o que evitaria alarmar todos os moradores próximos, mas ele aumentava mais o tamanho delas de forma que atribuía-lhes um aspecto ainda mais agressivo.
  Renzo estava trêmulo, jamais havia se deparado com uma situação como aquela. Temia que o amigo fizesse alguma besteira e acabasse machucado, mas temia também por sua própria vida. Um rápido filme veio-lhe à mente: imagens de seus pais, de Bianca e também as de Cibele e de Henrique...
  - Todos estamos calmos Renzo. Não tô entendendo o porque de tudo isso, abaixe essa arma pra podermos conversar cara. – disse Paulo.
  Renzo queria acreditar nas palavras do amigo mas seu estranho tom de voz denunciava que ele ainda não estava em seu estado normal.
  Jean lentamente começou a se aproximar de Paulo pelas costas, provavelmente tentaria desarmá-lo, o que poria fim a tudo aquilo. Renzo percebeu isso e passou a distrair o amigo.
  - Solta sua arma que eu abaixo a minha Paulo. Ninguém aqui quer machucar ninguém fiote, somos todos amigos. Faz o que eu tô te pedindo...
  - Ninguém quer machucar ninguém? Então por que esse filho da mãe tá vindo pra perto de mim? Vocês querem me ferrar!!! – gritou Paulo enfurecido.
 Nesse exato instante Jean deteve-se, como era possível Paulo saber que ele se aproximava? Agora a esperança de que tudo terminasse bem havia se acabado, Paulo havia perdido a confiança em Renzo.
  - Não Paulo, ninguém quer ferrar ninguém, fica calmo fiote!!!
  Mas Paulo começou lentamente a se virar para Jean, seus olhos de ódio denunciavam que ele não se entregaria.
  - Fica parado cara, fica parado!! – gritou Jean abaixando-se para esconder-se atrás do carro de Paulo.
  - Não vira Paulo, não vira!!! Faz o que ele tá mandando!!! – gritou Renzo sabendo que Jean efetuaria os disparos. Tudo o que ele não desejava infelizmente estava prestes a acontecer.
  - Ninguém manda em mim cara, ninguém!! – gritou furiosamente Paulo virando-se rapidamente e disparando na direção de Jean.
  Por sorte ele estava em segurança atrás do carro e Paulo calculou errado o posicionamento  do rapaz, disparando para bem longe dele.
  A cena que se seguiu jamais sairia da mente de Renzo: Paulo não tivera a mesma sorte e Jean, mesmo com a porta atrapalhando-lhe a mira, atingiu três disparos em seu peito, arremessando-lhe ao chão.  A pistola que o amigo portava foi arremessada longe e seu som metálico atingindo o chão parecia ecoar em sua cabeça como um gigantesco sino.
  - Não!! Merda... Paulão!! – gritou Renzo correndo aterrorizado em sua direção.
  Jean levantou-se impassível, para ele Paulo nada mais era que um inimigo abatido e observava-o tentando certificar-se que o impasse havia chegado ao seu final.
  O rapaz não soltara nem um grito ao ser atingido e mesmo estando no chão não se ouvia um gemido sequer, mas ele estava vivo, pois movimentava seus braços como que procurando levantar-se.
  Renzo guardou sua arma atrás da cintura e, com lágrimas nos olhos, ajoelhou-se ao lado do amigo na tentativa de socorrê-lo.
  - Paulo, mas que merda cara, por que você fez isso fiu? Por que não fez o que nós mandamos você fazer porra?? – gritou ele erguendo a cabeça do amigo.
  O olhar diabólico e o sorriso sarcástico haviam desaparecido de seu rosto. Banhado em sangue e com muita dificuldade ele ainda conseguia falar.
  - Caramba Renzo, isso dói muito cara. Você tá bem? – ele parecia não se lembrar de nada.
  Choramingando e sorrindo nervosamente Renzo tentava remediar a situação.
  - Tô cara, eu tô bem sim. Nós vamos te levar pro hospital e você também vai ficar fiu. Por que você fez isso, por quê?
  - Não sei, faz uma coisa pra mim meu amigo: pede desculpas pra Cibele por mim, fala pra ela que eu a amo muito, ela e o Rique, eu amo muitos os dois. – disse ele engasgando com seu sangue e com lágrimas escorrendo de seus olhos.
  Jean já estava ao lado deles, em pé, e por mais que tentasse manter-se firme a frase de sua vítima fez com que lágrimas brotassem também de seus olhos.
  - Você vai ficar bem fiote, pára com isso, você ainda vai ver o Rique casar e te dar netos que vão te encher o saco...
  O olhar do amigo já estava se perdendo pela escuridão do céu estrelado, mas ele parecia lutar para vencer a morte.
  - Não cara, eu sei que não. Mas pelo menos esse inferno todo acaba aqui. Cuida deles pra mim tá cara? Peça pra Cibele me desculpar, eu jamais quis machucar ela...
  Por mais que Renzo lutasse contra essa idéia, ele sabia que o amigo estava em seus últimos momentos. Não havia tempo para que o amigo fosse socorrido.
  Jean se aproximou e colocou a mão no ombro de Renzo.
  - Cara, temos que sair daqui. Desculpa cara, não teve outro jeito, infelizmente não teve. Vamos fazer uma limpa no local e sair fora. A polícia pode aparecer, se pegarem a gente aqui tamos ferrados. – sua frieza era impressionante mas compreensível, ele não conhecia Paulo como o rapaz que via o amigo soltar seus últimos suspiros.
  Na casa de Hanz, ele e Tatiana que estavam conversando na cozinha e foram surpreendidos por Cibele, que até então estava deitada por orientação do rapaz que pediu que ela o fizesse para acalmar-se.
  - Aconteceu alguma coisa!! Aconteceu alguma coisa com o Paulo!! – gritava Cibele descontrolada, em lágrimas.
  - Calma Ci, deve ter sido um sonho, por favor, fique calma amiga!! – adiantou-se Tatiana.
  - Não, eu não estava dormindo. Por favor Hanz, ligue pros rapazes, perguntem sobre o que está acontecendo, por favor!!
  Hanz apressadamente foi até a sala para fazer a ligação, mas seu telefone estava mudo.
  - Estranho, meu telefone não está dando linha...
  - Pegue meu celular no quarto Hanz, pode usar o meu. – disse Tatiana segurando as mãos da amiga, que tremia de nervoso.
  - Ok, aproveito pra avisá-los sobre a polícia. Eles não podem mudar a versão que eu dei se forem pegos, se isso acontecer estamos ferrados... – Hanz não havia ainda tomado essa precaução por temer atrapalhar seus amigos que provavelmente deveriam estar em uma difícil situação, mas era fundamental que o fizesse.
  O celular de Renzo tocou mas como estava dentro do carro não foi ouvido. Em seguida foi a vez do de Jean.
  - Fala Hanz, tá tudo bem por aí? Eu tô meio atrapalhado aqui agora... – disse Jean ainda observando Paulo em seus últimos espasmos.
  - Eu imagino que sim meu, mas só me diz se tá tudo bem por aí. A Cibele tá com um péssimo pressentimento, o que tá acontecendo? – disse ele rápida e nervosamente temendo atrapalhá-los.
  - Não fala nada cara, mas o Paulo tá pra morrer. Infelizmente tive que acertar ele. – respondeu friamente já afastando-se do moribundo e de Renzo.
  Hanz ficou mudo, seus sentimentos se confundiram. Imaginou que um grave problema tivesse sido resolvido, mas sabia que ele poderia tê-lo sido de outra forma caso houvesse tempo. Havia a possibilidade de fazer com que o espírito que estava atormentando Paulo fosse convencido a deixar de fazê-lo, mas para isso haveria a necessidade de que o pobre rapaz fosse controlado. Infelizmente não houvera tempo para isso.
  Mesmo abalado ele organizou suas idéias e deu o aviso.
  - É o seguinte Jean, dêem um jeito aí em tudo e tomem muito cuidado. A polícia esteve aqui em casa, como você pode imaginar, e eu disse que quem esteve aqui em casa ameaçando-me foi um dos caras que agrediram o Renzo daquela vez e que o grandalhão saiu em perseguição do cara. Mas e agora, quanto ao Paulo, o que faremos? Que versão daremos para sairmos limpos disso tudo? – felizmente Hanz estava no quarto e as garotas, que estavam na cozinha, não podiam ouvir sua conversa.
  - Tô entendendo. Tenho uma coisa em mente já, vou falar com o Renzo e daqui a pouco eu apareço aí pra combinarmos tudo. Não conte nada pra ninguém ainda, quando eu chegar aí eu vejo o que vamos fazer. Deixa que eu cuido das coisas por aqui, fica sossegado. Ainda bem que você telefonou. Até já. – disse Jean já encerrando a ligação. Tudo teria que ser acertado rapidamente com Renzo pois havia a possibilidade de a polícia já estar chegando.

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