Jean ainda
não tinha voltado da cozinha, Alex e André estavam à uma certa distância deles,
o segundo com o prato de carne nas mãos e Tatiana com a pistola encostada no
peito de Hanz que aparentava não estar bem e já não mais segurava na coleira de
Brutus.
O destino parecia estar a favor de Renzo e
ele percebeu isso quando notou que Cibele tinha um revólver dentro da sua
bolsa. Discretamente ele deu uma piscada para a amiga, que lhe retribuiu
afirmativamente com a cabeça.
Nesse mesmo instante Hanz caiu no chão como
se estivesse desmaiado o que alarmou todo o grupo, inclusive Brutus que se
levantou assustado.
- Levanta Hanz, porra, o que você tem? –
disse Tatiana ao vê-lo cair a seus pés e perdendo, assim, sua mira.
Jean voltou para o quintal com uma lata de
cerveja já aberta numa das mãos e o cigarro na outra.
- O que tá acontecendo? – perguntou ele.
- O bundão parece que desmaiou!! – disse Alex
rindo.
- Porra, levantem ele logo!! Renzo, chame o
cachorro pra perto de você!! – gritou Jean ainda na porta da cozinha.
- Ele não me obedece, nem adianta!! – gritou
ele.
- Eu é que não vou chegar perto desse bicho!!
– disse André.
- O que você tem Hanz? Levanta cara!! – disse
Renzo preocupado.
- Vai lá e levanta ele você então porra!! –
ordenou Jean.
Tatiana estava sem reação com Hanz caído
sobre seus pés e com Brutus rodeando o rapaz desacordado, foi quando Renzo se
levantou e foi até o amigo, empurrando Brutus para abrir caminho.
Mas ao se aproximar dele Renzo não o ajudou,
ele agarrou o braço de Tatiana e com uma torção tomou a pistola que ela
carregava.
- Pega Brutus, pega!! – gritou ele dando uma
cotovelada no rosto da garota, que desmaiou.
Brutus correu pra cima de André, ele não
atacaria de imediato quem ele conhecia, o rapaz, surpreendido, atrapalhou-se
com o prato e o arremessou contra o cachorro, mas em vão. Tentou então sacar a
pistola que tinha na cintura mas caiu com o peso de Brutus que pulou sobre ele
furiosamente rápido como um raio.
Cibele pegou o revolver que tinha na bolsa e
atirou na barriga de Jean, que gritou de dor sem ter tempo de sacar sua pistola
diante da atitude de Renzo, a cerveja e o cigarro o atrapalharam. Ele parecia
não acreditar no que via, como eles foram capazes de reagir daquela forma?
A confusão deixou Alex desnorteado e ele não
teve tempo de sacar sua pistola antes que Renzo disparasse diversas vezes em
seu peito, jogando-o ao chão, já morto.
Cibele enfurecida correu até Jean, que ainda
de pé gemia com a mão sobre a barriga, e lhe deu uma joelhada no peito
jogando-o de costas ao chão.
- Você vai pagar pelo que fez com o Paulo seu
filho da mãe!! – disse ela apontando o revolver para a cara dele.
- Fica longe dele Cibele, não fica perto dele
não!! – gritou Renzo temendo que Jean conseguisse desarmá-la. Ele tinha
treinamento militar, tudo era possível.
- Ele não vai fazer mais nada, ele já era!! –
gritou ela ensandecida disparando contra o rosto do rapaz caído aos seus pés. O
sangue do assassino de seu marido respingou pelas suas pernas.
“Puts, ela matou o filho da mãe!!” – pensou
Renzo vendo a cena. Um frio percorreu-lhe a espinha, ela parecia fora de si.
André gritava de dor com Brutus agarrado ao
seu braço sacudindo-o ferozmente e dificilmente conseguiria alcançar sua arma,
Renzo os alcançou rapidamente.
- Quieto Brutus, quieto!! – ordenou ele, no
que foi prontamente atendido.
Ele se abaixou sobre o rapaz ferido e tirou a
pistola de sua cintura, Cibele ainda estava estática olhando para o rosto
deformado de Jean à seus pés, parecia em estado de choque.
Hanz voltava a si e a primeira cena que viu
foi o rosto de Tatiana com o sangue que vertia de seu nariz provavelmente
fraturado pelo golpe desferido por Renzo.
- Me ajuda cara, pelo amor de Deus, me
ajuda!! – implorava André banhado pelo sangue que esguichava de seu braço.
- Vou te ajudar sim... – disse Renzo dando
alguns passos para trás e efetuando inúmeros disparos no peito de André, que
não disse mais nada. Num estalo de lucidez ele se deu conta do que tinha feito.
Havia mesmo a necessidade de dar cabo da vida dele? Sua mente parecia processar
seu raciocínio como um super computador. No mesmo instante em que refletia
sobre o que havia feito veio-lhe a idéia de que por mais sanguinária pudesse
ter sido sua atitude ela era necessária porque não podiam haver sobreviventes
do lado inimigo para que não houvesse a possibilidade de a verdade dos fatos
vir à tona. Todos que estavam com Jean deveriam morrer para que ele, Hanz e
Cibele pudessem dar a versão que melhor lhes conviesse e não se complicassem
com as autoridades.
Hanz engatinhou para perto da churrasqueira,
estava horrorizado não só com os inúmeros corpos espalhados pelo seu quintal
mas principalmente com Cibele que agora apontava seu revólver para a cabeça de
Tatiana, que recobrava seus sentidos.
- O que você tá fazendo Ci? – resmungou ela
ainda zonza vendo a arma apontada para seu rosto.
- Calma Cibele, não precisa disso, tudo já tá
sob controle!! – gritou Renzo virando-se e vendo a cena. Mais uma vez um
arrepio lhe percorreu a espinha. De relance o rapaz teve a impressão de ver
Paulo em seus últimos instantes de vida empunhando a arma. Ele esfregou a mão
nos olhos e percebeu então que era realmente Cibele quem estava ali.
Brutus correu até Hanz. Afagando seu cão
carinhosamente ele ainda procurava entender o que estava acontecendo.
Cibele chorava compulsivamente mas não
baixava seu revólver.
- Não faz isso Ci, eu sou sua amiga... –
implorava Tatiana imóvel, mas a amiga nada respondia, apenas as lágrimas
escorriam em abundância de seus olhos perturbados.
- Calma Cibele, não faz isso... – falava
Renzo calmamente aproximando-se devagar da amiga, almejando desarmá-la.
Hanz começava a entender o que acontecia e
pareceu ouvir uma sinistra risada que entrecortou o som do disparo do revólver
de Cibele. Tatiana caiu morta ao chão.
Renzo finalmente chegou até a amiga e tomou o
revólver que ela carregava nas mãos trêmulas, infelizmente já era tarde e
Tatiana também estava morta. Ele não se abalou muito com isso, pois como já
tinha refletido, era necessário que todos eles morressem para não que não
houvesse a possibilidade de contradizerem a versão que seria apresentada sobre
aquilo tudo.
Cibele abraçou o amigo chorando nervosamente,
ela parecia não acreditar no que tinha feito.
- Meu Deus, o que é isso?? – resmungou Hanz
que começou a chorar vendo Tatiana cair com o rosto deformado.
Um breve silêncio se fez antes que se
iniciasse os murmurinhos dos vizinhos que já se aglomeravam em frente à casa de
Hanz.
Não demorou muito para que sirenes de
viaturas policiais que se aproximavam pudessem ser ouvidas.
Hanz se levantou segurando Brutus pela
coleira e foi até seus amigos.
- Meu Deus, que inferno é esse Renzo? Como
isso foi acontecer? O que foi isso meu Deus? – perguntou Hanz desnorteado.
- Vamo lá pra fora fiote, vamo lá pra fora. –
pediu Renzo segurando-o pelo ombro e conduzindo Cibele que ainda chorava.
Renzo jogou as armas no chão, sabia que a
polícia se alarmaria ao vê-lo armado.
Ao saírem pelo portão foram surpreendidos por
alguns policiais que os mantinham sob a mira de suas armas.
- Calma pessoal, podem baixar as armas!! –
ordenou o sargento que mais uma vez comparecia àquele endereço e já era
conhecido dos rapazes.
Renzo olhou para ele e fez um sinal negativo
com a cabeça.
- Porra Renzo, o que vocês aprontaram dessa
vez cara? – perguntou o policial.
- Uma tragédia sargento, uma merda sem
tamanho, mas era eles ou a gente... – disse o truculento rapaz amparando seus
amigos.
Vários policiais adentraram rapidamente o
quintal para averiguar o que havia acontecido.
- Recebemos vários chamados dizendo que
estava tendo um tiroteio aqui, o que foi que aconteceu?
Renzo entregou Cibele nos braços de Hanz e
tentava pensar numa boa explicação para o que acontecera, a verdade mais uma
vez não poderia ser conhecida.
- Os caras invadiram a casa sargento, eles
estavam armados, pelo que eu percebi eles iam seqüestrar o meu amigo, o Hanz,
daí não teve jeito... – disse ele apontando para o amigo.
- E mais uma vez vocês decidiram agir por
conta própria não foi? Porra, eu já não falei pra você Renzo? Mas que porra,
quando vocês vão aprender cara? – o sargento estava nervoso.
- Eles iam matar eu e a Cibele sargento, eles
só queriam levar o Hanz com eles, se a gente não fizesse alguma coisa eles iam
matar a gente pô!!
Nesse momento um dos policiais saiu até a rua
já cheia de curiosos.
- Sargento, tem quatro corpos lá dentro,
todos receberam disparos de arma de fogo, elas estão jogadas lá no quintal, não
tem ninguém vivo. São três homens e uma mulher.
O sargento passou a mão nervosamente pelo
rosto e prosseguiu com suas ordens.
- Isole o local, tire os homens de lá e não
deixe eles mexerem em nada. Acione a perícia, não quero ninguém lá dentro até
ela chegar aqui entendido? Vou levar os três pra delegacia, eles terão muita
coisa pra explicar...
O soldado prontamente atendeu às ordem
recebidas.
- Sargento, acho melhor passarmos antes em
algum hospital, a Cibele não tá bem, acho que seria melhor ela ver um médico. –
disse Renzo.
O policial verificou que Cibele estava mesmo
muito abalada e antes de levá-los à delegacia para prestar os esclarecimentos
necessários conduziu-a até o pronto socorro.
Mesmo abalados com tudo que acontecera Renzo
e Hanz preocupavam-se em não se contradizer acerca da versão dada sobre o
ocorrido.
Finalmente pareciam estar livres do grupo, o
envolvimento que tinham nas ações que mobilizaram as autoridades de todo o país
seria levado junto com eles para o túmulo. Mentir era algo que Hanz não estava
habituado e fazer e que tão pouco o agradava mas a verdade sobre aquilo jamais
poderia ser conhecida para que ele e seus amigos não se complicassem com as
autoridades.
Enquanto era conduzido até o hospital e
posteriormente à delegacia sua cabeça estava tomada pelo desfecho trágico dos
acontecimentos.
Sentia-se mal por mais uma vez ter se apegado
à uma mulher que não lhe dera valor. Os esclarecimentos que Jean havia feito em
relação à Tatiana o transtornavam. Tudo não passara de um plano sórdido para
que Hanz fosse manipulado por ele, que se utilizara da garota para isso. Seus olhos encheram-se de
lágrimas diante de mais um fracasso amoroso, diante do fato de ter seus
sentimentos manipulados, de ter acreditado em palavras de carinho falsas, mas
também por ver a mulher que amava morrer de uma forma tão violenta.
Um turbilhão de sentimentos o invadia, ele
não sabia se amava ou se odiava Tatiana, estava sem condições de tomar qualquer
decisão sobre isso naquele momento.
Renzo notou a dor que o amigo sentia e
colocou a mão em seu ombro, apoiando-o naquele momento tão difícil pelo qual
passava.
- Eu imagino como você deve estar se sentindo
fiote. Sei que você gostava dela, dava pra ver no modo como a tratava e falava
dela pra mim... é uma pena que tudo tenha sido apenas pra te enganar... Nem sei
o que posso fazer pra te alegrar fiu, desculpa...
- Não esquenta Renzo, isso vai passar...
Sempre passa, mais dia menos dia sempre acaba passando... Só que enquanto não
passa, dói muito... – disse ele segurando na mão do amigo que estava em seu
ombro.
O sargento que conduzia a viatura estava
atento à tudo, talvez na conversa dos rapazes estivesse alguma pista sobre a
verdade do que tinha acontecido. Não que ele desconfiasse deles, mas a história
apresentada por Renzo ainda parecia-lhe bastante estranha, tudo se encaixava
muito bem, e isso lhe causava estranheza...
Enquanto o sargento e o soldado conduziram
Cibele até o atendimento médico os amigos puderam ficar sozinhos por algum
tempo e puderam se certificar de que não se atrapalhariam em dar e mesma versão
sobre o que acontecera.
- Tá certo Renzo, eu ouvi o que você disse
pro sargento, fique sossegado que eu vou me esforçar para confirmar tudo o que
você disse. Acho que única coisa que é verdade nisso tudo é a de que a Tatiana
estava mesmo do lado dos caras...
- Eu sei o quanto isso dói fiu, eu sei. Ela
foi muito sacana, desde o início tudo já tinha sido combinado entre ela e o
Jean. Ela achava que se você tivesse apaixonado por ela não ia discordar de
alguma idéia que ela tivesse, idéia que na verdade era do Jean... Porra fiu,
não fica pensando nisso não, tenta esquecer. Eu sei que é difícil, mas é
melhor. Os dois já eram cara, não adianta mais pensar nisso, não vai mudar
nada...
Hanz tinha o olhar parado, estático, enquanto
ouvia as palavras do amigo.
- O problema é a Cibele, ela parece estar
fora da realidade, tá em choque, ela ainda não tá sabendo da história que vamos
dar. E agora? – preocupou-se ele após alguns instante de reflexão.
- Ela provavelmente não vai ser ouvida hoje
pelo delegado fiote, até lá a gente tem tempo pra contar história pra ela. Hoje
ela tá em estado de choque, é provável que o delegado ouça ela só amanhã,
quando ela já tiver melhor...
- Menos mal. Mas Renzo, como ela pôde matar a
Tatiana daquele jeito meu? A sangue-frio daquele jeito? Justo ela que sempre se
mostrou tão equilibrada... Fiquei impressionado com aquilo...
- Eu também fiu, eu também. Sem contar que
ela acertou o Jean do mesmo jeito, você não viu porque tinha apagado, mas foi
igualzinho. O cara já tava caído, baleado, e ela foi lá e mandou ver nele...
Foi estranho, mas quando eu vi a cena me deu a impressão de tá vendo o Paulo,
quando ele tava fora de si...
Hanz pensou um pouco, como que tentando lembrar-se
de algum detalhe importante que tivesse presenciado nos instantes finais que
presenciara e lhe desse alguma pista sobre os motivos que tivessem feito Cibele
agir daquela forma, principalmente depois dessa observação feita pelo amigo.
- Você disse que teve a impressão de estar
vendo o Paulo?
- É, foi estranho. Quando eu me virei e vi a
Cibele apontando a arma pra Tatiana, assim logo de cara, de relance, me deu a
impressão de tá vendo ele. Não ele... sei lá... ela tava com o mesmo olhar que
o Paulo tinha na hora que o Jean acertou ele, na hora eu lembrei do cara, mas
sei lá...
Hanz lembrou-se de ter ouvido uma
maquiavélica risada no instante em que a amiga efetuara o disparo fatal contra
Tatiana. Mas quem poderia estar rindo? Cibele estava muda, Renzo tentando
impedir que ela disparasse e os demais já estavam todos mortos, quem poderia
estar rindo diante de uma cena tão terrível?
Não demorou muito até que os policiais
voltassem para a viatura. Cibele havia sido deixada no hospital, ficaria internada
até que seu estado fosse melhor, ela estava muito abalada com o que ocorrera e
dormia a base de calmantes.
Ao chegarem na delegacia os pais de Renzo já
estavam no local, a cidade toda já parecia estar a par do que havia acontecido.
Logo eles já estavam, cada um na sua vez,
diante do delegado, dando-lhe a versão que havia sido combinada sobre os fatos.
Não se enganaram em nenhum detalhe que foi
dado e assim não foi despertada nenhuma suspeita de que eles pudessem estar
mentindo, até mesmo porque Renzo já era conhecido dos policiais da cidade e
tinha crédito com eles.
Vantagens de se morar em uma cidade pequena...
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