terça-feira, 1 de julho de 2014

Capítulo XL


  A manhã seguinte estava nebulosa, como se os céus estivessem prestes a derramar suas lágrimas lamentando a morte de Paulo.
  Tatiana tinha levado Cibele até a casa dela, onde a moça pretendia trocar de roupa e ir trabalhar mesmo estando muito preocupada com seu marido. Ninguém havia lhe contado sobre o terrível acontecimento e Tatiana pretendia deixá-la a par de tudo assim que chegassem ao seu destino pois estariam sozinhas, e ela preferia que fosse assim.
  Hanz ainda dormia quando partiram mas havia telefonado para Renzo durante a madrugada indagando sobre o andamento das coisas. O amigo dissera-lhe que o sargento também havia lhe dito que fosse à delegacia pela manhã para dar seu depoimento e fazer o boletim de ocorrência, e como Hanz também teria que comparecer ao local, combinaram de irem juntos até lá tanto porque Hanz não podia dirigir como para combinar sobre o que diriam.
  A versão não poderia ser mudada, mas Hanz ainda temia que alguma contradição colocasse em perigo a segurança do grupo.
  Renzo estava bastante abatido quando, por volta das nove horas, chegou à casa de Hanz.
  Assim que se encontraram eles se abraçaram, o corpulento rapaz estava bastante abalado com o que acontecera com seu amigo.
  Sentados na sala, puderam conversar melhor.
  - ... não sei porque ele fez aquilo fiote. Se ele tivesse feito o que o Jean disse nada disso teria acontecido. Ele morreu praticamente nos meus braços fiu... – Renzo chorava enquanto explicava ao amigo o que havia acontecido.
  - Eu imagino como você deva estar se sentindo Renzo, mas fica calmo meu. Deus sabe o que faz. Pense bem: era ele ou vocês, não havia outra coisa a fazer.
  - O Jean ainda tentou chegar nele e tirar a arma, mas tudo foi muito estranho, o Paulo percebeu que ele estava chegando perto... Na verdade ele estava muito estranho fiote, eu nunca tinha visto ele daquele jeito. O jeito como ele falava, como se comportava... parecia uma outra pessoa, não era o Paulão que eu conhecia...
  - Foi a mesma coisa que a Cibele me disse, ele parecia estar tomado por alguma coisa. Olha, se tiver com paciência meu, eu queria te explicar algumas coisas, acho que depois de ouvir o que eu tenho pra falar vai se sentir um pouco melhor...
  O amigo ficou em silêncio esperando pelas palavras de Hanz que lhe explicou o mesmo que havia explicado para Tatiana e Cibele durante a madrugada.
  - Você acha que pode ter acontecido isso com ele fiote? – indagou ele indignado.
  - É, acho que sim. Infelizmente eu não percebi isso antes, eu não o conhecia muito bem. Mas você e a Cibele parece que notaram isso, vocês o conheciam bem melhor do que eu. Acho que pode ter sido isso sim meu.
  - E a Cibele, como ela tá?
  - Não sei, a Tatiana foi com ela pra casa e ia contar tudo lá, elas dormiram aqui hoje. A Cibele estava preocupada com ele, mas pretendia ir trabalhar normalmente, só que isso não vai acontecer. Só espero que ela reaja bem.
  - É, eu também. Será que ela pode dar com a língua nos dentes?
  - Não sei, esse é meu medo. Mas acho que não, se ela fizer isso estará se complicando também, queira ou não estamos todos juntos nisso...
  - É, espero que a Tatiana consiga acalmá-la. Bom fiote, falando nisso, já tá na hora de ir pra delegacia. Vamos manter a versão que eu dei pro sargento e tomar cuidado para que a gente não faça nada de errado. Temos que pensar bem no que vamos falar.
  - Eu sei, vamos indo então, conversamos sobre isso no caminho...
  Na casa de Cibele a pobre garota não se conformava com o terrível destino de seu marido.
  - Como Deus pôde deixar que isso acontecesse Tati? Ele estava fora de si, não era responsável por seus atos, por que Deus não castigou aquele que o atormentava? Que culpa Paulo tinha nisso tudo? – chorava ela revoltando-se.
  - Se estava acontecendo o que Hanz disse, ele realmente não tinha culpa do que estava fazendo, mas quem somos nós para julgarmos o que Deus faz Ci? É como o Hanz me disse: a única coisa que podemos fazer é aceitar, ele sabe o que faz. Eu sei que dói muito, eu sei muito bem o que você está sentindo amiga, e por mais que eu tenha me revoltado quando toda aquela desgraça aconteceu comigo, não adiantou nada, meu irmão não voltou pra mim e o maldito que me atacou não pagou pelo mal que me fez. Eu só peço que você tenha calma minha amiga, o que aconteceu não pode mais ser mudado, infelizmente.
  - Aceitar? Como eu posso aceitar tamanha injustiça Tati? E no meu caso é diferente, eu sei quem matou o Paulo e posso fazer com que ele pague pelo que fez.
  - Fique calma Ci, as coisas não são assim. Se o Jean fez o que fez é porque não teve outro jeito. Você mesma viu como o Paulo estava, se nós não tivéssemos feito alguma coisa ele teria te matado Ci, você mesma presenciou isso. O Jean não tem culpa, se ele fez o que fez foi para defender ele mesmo e o Renzo, pode ter certeza disso. Não fique com raiva dele, deixe as coisas como estão, você está se esquecendo de que todos nós estamos envolvidos nisso? Se você denunciar o Jean pela morte do Paulo todos nós estaremos ferrados, não se esqueça disso. – Tatiana tinha pressa em fazer com que Cibele desistisse da idéia de denunciar Jean pelo acontecido pois a irmã dela estava a caminho dali.
  Cibele parou um pouco para pensar nas palavras da amiga, ela tinha razão, o fato de denunciar o companheiro do grupo apenas complicaria ainda mais a situação.
  - É verdade Tati, não posso fazer isso. Mas não foi justo o que aconteceu com o Paulo, ele não podia ter morrido, como Deus permitiu que isso acontecesse?
  - Foi uma fatalidade Ci, foi uma fatalidade. Mas fique calma, Deus sabe o que faz, não podemos saber o que ele reserva pra cada um de nós, e se as coisas aconteceram desse jeito é porque foi melhor assim.
  Nesse instante o telefone tocou, era da delegacia. Estava sendo solicitada a presença dela, como esposa do falecido ela deveria dar conta de toda a papelada necessária.
  Cibele telefonou então para sua irmã pedindo que ela a encontrasse na delegacia.
  - Você está bem Cibele? Posso confiar em você minha amiga? – certificava-se Tatiana, ainda preocupada.
  - Eu tô bem sim Tati, pode ficar sossegada. Farei conforme o que está combinado, não posso colocar a segurança de todos nós em risco, isso não trará o Paulo de volta. Vou telefonar para os parentes dele, o pessoal tem que saber sobre o que aconteceu.
  Cibele telefonou então para a prima da mãe de Paulo que era o único familiar que o falecido tinha na cidade e, em seguida, ambas foram para a delegacia usando o carro de Hanz.
  Lá chegando encontraram-se com Hanz sentado no corredor, que após ter dado seu depoimento aguardava seu amigo terminar de fazer o mesmo.
  - Poxa Cibele, meus pêsames... – disse Hanz abraçando a amiga e recebendo um sinal de positivo de Tatiana que o tranqüilizou.
  - Não sei como isso pôde acontecer Hanz, como Deus deixou que isso acontecesse? – dizia a chorosa garota ainda inconformada.
  - Olha Cibele, mais tarde conversamos sobre isso pode ser? Tudo tem uma explicação. Eu sei que nada do que eu disser diminuirá a dor que você tá sentindo, a única coisa que posso te oferecer agora é toda a minha ajuda no que você precisar...
  - Obrigada Hanz, é muito difícil aceitar o que aconteceu, mas é melhor conversarmos depois mesmo, aqui não é um lugar ideal. – agradeceu ela mostrando-se lúcida em relação aos problemas relacionados ao grupo.
  Na sala do delegado, Renzo passava por apuros.
  - ... vocês seguranças tem essa mania de querer resolver tudo do jeito de vocês porra. Vocês têm que entender que não são autoridade nenhuma Renzo, o que você fez foi errado e você sabe disso. Quando o cara apareceu na casa do seu amigo, o Hanz, vocês já deviam ter acionado a polícia e não tentado resolver as coisas do jeito de vocês. Você viu o que acabou acontecendo? Por causa disso seu amigo agora está morto. Deveria ter telefonado pra polícia, somos nós quem cuidados desses casos e mais ninguém. Espero que isso tenha servido como lição e que, se houver a necessidade, da próxima vez você chame a polícia e não tome nenhuma medida pro conta própria. Menos mal que só o Paulo tenha sido alvejado, poderia ter sido você também e só Deus sabe quem mais podia ter se machucado nessa história toda. – falava o delegado nervoso.
  - Eu sei disso seu delegado, eu sei disso. Na hora não sei o que foi que me deu, eu queria pegar o cara a qualquer custo. Poxa, da última vez que vocês prenderam o cara ele fugiu, isso me deixou puto da vida, eu queria dar um jeito nisso, não imaginei que fosse acabar assim, se eu soubesse que meu amigo iria morrer a gente não teria ido atrás do cara. Mas não adianta ficar pensando nisso agora, nada vai trazer o Paulo de volta, nada! – falava o choroso rapaz cabisbaixo. O remorso corroia seu íntimo pois sabia que nada daquilo que ele falava era mentira, mas era necessário que assim o fosse para que ele e seus amigos não se complicassem.
  - Realmente, agora nada vai mudar o que aconteceu. Eu sei como você deve estar revoltado com tudo isso rapaz, mas você agiu mal e sabe disso. Nunca mais faça isso de novo tá me ouvindo? De assuntos assim é a polícia quem cuida, mais ninguém. Bom, seu depoimento já foi registrado, agora é só torcermos para o meliante não ter sumido de novo pra que consigamos botar as mãos nele. Pode se retirar, parece que a esposa do falecido está aí e quero conversar com ela, me dê licença.
  Renzo sentiu um frio na barriga ao saber que Cibele seria a próxima a ser ouvida, ele não sabia como ela havia reagido diante do acontecido e temia que ela contasse a verdade.
  Ao sair da sala ele se deparou com a abatida garota e ambos se abraçaram.
  - Fique tranqüilo Renzo, eu sei que você não teve culpa de nada, você sempre cuidou do Paulo e sei que deve ter feito de tudo pra que isso não acontecesse. Vamos deixar para conversar depois tá? – cochichou ela em seu ouvido.
  Renzo caiu em lágrimas, queira ou não ele se sentia culpado pela morte do amigo pois como ela lhe dissera ele sempre cuidou bem dele e acreditava que não havia sido diferente naquela madrugada. Infelizmente no fatídico episódio o amigo não ouvira suas palavras e acabou tendo sua vida abreviada por sua tresloucada atitude.
  Hanz abraçou o amigo pelo ombro compadecendo-se da dor que ele sentia. Era incrível como por trás daquele sujeito forte e de aparência truculenta havia um rapaz sensível.
  - Se vocês quiserem ir para casa podem ir Hanz, eu vou esperar a Cibele terminar o que ela tem pra fazer e mais tarde apareço por lá. Daqui a pouco a irmã dela estará por aqui e eu estarei livre. Tenho que ir no escritório ainda dar conta da minha falta, depois eu desço na sua casa tá? – disse Tatiana acariciando seu rosto.
  Renzo ao ver a cena cessou de derramar suas lágrimas.
  - Ué, o que tá acontecendo?
  Os dois não puderam esconder seus tímidos sorrisos envergonhados.
  - Vamos indo Renzo, no caminho eu te conto meu...
  - Pô, parece que nessa noite aconteceu muita coisa que eu não estou sabendo heim... – disse o rapaz já com um breve sorriso em seu rosto, enxugando suas lágrimas.
  Tatiana deu uma risada contida.
  - Melhor vocês irem indo, mais tarde a gente se fala.
  Os rapazes ainda passam pelo trabalho de Hanz para informar da licença médica que ele havia recebido em virtude de seu ferimento.
  - E aí fiote, tudo certo? – indagou Renzo ao ver seu amigo entrando no carro.
  - É, tudo, licença médica o babaca não pode contestar mas você deve imaginar a cara que ele fez quando me viu entrando com o braço enfaixado né...
  - Mas ele te encheu o saco?
  - Pra variar né. Perguntou assim pra mim: “e agora, quem vai fazer o seu trabalho enquanto você fica em casa descansando?” Porra, o que ele queria que eu fizesse? Que eu viesse trabalhar com o braço ruim?
  - Fiote, na boa, eu não sei como você não manda ele praquele lugar e fica na boa. Com esses esquemas de computador que você manja não precisaria ficar agüentando esses babacas, era só descolar uma grana legal e se aposentar. Se fosse eu que entendesse desses esquemas já tinha feito isso faz tempo... – disse Renzo já com seu carro em movimento.
  - Eu sei, eu sei, mas é arriscado cara, daria muito na vista se eu começasse a viver de brisa, sem trabalhar. Uma hora alguém ia desconfiar, é por isso que eu não faço meu, não quero complicação pra minha cabeça, quero viver em paz e não preocupado se a polícia vai bater em casa a qualquer momento pra me prender por causa desses rolos.
  - Tudo bem fiu, eu te entendo. Mas fica sossegado, você vai ficar uma semana em casa, na boa, e o babaca vai ter que engolir isso. Dane-se ele. Me fala uma coisa fiote, o delegado comentou com você do assassinato que teve perto da faculdade?
  - Ele falou comigo sim. Ele disse que pouco antes de a polícia chegar lá um cara já tinha telefonado pra polícia falando de uma briga de casal que estava tendo lá. O pior é que o cara disse que eles estavam num carro igual ao do Paulo. Será que pode ter sido ele?
  - Sei lá fiu, eu prefiro pensar que não, mas pode ser né. Do jeito que ele tava era capaz de qualquer coisa. A mulher que morreu era uma prostituta que trabalhava aqui no centro e os caras do bar que ela trabalhava confirmaram que o carro era um Gol vermelho. É claro que aqui na cidade não existe só um carro desses, mas depois de tudo o que aconteceu...
  - É, isso tá suspeito mesmo, mas também agora não adianta ficar pensando muito nisso, o cara já morreu mesmo, mesmo que descubram que foi ele, vão fazer o quê né meu? O problema é que isso só reforça mais ainda o fato de que ele estava totalmente fora de si mesmo e podia fazer qualquer coisa.
  - É, se ele foi capaz de matar a mulher ele poderia matar qualquer um. Se o Jean não tivesse atirado nele com certeza ele atiraria na gente. Deus sabe mesmo o que faz...
  Os dois ficaram pensando nisso tudo, mas já estavam exaustos demais de ficarem pensando só em coisas ruins e queriam afastar esses pensamentos negativos de mortes, loucura e tudo o mais.
  - Vamos almoçar lá em casa fiu? Você não tá podendo cozinhar...
  - Ah não Renzo. Valeu pelo convite, mas é que se eu aparecer lá na sua casa sua mãe vai ficar perguntando um monte de coisas e eu nem tô afim meu. Eu gosto dela, você sabe disso, mas hoje já tô empapuçado de ficar respondendo perguntas, já basta o bendito delegado.
  - Então vamos comer onde? Eu não sei cozinhar não fiote...
  - Ué, a gente almoça lá em casa mesmo. O freezer tá cheio de comida congelada, é só colocar no microondas e mandar ver. Tem lasanha lá, o que acha disso?
   - Pô fiote, por que você não falou logo? Se eu soubesse disso antes nem tinha te chamado pra ir comer lá em casa, vamo logo então que eu tô morrendo de fome.
  Hanz se divertia com o jeito do amigo e naqueles instantes a lembrança da morte de Paulo havia desaparecido da mente deles. Mas ainda havia muita coisa por acontecer em relação à morte de Paulo e a dor novamente se apossaria de seus corações.

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